Todas perdemos

Ou, pelo menos, algumas de nos perdemos.

Quero começar este texto desejando a pronta recuperação das pessoas feridas na manife imediatamente posterior ao despejo do CSO A insumisa. E também deixando claro que repúdio totalmente a violencia, todas. Não é uma novidade, sempre o fiz. Nunca cri em nada que tivera que ser feito pela força, nem com porras nem com martelos. Especialmente se a violência vem desde o lado policial, precisamente porque essa gente, a que tem o monopólio e a “potestade legal” de exercê-la. A gente que cobra por elo, a que recebe uma formação para sua “utilização profissional” é quem tem mais responsabilidade sobre o que com ela fazem. A polícia não pode empregar o olho por olho, nem contestar a tira-poxas ou insultos tirando de porra e espraies. Por mais que empurrem desde fora. Desde o meu ponto de vista a actuação policial, com os numerosos vídeos dos que se disponham, (da local ou da outra, tanto faz) deve ser analisada e estudada para ver se poderia dar lugar a repercussões ou sanções. Segundo o que sei já se está a fazer, aguardemos.

Fora disso tenho que vos confessar a minha total consternação pelo acontecido, pode ser que a ninguém lhe importe nem interesse, mas eu tenho que o dizer igual: Uma mistura de raiva e decepção a partes iguais percorre meu corpo.

Raiva e decepção por ver como ao final as pessoas que pensávamos que havia uma solução mais lá do mil vezes visto, temos que admitir que se calhar nos equivocamos. Observo, no meu entorno poítico, a imediata colocação de todo o mundo nas previsíveis situações maniqueias e interessadas destes dias (Mare = “fascistas”, CSO = “infantis”-, como resume de muitas outras). Isso sim, nem todos os memes do mundo farão que seja certo coisas que se lêem como que “as cargas foram ordenadas pela Marea”. Repugnante que alguem possa pensar isso...

Mas a mim permitíde-me situar-me noutro lugar: a da frustração. E, bom, admito a minha derrota total. A derrota total das pessoas que criamos que era possível a percura dum lugar intermédio pactado que garantira a pervivência da parte central do projecto “A Insumisa” no tempo, cedendo, isso sim, parte da gestão ao concelho. Ou seja, à instituição que representa à cidade. Os que apostavamos por essa via perdemos. Essa é a realidade. Mas isso não me faz mudar de opinião.

Confesso-o, nunca fui “purista” de nada. Nunca. Creio que o mundo está cheio de matices e que entre o preto e o branco há inumeráveis grises. “à metade vítimas e à metade cúmplices”, como bem indicava Sartre. E este caso da ocupação das naves da ex-comandància não será menos.

Sigo a pensar que havia possibilidades reais de que na Corunha se fizera algo diferente. E se não o digo, rebento: Creio que muitas pessoas não tinham interesse em que isto não fora adiante. Por diferentes motivos, incluso meramente pessoais. Provavelmente os principais motivos começam porque há demasiadas zonas de conforto, demasiados corsés, demasiados clichés e tabus como para mostrar nenhum tipo de possibilidade de acordo. Porque, efectivamente, “ceder” e converter o “CSO” em “CSA”, com titularidade municipal logo dum proceso de negociação, era vivido por alguns/mas como uma derrota total.

O objectivo das pessoas da assembleia (não de todas) da Insumisa parecia ter um único fim e eis sua única possibilidade de saida: ou todo ou nada. Ou nos quedamos como estamos ou que nos botem. Explorar as possibilidade de converter esse espaço num lugar de possibilidades diferentes de gestão inovadoras com o concelho garantindo uma estabilidade legal do espaço era, simplesmente, inassumível. Era, insisto, “a derrota”. Houve meses de contactos, de comunicação constante, de propostas arriscadas, de tentar imaginar em comúm. Nada. Bom, posso respeitar esta postura com a que, obviamente não estou em absoluto de acordo. Mas logo era falso o que se dizia desde os comunicados da Insumisa que a ocupação não era um fim em si mesmo. Era. Há muitos centros sociais autogeridos em maior ou menor medida em todo o mundo: Ocupados, cedidos -por particulares ou instituições-,  que pagam aluguer pontualmente a um proprietário que igual até emprega esses quartos em que sei eu. O fim era ocupar. O fim era manter um statu quo. Chamai-me refor ou fascista, tanto faz: confesso que o insurreccionalismo como exercício per se nunca me atraiu, não o entendo. Ou unicamente o entendo em situações que estão a anos luz desta. Desde logo tenho mui claro que o concelho não “mercou” a Insumisa a câmbio duma obra de reforma do telhado. O concelho tem a obriga de custódia dum equipamento público e o governo da Corunha, como cumprimento duma decissão assamblearia da MaT, explorou até o fim vias para tentar acordar algo, uma saida negociada. Impossivel se uma das partes simplesmente nem pode imaginar que isso possa acontecer.

