Para o dicionário da Priberam, um “Beco sem saída” é uma rua sem saída, uma rua estreita, um corredor escuro, um impasse finalmente. No sentido figurado, um beco sem saída, é uma situação ou problema sem solução à vista. Nos becos sem saída, sempre há hipótese de recuar, de voltar à origem. Em Santiago de Compostela, existe um beco sem saída, chamado “Rua Sae se podes”, onde somos bem avisados previamente do enredo. Ainda bem.
Para uns e outros o português deve ser um aliado importante para o galego, eis o consenso, eis onde estamos, eis onde sempre estivemos
Tudo, polo contrário, ao que acontece na Divina Comédia onde na entrada ao inferno a pessoa é avisada com o sinal de “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate” (Deixa toda a esperança, tu que entras). Isto é, assim que entrarmos, não podemos voltar a sair.
E tudo isto me véu à mente quando lim as cartas de amizade entre o presidente da AGAL (uma das organizações reintegracionistas), Professor Eduardo Maragoto, e o secretário da RAG (uma das instituições autonomistas), Professor Henrique Monteagudo, publicadas no jornal Nós. Nelas conversam sobre o futuro da língua, num tom público sem precedentes entre autonomistas e reintegracionistas.
Mas para além do tom, onde estamos, aonde vamos?
Para me explicar melhor, pode ser necessário partir do consenso onde sempre estivemos no seio do galeguismo linguístico (autonomistas e reintegracionistas) na relação com o português por razões diferentes. Para uns e outros o português deve ser um aliado importante para o galego, eis o consenso, eis onde estamos, eis onde sempre estivemos.
Para os autonomistas, o princípio 4 das normas do ILG-RAG afirma a importância do português como aliado no desenvolvimento do léxico e terminologia modernos. Para os reintegracionistas, o português não é apenas um aliado, mas a covariedade normalizada da nossa língua falada com sabores diferentes em oito estados de todo o mundo.
Assim estivemos muitos anos, com feridas (mesmo muitas) polo caminho, especialmente nos e nas profissionais do galego que optaram polo reintegracionismo, até que uma Lei chamada Paz-Andrade reposicionou completamente o debate em outros termos
Esta é a grande divergência: duas olhadas diferentes para a língua implementadas em duas normas diferentes.
E desde estes princípios diferentes, os autonomistas decidiram por meio das instituições linguísticas e culturais galegas que a identidade linguística galega consiste num permanente equilíbrio entre a ameaça portuguesa (lusismos) e a ameaça castelhana (castelhanismos) que actuam em nós na mesma intensidade. Polo contrário, para os reintegracionistas a partir das suas organizações linguísticas e culturais, o português é um reforço e alargamento da identidade linguística galega, que não é só autonómica mas internacional. Portanto, estarmos expostos ao português nunca foi nem é uma ameaça.
Para os primeiros, melhor separados que coordenados. Para os segundos, melhor coordenados que separados. As duas visões legítimas, obviamente.
E assim estivemos muitos anos, com feridas (mesmo muitas) polo caminho, especialmente nos e nas profissionais do galego que optaram polo reintegracionismo, até que uma Lei chamada Paz-Andrade reposicionou completamente o debate em outros termos: Para a Galiza é benéfico relacionar-se com o mundo de expressão portuguesa. E a isto ajuda a proximidade entre o galego e o português, que continuava para uns a ser uma língua independente e para outros uma covariedade.
E com este novo consenso, houvo mais de três unanimidades nas instituições políticas galegas, começando polo Parlamento.
Esta lei foi tão emocionante, que parecia que aqueles galeguistas linguísticos que escrevem o galego com nh (minoria) podiam começar a ter os mesmos direitos linguísticos que os galeguistas que escrevem o galego com ñ (maioria). E daí, o binormativismo à norueguesa, uma língua duas normas, uma língua dous jeitos complementares de trabalhar pola língua na Galiza, uma comunidade de maiorias e minorias respeitadas, numa casa comum que trabalha pola língua. Uma família finalmente reunida.
