Há um poema do mestre Carvalho Calero que leva esse título. Os versos som de um fatalismo sobrecolhedor. Ninguém pode abstraer-se da realidade da morte. Tudo, a vida dos animais e as pessoas, a existência dos objetos, tem um final. “Cansam os deuses de felizes ser”, chega a dizer o poema. Talvez sejam estas as horas nas que estejamos a assistir ao final da língua galego-portuguesa na Galiza? Talvez sejam estas as horas nas que estejamos a assistir à nossa própria extinçom como povo?
O ato de homenagem a Carvalho Calero deste ano em Ferrol, foi um ato triste. Vários comentários escuitados de conversas diferentes coincidiam em fazer umha trágica analogia entre o estado da casa natal do polígrafo ferrolano e a situaçom da língua no país. Com efeito, o prédio onde foi dado a luz o brilhante político, lingüista, literato e pedagogo, sofreu nos últimos anos um deterioramento muito rápido. E as últimas três décadas, para a língua galega, forom de queda livre em termos absolutos. Podem-se fazer mais analogias. Ferrol. A cidade que viu nascer ao Carvalho. O quê é que fica do bairro da sua infáncia? Nom por acaso eu optei por lêr naquele ato o poema número 5 da segunda parte do poemário “Reticências” (“Ponte no ar”, é que leva por título essa seçom do poemário) na que Dom Ricardo fala de entrar em Ferrol para regressar à sua rua Sam Francisco, e encontrar-se lá com a criança que foi. Já daquelas perguntava, o quê é que ficaria daquele mundo.
A casa de Carvalho Calero desaparece, em fatal harmonia com a sua contorna. Ferrol desfai-se do seu passado, para renunciar ao futuro. Para quê recordar a Carvalho Calero, para quê recordar os assentamentos que historicamente forom conformando Ferrol? Para quê recordar o que Ferrol foi? Enfim...todo termina mal! Ferrol, em vida de Carvalho Calero (viveu entre os anos 1910 e 1990) ainda era umha cidade galega, praça militar importante para o exército espanhol por um lado e, polo outro, um ponto de concentraçom importantíssimo de proletariado industrial devido à atividade dos estaleiros. Estaleiros hoje praticamente enmudecidos.
Dizia Carvalho Calero naquele poema, que atravessaria a ponte das Pias, se os operários de Astano nom a tinham cortada. E que, se a ponte estiver cortada, colheria o caminho velho, em direçom a Neda (já daquelas se fazia notar o declínio do setor naval ferrolano) Se hoje o Carvalho se dispuxesse a atravessar no carro a ponte das Pias, nom acharia nengum corte de tráfico protagonizado por trabalhadores de Astano. Dizia também que desceria, umha vez na cidade, pola rua de Sam Francisco e se encontraria com o menino que foi a brincar ao pé da casa.
Nom sei quantas vezes poderá o Carvalho realizar esse percurso, desde Compostela a Ferrol, passando polas Pias, metendo-se no centro da cidade e descendo pola rua do seu lar de infáncia, encontrando sequer algum resto do que fora a sua casa...talvez enquanto algumha parede incompleta continue em pé, o espectro do Ricardo criança ainda se poida ver, difusamente, a brincar e correr polas proximidades. Talvez o Carvalho o contemple saudoso desde o carro que passa fugazmete para se diluir naquelas horas que já nom som deste mundo, que apenas regressam da mao da imperfeita e caprichosa lembrança.
O único que, parcialmente, me reconforta é pensar que cada ano, por finais de Março, o Carvalho, se decide passear por Ferrol, poderá ver que pessoas de geraçons posteriores recolherom o seu legado e o reivindicam. Isso sim, numha cidade destroída, desolada e num país com umha situaçom desesperada.
E eu pergunto de novo...todo termina mal? Todo terminará mal, se deixamos que desde fora nos ditem o destino. Se permitimos que nos continuem a dizer que nom podemos produzir, porque nom somos competitivos (o mesmo argumento para produzir barcos do que para produzir leite, quê curioso) ou que a nossa língua ( a nossa maior obra como coletivo humano e a que nos fai galeg@s) nom serve para o mundo moderno. Darwinismo neoliberal, que nos apaga do mapa, que nos condena. Que nos nega a memória para nos cortar o futuro.