Seres vivos prodigiosos

Capa de 'Recordes dos seres vivos' (Laiovento) e da obra orixinal © Laiovento/Springer

Nom é frequente contarmos com umha traduçom ao galego de um livro de divulgaçom científica de qualidade a um ano apenas de ter sido publicado o original em alemám. Menos ainda numha traduçom rigorosa, fruto de um especialista na matéria e mestre conceituado no galego reintegrado, essa variedade que conjuga com equidade a fidelidade ao galego vivo e literário com o português que potencia a sua dimensom internacional. A leitura discorre assi de forma instrutiva e prazenteira.

O livro que comentamos, Recordes dos seres vivos. Anaos e gigantes, das bactérias aos vertebrados (1) bem poderia intitular-se "proezas dos seres vivos", visto que o seu tema condutor é a extraordinária adaptabilidade dos seres vivos, até um ponto que excita o nosso assombro.

A divulgaçom científica de qualidade proporciona-nos o duplo prazer de confirmar conhecimentos porventura amortecidos e, sobretodo, o de abrir a mente à permanente maravilha de a complexidade da natureza ser inteligível e próxima à nossa consciência, embora nom saibamos bem em que consiste esta.

A cosmologia e a biologia e os seus fundamentos físicos, matemáticos ou moleculares, som fonte inesgotável de assombro, de Galileu a Einstein, dos gabinetes de História Natural dos ilustrados aos enigmas do código genético e a evoluçom das espécies.

Recordes dos seres vivos, é produto da colaboraçom de dous doutores germánicos em Biologia, vertido agora ao galego por outro doutor na mesma matéria e de competência provada polo seu exercício de docência universitária em traduçom científico-técnica.

É de justiça destacar, e nisto reside muito do atractivo da obra, a competência lingüística do tradutor. Permitide-me recordar que Carlos Garrido preside a Comissom Lingüística da Associaçom de Estudos Galegos, AEG, como antes o fijo na AGAL, num empenho sem desmaio de reabilitaçom do idioma galego, sem cedência perante a insatisfatória variedade de curso legal nem tampouco de submissom ante o prestígio internacional do português. 

O professor Garrido expressa-o com elegáncia no prólogo do livro que comentamos, ao se reconhecer um bocado desiludido ante a sua potencial difusom, nom obstante o seu inegável interesse, mas, em nengum caso desesperançado. Umha distinçom oportuna esta entre desilusom e a desesperança para todo aquele que mantenha um empenho regenerador diante da realidade decepcionante. Desilusom como lucidez, e recusa à desesperança por compromisso livremente aceitado. Perseverar no compromisso, convocar a coragem reprimindo toda ilusom é, afinal, o preceito com que Virgílio conjura o temor de Dante: "Vem comigo e que a gente fale, como torre que o vento nom dá abatido por mais que ele soprar".

A cuidadosa atençom ao galego, separando-o do português quando é preciso, é patente aqui e acolá por todo o livro. É assi como a avelainha galega resiste ante a mariposa e a traça de sabor internacional (p.133), ou como a família das cucurbitáceas se desdobra em múltiplos significados, desde a abóbora, a cabaça e mesmo o calacu (acentuada no "u") do Halloween (p. 170), frente à afrancesada curgete ao gosto português e a encantadora abobrinha de gosto brasileiro que nomeiam a abóbora-moranga, ou cogombro e pepino (p. 143, 144, 174). O tradutor gosta destas precisons denominativas. Umha prova mais é a preferência pola carabunha em vez do caroço, mais próprio de lusos e brasileiros (p. 161).

A defesa da denominaçom galega frente à portuguesa e a brasileira aconselha mais adiante optar por miquinho ou michinho para aludir ao gatinho qualquer, que vem a propósito do miquinho ferrugento, um astuto gatinho fero minúsculo que vive no sul da Índia. O facto de os nossos correspondentes na língua comum preferirem bichanito para denominar um gracioso michinho suscita em qualquer amante do grácil felino doméstico um pequeno arrepio.