Reducionismo idealista

Entendo perfeitamente que o que solicitava a assembleia da Insumisa directamente ou não era possível, ou era possível pagando um preço pessoal simplesmente inassumivel. Olho, pessoal, não político. Como lhe podes pedir a alguém “deixa-me seguir estando neste lugar considerado público assumindo ti todos os riscos de qualquer acidente grave que possa acontecer, ainda sabendo que te podem meter preso por prevaricação ou porque haja uma pessoa ferida, ou por mil motivos mais”? . Porque claro, o reducionismo idealista leva a pensar que todo o legal é negativo, mas desde um pondo de vista “material” isto é absurdo: Que parte da “lei” não havia que cumprir: Não ponhas extintores? Não cumpras com as condições de seguridade eléctrica do recinto mentres fazes concertos a carom de paredes que estão a cair? Deixa-me seguir fumando aquí dentro? Os horários não molam? Não reformes o telhado mentres faço raves de centenas de pessoas? Permitide-me não estar dacordo em absoluto.

E tenho que dizer que fora dos interesses políticos da assembleia da Insumisa existe e existiu uma grande maioria das pessoas usuàrias desse espaço que SI queriam uma saida pactada. Pessoas que participavam em atividades, mas que não quisserom partivipar nas assembleias (uma decissão desde o meu ponto de vista errónea) Faz semanas que a gente do skate tinha desmontadas as rampas, aguardando uma solução. E que a gente que reunia para dançar tinha buscado outro espaço.

Pela parte da MaT (e creio que aqui si posso falar em primeira pessoa) creio que desde a Maré da Corunha deixamos com esta actuação uma sensação grande de decepção. Sobre tudo porque os limites das possibilidades da instituição municipal ficarom claros neste assunto. Efectivamente: Já é oficial: Não vamos mudar todo, em todo caso, mudaremos algumas coisas. Algumas bem importantes, o qual, olho, não está mal de todo, mas tudo, já quedou claro que não. Em certa forma era de esperar. E isto não converte a MaT em “fascista”, nem em “vendida ao capital”, desde logo. Mas sim escora um pouco mais à MaT a ser um partido que renuncie a sonhar com transcender o existente, ou que não é capaz. Os marcos foram movidos e desde o governo da Marea Atlântica não quedou mais remédio que empregar a lei para os recomponher. E isso, para muitas de nos, tambem implica uma decepção. Relativa, pois em certa maneira era de esperar. E digo relativa porque tenho mui claro que é a rua, as pessoas na rua falando, proponhendo, actuando, são as que mudam as coisas. Os partidos, podem, devem ajudar. Devem articular propostas e as tentar levar adiante desde se isto esta dentro das suas capacidades de governo, como é no nosso caso. E creio como honestidade que isso, neste caso que nos ocupa, tentou-se cumprir. Sem o conseguer. Espaços como a Marea Atlântica nascerom para isso, não pode a Maré converter-se num lugar onde unicamente nos adiquemos a gestionar a instituição o melhor possível. Sei que se tentou de forma honesta, e isto é muito, mas de nenhuma maneira pode ser dabondo, e por isso temos que admitir a derrota da nossa possição política, pois não houve saida negociada.
 
Perdemos todas, perdeu-se um centro social autogerido e ocupado, com actividades bem interessantes, um espaço de liberdade que eu lembrarei com reconhecimento e respeito. Perdeu-se a possibilidade de que qualquer coisa que venha não tenha o regusto a sucedâneo. E isso que no fundo sigo a pensar que a longo praço valorara-se isto como um grande éxito da ocupação, provavelmente o primeiro de GZ. Por primeira vez um espaço ocupado urbano terá continuidade nos usos para os que a gente que lá entrou sem permiso sinala. A casa encantada é um bloque de pisos, Palavea um geriátrico, As Atochas um solar, A Casa da ria um ornamento dum passeio marítimo... mas tudo parece indicar que o espaço da Insumisa será, no futuro, um centro social diferente, como se gestione este, para mim, é a nova incógnita que se abre...

Parece impossível, mas eu quero fazer um último chamado a todas as pessoas que participarom no CSO a colaborar para conformar o novo projecto. Não o sugiro por o partido X, nem pela coerència Y, digo-o porque o que fizesteis é precioso e como vizinho gostaria-me que os froitos desse espírito criador continuem vivos na nossa cidade.

Falamos?

Na Corunha a 25 de Maio de 2018

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.