E é aí que estas cartas de amizade entre estas duas pessoas muito competentes em questões linguísticas podem ser enquadradas. E está bem, é fantástico. Mas estamos numa nova avenida, ou entramos num “bico sem saída”, um impasse desta volta carinhoso?. E digo bico, obviamente à galega, porque em tempos da covid-19 é ainda mais necessário este gesto entre as duas famílias do galeguismo linguístico. Mas para além do bico qual é a saída?
Depois do bico sem saída, talvez a saída seja a entrada, o lugar da origem. E qual é a origem? O que já tínhamos, o novo consenso. Que a relação com o português é benéfica para todos os galegos independentemente do que falem ou pensem
Para isso o professor Maragoto parece que propõe um binormativismo à norueguesa onde existe a norma ILG-RAG e a norma da AGAL concretizada no livro da Ortografia galega moderna: “como sabes, o português escrito (com mais ou menos traços galegos), para além de poder ser conhecido, também deveria poder ser usado na Galiza por quem assim o entender”.
O professor Monteagudo responde: “Pero ao que ti chamas binormativismo eu chamaríalle recoñecemento do portugués, e, aínda que partillo a túa inquedanza, sosteño que a súa realización práctica vai depender das iniciativas de gobernos, institucións, cidadáns e empresas —de políticas activas e eficaces—, non do nome que lle poñamos.”
Ou seja, depois do bico sem saída, talvez a saída seja a entrada, o lugar da origem. E qual é a origem? O que já tínhamos, o novo consenso. Que a relação com o português é benéfica para todos os galegos independentemente do que falem ou pensem.
E para ir melhorar esta lei deve haver, para além de acelerar a sua implementação, alargarmos legalmente a presença do português no dia a dia dos galegos, e quem quiger viver na Galiza a partir daí, poda fazê-lo com os mesmos direitos. Traduzindo: para os reintegracionistas, um binormativismo de facto com outras melhorias posteriores e para os autonomistas um aliado para o léxico moderno e a terminologia do galego autonómico, que continuará a tentar ser independente entre o português e o castelhano. Traduzindo: alargar a Lei Paz-Andrade para dar um status legal ao português como língua estrangeira na Galiza.
E enquanto todos estes debates e bicos estão em curso, a Extremadura quijo e quer liderar a relação com Portugal ao contrário da Galiza. Assim no seu artigo 4 do Estatuto de Autonomia afirma: “Son elementos diferenciales de Extremadura, y han de orientar la actuación de los poderes públicos, la vitalidad de su reciente identidad colectiva, la calidad de su medioambiente y su patrimonio cultural, el predominio del mundo rural, su proyección en Portugal e Iberoamérica.”
Talvez ver isto, ver as demandas das Câmaras municipais de Tominho (Galiza) e Vila Nova da Cerveira (Portugal) ajude a compreender melhor do que estamos a falar, que está muito além do debate legítimo e interessante entre linguistas
Desde este artigo é possível a aprendizagem do português (com muito mais alunado que a Galiza actualmente), e também que o português de Portugal, de facto, seja uma língua com presença institucional e empresarial sem necessidade de grandes foguetes dialéticos.
No Estatuto de Autonomia da Galiza, Portugal não aparece nem uma única vez. No Estatuto de Autonomia da Extremadura aparece 4 vezes, tendo no artigo 71 um artigo intitulado “Cooperación con Portugal”.
Talvez ver isto, ver as demandas das Câmaras municipais de Tominho (Galiza) e Vila Nova da Cerveira (Portugal) demandando um espaço sem fronteiras a Madrid e Lisboa, porque não as há, e até observar que o dia 1 de Julho abre o espaço Shenguen entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, não polo lugar mais transitado economicamente (Galiza-Portugal), mas pola Extremadura, ajude a compreender melhor do que estamos a falar, que está muito além do debate legítimo e interessante entre linguistas.