A sensibilidade estilística do professor Garrido brilha aqui e acolá: a aflitiva pungência das urtigas (p. 139), os efeitos gordurosos de frutos e sementes que ameaçam o volume dos nossos quadris (p. 143). Umha ascese constante de renúncia ao galego bastardo, doente de castelhanize, de devoçom ao galego de raiz, seguro de si mesmo, igual entre iguais, grafado como é devido.

Assi é todo, cada um tem as suas manias idiomáticas. Persoalmente nom gosto demasiado do bom cheiro quando temos o simples arrecendo de delicada fragráncia. Todo cheiro é malcheiroso e todo arrecendo evoca o miss perfumado da grande Cesária Évora. Ou assi era na aldeia da minha infáncia. Também confesso preferir o adjectivo esfameado, mesmo sempre esfameado, frente à locuçom "sempre famento". Afinal, querenças estilísticas da retro memória. Também, o gentílico toquiano, proposto polo professor para os filhos de Tóquio, embora plausível, poderia talvez ceder passo ao adjectivo toquiota que já tenho visto algures e parece ajeitado ao ouvido japonês. Peperetadas em qualquer caso de adictos à língua.

Como um roteiro de prodígios, Recordes dos seres vivos vai percorrendo as façanhas dos cavalheiros da vida acompanhadas de ilustraçons que bem mereceriam a sumptuosa paleta dos Pantone caso os meios económicos e a demanda potencial estivessem à altura da coragem editorial da Laiovento.

Tam logo como o leitor se afaga à pequena servidom de marcaçom de cada façanhoso campeom com cadanseu letreiro do seu táxon identificativo, pode mergulhar sem mais tropeços nas marcas de excepcionalidade que acreditam os inúmeros aspirantes a empoleirar-se no pódio dos vencedores da árvore da vida.

Vejam as árvores ciclópicas e as mais longevas, o cogumelo gigante e a arrepiante toxina botulínica, capaz de matar um ser vivo com a metade de 10–9 gramas por quilograma de peso do infeliz sentenciado, ou a prodigiosa flor de abertura mais rápida e de mais potente ejecçom de pólen; ou o fruto mais azedo, ou mais picante, ou mais delicioso apesar do seu repelente odor. Contemplem o cogumelo gigante, a madeira mais pesada e a mais leve, o caule mais ligeiro e resistente; aí tenhem os prodigiosos bambus que chegam a alcançar 25 cm de diámetro e 40 m de altura, com capacidade provada para competir com vantagem com os tubos de aço da andaimaria com que se construem os arranha-céus chineses. E as aves infatigáveis e os misteriosos fungos, e os machos mais lascivos e os morcegos, as serpes, os papagaios, os peixes, e a rá mais pequena e a maior borboleta, num mareante carrossel de celebridades. Sem esquecermos a história do elefante Jumbo, que deu fama ao circo Barnum e nome aos avions de maior porte.

E ainda os imponentes órgaos copuladores da baleia e o elefante e as suas habilidosas estratégias de copulaçom. E, de remate, perdido no meio do livro, a engraçada história das sedutoras sementes gigantes da Lodoicea maldivica, que alcançam 25 quilogramas de peso e cuja insinuante forma fazia sonhar os marinheiros com generosas nádegas femininas (as da Naomi Campbell segundo a ponderada opiniom dos doutores autores do livro) e inspirava os curandeiros com miraculosos afrodisíacos orientais. Enfim, a vida maravilhosa, como a ela se referia Stephen Jay Gould.

 

1- Klaus Richarz, Bruno P. Kremer (2017): Recordes dos seres vivos. Anaos e gigantes, das bactérias aos vertebrados, Edicións Laiovento (2018), traduçom do alemám: Dr. Carlos Garrido, Universidade de Vigo.

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