Santiago Carrillo, contra-obituário de um traidor

Os média do sistema estavam ontem de tarde a emitir especiais informativos sobre Santiago Carrillo, o histórico dirigente do PCE e pai fundador do “eurocomunismo”. Salientavam esses média o carater pragmático e conciliador do político asturiano, peça chave da “transiçom” espanhola, assinante dos Pactos da Moncloa, artífice da legalizaçom do Partido Comunista (um facto que lhe daria pretensamente carimbo de autenticidade à democratizaçom do estado espanhol…)

A minha geraçom está a viver as conseqüências do último Santiago Carrillo; sem dúvida esse Santiago Carrillo que mais louvam os média, o Santiago Carrillo vaca sagrada do regime bourbónico, "artífice da democracia”, defensor do consenso

Em definitivo, parece que se torna evidente a gratidom que o regime bourbónico lhe professa a este vulto que, pola sua longevidade e a sua trajetória política que se remonta a praticamente a sua adolescência (morreu nestes dias e com noventa e sete anos) é um personagem com muitas  faces. O Santiago Carrillo do cárcere, da clandestinidade e do exílio, existiu. O Santiago Carrillo da revoluçom de Otubro asturiana, existiu. E o Santiago Carrillo que combateu com as armas em defesa da II República espanhola, existiu. Mas a minha geraçom está a viver as conseqüências do último Santiago Carrillo; sem dúvida esse Santiago Carrillo que mais louvam os média, o Santiago Carrillo vaca sagrada do regime bourbónico, "artífice da democracia”, defensor do consenso.

Santiago Carrillo passou ao bando contrário ao que militara até entom, justo no momento em que assina os Pactos da Moncloa, aceitando a monarquia como forma de estado, aceitando a nom depuraçom dos corpos repressivos e o exército, aceitando a nom depuraçom do apartelho judicial, e aceitando a impunidade dos crimes cometidos durante a guerra civil espanhola, a posterior repressom e o resto do franquismo. Nesse momento, o entom líder do PC oficial espanhol passa de ser um velho luitador anti-fascista a ser umha peça chave para o regime bourbónico; evidentemente umha cousa nom é compatível com a outra desde o momento em que Juan Carlos I de Bourbon ocupa o lugar que ocupa em virtude do chamamento que no seu dia lhe figeram as cortes franquistas para jurar os princípios do Movimiento Nacional. Franco assinalara-o como continuador da sua obra e esse era o papel que desenvolvia entom o monarca espanhol e continua a ser o papel que desenvolve agora.

O falsamente democrático regime bourbónico está substentado na negaçom da memória histórica, fundametalmente para salvaguardar no essencial os privilégios de classe daqueles que instigárom a sublevaçom de 36

O falsamente democrático regime bourbónico está substentado na negaçom da memória histórica, fundametalmente para salvaguardar no essencial os privilégios de classe daqueles que instigárom a sublevaçom de 36 e garantir a sua impunidade, umha impunidade que nom tenhem empacho em reivindicar mesmo como direito de conquista. Esse regime bourbónico, como conseqüência da negaçom doutrinária da memória histórica (da memória histórica como processo crítico, nom a fraude argalhada polo “zapaterismo”) é um regime sem cultura da responsabilidade política, que permite crimes contra o povo, crimes contra o ecosistema, crimes contra a classe trabalhadora…sem absolutamente nengumha conseqüência, nem política nem penal para os responsáveis, permitindo a perpetuaçom de elementos e de clans familiares com historiais delituosos e criminosos de arrefrio nas estruturas de poder.

Este regime falsamente democrático, finalmente, nom restaurou nunca a memória dos que de verdade luitarom pola democracia. Beatifica figuras como Marcelino Oreja,  Fraga ou Adolfo Suárez, que no seu dia erguérom o braço em saúdo à romana como signo de lealdade ao fascismo, e nom reconhece como herois da liberdade a quem combateu com as armas por ela nem como mártires a quem polo seu compromisso com essa liberdade foi vilmente assassinado polas forças do fascio. Os passeados, fusilados, torturados, encarcerados e demais apenas som úteis como vítimas, para expiar desacertos de consciência em pantomimas lacrimógenas.

Que a memória da guerrilha estivo proscrita no PCE durante décadas nom é um invento meu, e que a própria bandeira tricolor da II República estivo prohibida nos seus atos é umha cousa da que podem dar testemunho muitas pessoas com as que tenho relaçom

O dia em que Santiago Carrillo dijo sim ao regime bourbónico, divorciou-se da sua trajetória anterior e deixou atrás a memória de José Ramom Gomes Gaioso, de Manolo Velho, de Henriqueta Outeiro, de Marrofer, de Luís Soto, de Henrique Líster. O dia em que Santiago Carrillo assinou a sua lealdade ao regime liderado por Juan Carlos I, enviou à gaveta do esquecimento a luita do PCE no exército leal e na guerrilha e a difícil resistência nos anos escuros. E enfrentou-se com as geraçons posteriores de militantes de esquerda que reclamavam umha memória e uns referentes que lhes pertenciam. Que a memória da guerrilha estivo proscrita no PCE durante décadas nom é um invento meu, e que a própria bandeira tricolor da II República estivo prohibida nos seus atos é umha cousa da que podem dar testemunho muitas pessoas com as que tenho relaçom. E tudo isso é responsabilidade direta de Santiago Carrillo.

Santiago Carrillo hoje é merecidamente homenageado polo podre regime bourbónico. Homenageado como o que é; um artífice da ordem política, social e económica que neste momento padecemos. E eu, como revolucionário que me considero, deixo cá ese modesto contra-ponto.

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