Dia primeiro de maio de 2014, desemprego maciço, perspectivas incertas envoltas em nuvens de propaganda governamental, multiplicada agora pola proximidade dos comícios europeus. Data de comemoraçom do coragem da classe operária para reclamar o direito a viver do próprio trabalho. A dura experiência ensinou-lhe a liçom da associaçom que o primeiro de maio comemora.
Depois de breve hesitaçom decido-me pola manifestaçom conjunta de CCOO e UGT porque é um dia para caminhar juntos. O dia pede afluência e confluência
Depois de breve hesitaçom decido-me pola manifestaçom conjunta de CCOO e UGT porque é um dia para caminhar juntos. O dia pede afluência e confluência. A CIG mantém a posiçom contrária que um manual de economia nom hesitaria em qualificar de estratégia de diferenciaçom de marca. Afinal resultárom quatro manifestaçons: a unitária, a nacionalista, a concentraçom da USO, que observo de passada na Praça do Toural, e a da CUT-CNT na Porta do Caminho. As faixas, os slogans, os emblemas próprios som ícones confirmativos de cada militáncia particular. A gente do comum observa com certa indiferencia um espectáculo que a ninguém pode inquietar: juventude mobilizada, veteranice obstinada, reivindicaçons tam óbvias como a defesa da sanidade pública, pequenos encontros ocasionais. Poderíamos estar em qualquer cidade europeia nom sendo Lisboa ou Atenas onde a situaçom é mais amarga.
Acerco-me a um discreto vendedor de imprensa revolucionária: El militante, Corriente marxista revolucionária. A revista tem o encanto do internacionalismo trotskista: notícias do Egipto, do Brasil, de Venezuela, da Ucránia... Prende-me os olhos um artigo de actualidade: Que é o que acrescenta Podemos à esquerda? Com o subtítulo: “a confusom política nom é alternativa contra o capitalismo”. Ficamos avisados.
Como descrever hoje a classe operária, o sindicalismo de classe, as velhas certezas? Confusom é umha boa diagnose, camaradas militantes, embora um tanto excessiva para assestar-lha a Pablo Iglésias
Os filósofos falam de identidade e diferença, bom par dialéctico para designar direitas e esquerdas. Confusom, isso é. Empregados frente a desempregados; com contrato fixo ou precário os primeiros; inscritos nas listas de desemprego ou definitivamente desesperançados, prestes talvez a emigrar, os segundos. A empresa pública sentenciada a morte e a privada submetida a reiteradas operaçons de externalizaçom de tarefas e downsizing para “criar valor para o accionista”. Como descrever hoje a classe operária, o sindicalismo de classe, as velhas certezas? Confusom é umha boa diagnose, camaradas militantes, embora um tanto excessiva para assestar-lha a Pablo Iglésias. Em março deste mesmo ano, o grupo El Militante ingressava em Izquierda Unida, Cayo Lara em persoa era o encarregado para entregar o cartom de afiliado aos dirigentes da organizaçom. Nom surpreende a fraternal recriminaçom a Pablo Iglesias desde o púlpito de IU.
Depois de cumpridas as devoçons pascoais devidas com a tradiçom proletária decido apresentar os meus respeitos à marcha nacionalista: mais concorrência, mais amigos conhecidos, mais entusiasmo. De caminho vou lendo a crítica de El Militante ao destemido professor de Ciências Políticas e agitador de consciências indignadas, Pablo Iglesias. Consciência indignada: 296.900 desempregados contabilizamos já na Galiza, 190.000 sem nengum tipo de prestaçons. Discute-se de que vivem, há quem diz que do trabalho em negro, outros que da família. Tampouco se sabe o que será deles dentro de cinco, de dez anos talvez que vai durar a crise ainda.
O estilo e a mensagem som renovadores. Um discurso radical mas sem estridências, que aqui botamos tanto em falta, e um proclama que apela directamente à percepçom da mocidade assediada pola crise
Tivem ocasiom de escuitar o Pablo Iglesias no programa mais atractivo da TV galega, a Vía V de Fernanda Tabarés. De umha parte Pablo Iglésias, da outra umha ampla representaçom do espectro de opinions em vigor: EU (Lago), PSOE (Cerviño), o nacionalismo centrista (Báscuas) e o que poderíamos designar como monitores da situaçom (Barreiro e Blanco). Som estes os mais irritados com o discurso de Pablo Iglésias, Cerviño dedicou o seu turno a vindicar os avanços sociais devidos ao PSOE, Lago e Báscuas nom manifestam beligeráncia. O programa alcançou, polo que vejo, a melhor qualificaçom da audiência. A incomum viveza do debate contribuiu seguramente à boa recepçom mas, a razom do seu sucesso assenta, provavelmente, na dialéctica directa e persuasiva de Iglésias, na sua capacidade para assumir o papel de porta-voz do descontentamento social da juventude sem expectativas. É umha voz nova, extremamente clara, com o leve defeito de carecer de grupo de referência no Parlamento Europeu. O estilo e a mensagem som renovadores. Um discurso radical mas sem estridências, que aqui botamos tanto em falta, e um proclama que apela directamente à percepçom da mocidade assediada pola crise, que insiste no abismo que separa o cidadao desprotegido e sem esperanças do político blindado e aspirante a um posto vitalício num conselheiro de administraçom. É a demagogia dos factos perante a qual o argumento “nom som gigantes, querida mocidade, som moinhos demagógicos” soa a descolorida apologética conservadora.
O futuro, tem-se dito, nom é o que era mas, contodo, cremos perceber umha vontade colectiva de ajustar contas à política de acesso restringido a afiliados e meritórios
Voltamos para casa, a militancia cruza as ruas envolveita em bandeiras e faixas ocasionais. Os meios ponderam concorrências e ensaiam comentários de circunstáncia. O futuro, tem-se dito, nom é o que era mas, contodo, cremos perceber umha vontade colectiva de ajustar contas à política de acesso restringido a afiliados e meritórios e à sociedade assimétrica da ocupaçom garantida e as vantagens sociais estritamente reservadas à geraçom da Imaculada Transiçom. Transcende a irritaçom contra os presidentes mudos, os ex-presidentes instalados no top ten empresarial e a ralé de negociantes que reclamam sem vergonha flexibilidade e moderaçom salarial para sairmos juntos da crise.