Em 1926 a filóloga alemã Margot Sponer, que estava a elaborar a sua tese sobre textos medievais galegos, visita o nosso país. Desta visita surge um apetitoso texto publicado em 1927 na revista Nós, disponível no site da Real Academia Galega e que tinha por título: Algunhas notas dos meus estudos sobre filoloxía galega.
O texto tem como fio condutor o grau de castelhanização das falas galegas que ela detetava perfeitamente por ser conhecedora da língua portuguesa. Assim narra uma das suas interações: “quando eu lhes lia um conto galego em que estava escrito -Bos dias nos dea Deus-, disseram que gostavam muito do conto mas que continha palavras portuguesas, assegurando-me que em galego se dizia -Buenos dias nos dê Dios-”. Por outras palavras, ao já clássico lusismo Deus juntava-se a expressão Bos dias.
Logo que se acaba de ler o texto na íntegra surge a pergunta incontornável: afinal o que é um lusismo?
Uma reposta possível seria: um lusismo é uma palavra portuguesa que não existe ou não existiu na Galiza. É uma boa forma de começar a tecer o fio. Assim sendo, tijolo, conteúdo, cais, banir ou embora não seriam lusismos, dado que foram usadas na Idade Média, bem como centenas de palavras que popularmente são consideradas lusismos por mor do desconhecimento institucionalizado da língua da Galiza.
Ora, há outro tipo de palavras que nunca existiram na nossa autonomia até recentemente na boca e na escrita dos lusógrafos, ditos reintegracionistas. São aquelas ligadas tematicamente, cito Margot Spencer, “à Igreja, à Medicina, às novas técnicas”. Pense-se em todas as realidades modernas, aquelas que surgem desde a Idade Moderna até hoje: espreguiçadeira, porta-luvas, cachecol, greve ou dia de folga. Isto seriam lusismos a sério, ao que parece.
Ora, já que estamos a fazer perguntas, há uma que se revela muito pertinente nesta altura da tecelagem:
- O que é um castelhanismo?
- Uma palavra que chegou de Castela e se instalou nas falas galegas.
- Por exemplo?
- Ventana, rodilla ou lexos.
- Tudo certo. Assim sendo, tumbona, guantera, bufanda, huelga (ou folga) e dia livre também seriam castelhanismos?
A resposta a esta pergunta é a que separa duas formas de ver e de viver o galego.
Acaba assim Margot Spencer o seu delicioso artigo:
“Mas é certo que apesar de ser estrangeira nesta terra tão fermosa, sinto que a sua língua tão doce e melodiosa vaia perdendo a sua enxebreza, dando entrada no seu léxico cada dia a mais palavras e giros castelhanos. Fenómeno inverso pode-se observar no povo da Catalunha, onde um fervente amor ao seu fai-lhes estudar cada dia mais afincadamente a perfeição e enxebreza do seu idioma, alentado-se este ideal igual nas aldeias que na cidade. Como queira que na Catalunha este nobre ideal se pudo impor, também na Galiza quiçá virá um tempo em que graças aos generosos esforços de pessoas tão ilustres como o senhor Risco se purificará o doce e fermoso idioma galego”
Cada vez temos menos tempo, amiga Margot, e já passaram quase 90 anos desde a tua visita.