Tecendo redes para a Marea Viva

Quando de criança vivia em Viveiro e meu pai andava ao pincho no Gran Sol, aprendi uma coisa que me tinha fascinado naquela altura. Lá, na Marinha, estávamos no mar Cantábrico mas, além dum lugar que a minha geografia de meninho lhe custava situar chamado Estaca de Bares, havia outro mar: o oceano Atlântico. Seria existencialismo naïf e buscar a identidade própria na alteridade, mas daquela caia-me mal, em geral, a gente que vivia nesse oceano Atlântico, a beira desse mar que não era o meu.

Mentalmente imaginava como seria esse ponto de encontro dos dois mares diante da Estaca. Fantasiava vendo-os bater um contra o outro e sonhava com o meu mar preferido, o Cantábrico, vencendo a esse imenso Atlante lendário que nos queria invadir.

Demorei anos em dar conta de que, em realidade, essa diferenciação de mares tinha sido feita por uma decisão humana e que na estaca de Bares não há ondas batendo bravamente para invadir as águas do lado, que não se avistam correntes monstruosas em direções opostas, nem se vêem fumareus gigantes ao pé do meu farol preferido. Em realidade trata-se da mesma água, os robalos não precisam passaporte nem autorização para virar nos cons e viajam, sem grande problema, por cima dos nomes pintados pelos pinceis humanos cima dum papel.

Temos diferentes mares, neste caso marés, que, em aparência, competem entre sim feramente para tentar tumbar à outra parte, para anular a outra corrente, enleadas numa suposta guerra baseada numa diferença que, em realidade, de fundo, não existe

Uma coisa parecida (permiti-me o deslize) estou a perceber no panorama político galego nestes momentos. Temos diferentes mares, neste caso marés, que, em aparência, competem entre sim feramente para tentar tumbar à outra parte, para anular a outra corrente, enleadas numa suposta guerra baseada numa diferença que, em realidade, de fundo, não existe...

Tardei bastante na minha infância em ver que o realmente importante desta história não era o nome das águas escritas num mapa, nem qual “vence” sobre a outra. O verdadeiramente importante são as pessoas que estão a sofrer lá nesse imenso mar, igual que sofria meu pai e os seus companheiros embarcados a faenar, enfrentados a ondas de nove metros com condições laborais e vitais terríveis, com o constante perigo de naufragar.

Eis a parte importante da história: as pessoas que se jogam a vida a cotio para sobreviver, e precisamente nisso temos que pôr o foco: na procura de soluções necessárias para uma vida digna; um mundo na que o repartimento de recursos seja mais igualitário. Devemos, a um tempo, eliminar incertezas ante o futuro e mudar a cultura política da sociedade a uma de maior participação. Conseguir estes objetivos interoceânicos passa por termos as melhores ferramentas. Essas ferramentas tenhem nomes e formas mui diversas; Desde a pouca concreção dos movimentos pela insubmissão dos anos 90 do século passado, chegando a Nunca Mais, passando pelo Não á Guerra, pelo 15M, pelas Marchas da dignidade, por as Marés Municipalistas, etc..., mas todas essas naves tinham sempre em comum a percura da melhora da vida das pessoas e ao mesmo tempo um câmbio profundo na participação política e social.

Neste momento de grande urgência social, para navegar as águas comuns e levar a terra esse peixe que seja metáfora dos profundos câmbios que a nossa sociedade precisa, temos que armar um barco no que entremos todas

Neste momento de grande urgência social, para navegar as águas comuns e levar a terra esse peixe que seja metáfora dos profundos câmbios que a nossa sociedade precisa, temos que armar um barco no que entremos todas. Um barco com uma feitura  firme e sólida para não acabar no fundo uma vez que subamos o aparelho a bordo, e no que a tripulação se componha de todas as mãos que queiram trabalhar por conseguir este objetivo, porque todas somos necessárias neste crucial momento de câmbio.

