Terrorismo heterossexual

No capitalismo, umas vidas valem mais do que outras. “Consumo, logo existo”, eis o lema que rege o nosso tempo: as nossas vidas dependem da nossa capacidade para enchermos os petos da burguesia, uma burguesia que aspira a dominar cada recanto do mundo, expandindo os seus mercados e artelhando novas formas de aumentar o seu lucro, mercantilizando cada aspeto da existência cotidiana. No capitalismo, tudo é mercadoria, e a luta LGTBI não é uma exceção.

Constatamos que nos últimos anos as transmaribibolheras fomos ganhando em direitos, como o matrimónio igualitário ou a possibilidade da mudança registal do sexo. Mas por vezes parece que os grupos ativistas não parárom a refletir quem foi o principal beneficiado das melhoras: o homem gay, cis, branco, sem discapacidades e de classe média-alta. Não é casual que tal sujeito se erija como principal (e às vezes único) voz e representação dum coletivo muito mais amplo. A lgtbifobia está inserta numa estrutura de opressão chamada patriarcado que, por sua vez, mantém sinergias com outras estruturas tais, como o capitalismo ou o racismo. Que ninguém se abraie logo de que o recente ataque a um clube gay em Orlando esteja a receber uma cobertura mediática muito maior do que qualquer outra agressão deste tipo acontecida em qualquer outra parte do mundo. A mídia e a propaganda atuárom aginha: aquilo fora um ato de terrorismo islâmico, executado por bárbaros que querem destruir os valores ocidentais de democracia e liberdade.

Mas nós sabemos que nada é nunca tão singelo como o pinta a ideologia dominante. O imperialismo capitalista, com os EEUU à cabeça, viu aqui uma possibilidade de ouro, traçando uma perigosa dicotomia. Nós contra eles, ocidente contra a barbárie, a democracia capitalista contra a injustiça muçulmana. Já que logo, cautela, pois esta dicotomia, bem empregada, serve para justificar intervenções militares imperialistas e aumentar o controlo sobre a população do próprio país, com a escusa do terrorismo internacional e a defensa dos direitos LGTBI. Mas também cria uma miragem: fai-nos crer que o inimigo está fora, cando na realidade vive nas nossas casas e dirige os nossos governos. Atos de terrorismo heterossexual como o de Orlando têm lugar cada dia na rua do lado. As transmaribibolheras ainda somos botadas da casa pola nosso género ou sexualidade, exclui-se-nos de postos de trabalho, somos vítimas de agressões tanto verbais como físicas e algumas, ainda, rematamos mortas polas mãos do patriarcado.

No entanto, a burguesia “progre”, desde os governos e as empresas, manda-nos unha mensagem: as LGTBI podedes ser cidadãs como as que mais, podedes comprar a vossa normalidade consumindo produtos com bandeiras do orgulho e celebrando festas magníficas nos vossos locais, mesmo ajudaremos-vos a sairdes cada 28 de junho a celebrar a vossa normalidade polas ruas montadas em elegantes carroças patrocinadas por alguma marca de bebidas. Em troco, unha demanda: deixai atrás as insubmissas aos cânones, as feias, as gordas, as migradas, as discapacitadas, as pobres e as drogodependentes. Deixai as que protestam, as que questionam a família, o amor romântico ou o género. Poderedes casar, ter unha casa, crianças e um carro na porta da casa. O capitalismo rosa dará-vos normalidade se sabedes pagá-la coa vossa submissão.

Se queremos um futuro digno e justo para todas, devemos lutar como lutárom outras tantas antes ca nós, erguermos as bandeiras do transfeminismo, o anticapitalismo e o independentismo, e berrarmos, todas juntas, ontem, hoje, amanhã e sempre: não queremos ser normais, queremos ser ceives e orgulhosas numa terra liberada.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.