Neste momento, no eido político, temos um barco chamado En Marea, um barco querido e respeitado, que foi feito provisoriamente com certas urgências e carências estruturais mas cumpriu, de modo exemplar, seus objetivos eleitorais. Além disso, sua armação apresenta algumas fatigas no aceiro e a tripulação tem algum debate subido de tom: nisto acho que não há discussão nenhuma.

Quando há risco de nufrágio, a responsabilidade chama a levar o barco a terra, localizar as fracturas e amanhá-las

Quando isto acontece, e há risco de nufrágio, a responsabilidade chama a levar o barco a terra, localizar as fracturas e amanhá-las. Há muita gente disposta a ajudar e indicar por onde há perigo de que entre a água e como melhorar a sua estrutura para garantir muitos anos mais de singraduras.

Eis o que propõem as Marés em Comum: Reflexionar coletivamente no estaleiro comum e participado chamado a Marea Viva.

As Marés em Comum chamam a que o barco comum de En Marea venha a terra para prepará-lo face às futuras eleições galegas nesse estaleiro aberto que se deu em chamar “Marea Viva”

As Marés em Comum chamam a que o barco comum de En Marea venha a terra para prepará-lo face às futuras eleições galegas nesse estaleiro aberto que se deu em chamar “Marea Viva”. Nele, um grupo de perto de várias centenas de carpinteiras e carpinteiros de Ribeira chegadas de mais de 30 portos, fizeram, de maneira aberta e colaborativa, uma prévia localização dos pontos a ser revistos: Fazemos o casco de madeira ou de ferro? Que artes de pesca vamos utilizar? Quem decide quem se embarca? Como escolhemos essa tripulação? Para onde dirigimos a nave? Ou, em outras palavras, na primeira fase dessa Marea Viva (chamada Marea Baixa) sentaram-se os alicerces para respostar coletivamente sobre os seguintes temas: Primárias? Forma de governo? Código Ético? Organização interna do grupo? Este grupo de carpinteiras não parte de zero: Têm experiência e ilusão noutras botaduras chegadas a bom porto em Maio de 2015.

Todas estas perguntas e algumas mais foram lançadas em Ames a fim-de-semana passada á todas as pessoas da sociedade galega que queiram participar construtivamente. E todas e todos podemos elaborar as respostas, com o único requisito de assinar, previamente os Princípios Básicos. A dia de hoje já contamos com mais de 1.000 assinantes dispostas a repensar, propor e decidir coletivamente as melhores soluções.

Sabemos que neste momento a costeira das eleições estatais está pronta para partir e não temos tempo de mudar apenas nada. Vamos com o que temos (que não é pouco) e ajudando todas

Amanhar o barco em mar aberto seria uma irresponsabilidade. Sabemos que neste momento a costeira das eleições estatais está pronta para partir e não temos tempo de mudar apenas nada. Vamos com o que temos (que não é pouco) e ajudando todas. O compromisso das Mareas en Común passa por trabalhar agora e melhorar a nave para futuras marés, para a costeira das eleições galegas de Outono.

A gente do mar sabe que as melhores marés vivas são as da lua de setembro, as chamadas lagarteiras: são tão viçosas que é frequente que a gente tenha um bote ou uma chalupa para sair ao mar unicamente nesses dias.

Neste verão temos de armar uma grande frota: juntar a Maré definitiva, uma galerna que deite duma vez e para sempre ao PP de Feijoó, Baltar e suas políticas austericidas, injustas e corruptas da nossa terra. Para isto temos de criar um espaço amplo de esquerdas, armado desde abaixo, contando com todas: organizações sociais, marés municipalistas, sindicatos, partidos, plataformas... Porque todas somos necessárias para levar adiante um projeto de futuro, um caminho novo e diferente!.

Juntemo-nos!

Temos uma grande obriga e uma grande oportunidade nas futuras eleições galegas, por uma marea de todas!

Encadearemos adeuses de escuma
pra tódalas praias perdidas
...Xuntaremos cadernos en branco
da novela errante do vento
...Pescaremos na rede dos atlas
ronseles de Simbad

...E cazarémo-la vela
sobre o torso rebelde das tormentas
pra trincar a escota dunha ilusión.

Manuel Antonio. De catro a catro.

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