O livro que vem de publicar Laiovento, Da identidade à norma, e no que figuro como coautor, é um ensaio no que se analisam as estreitas relações entre língua-identidade-nação, através dum percorrido histórico no que se mostra como durante mais de 250 anos foi dominante a identificação do galego com o português e como nos anos 70 do passado século, nos que o Instituto da Língua Galega começa a elaborar o que será a normativa chamada oficial, produzese uma ruptura com essa tradição e onde, desde posições antilusistas, o espanhol se converte numa referência notável. A análise de quatro jornais digitais em galego, a modo de balanço de quatro décadas de norma oficial, para conhecer os efeitos desta política na língua galega, mostram que a normativa oficial colabora na condução do galego para um beco sem saída. Estes parecem ser os dados. Porém, no livro está presente outro processo que, por ser de natureza subjectiva, escapase a uma interpretação centrada unicamente no texto. Vivência que, como é lógico, não a pode ter alguém, coma mim, que leva mais de 40 anos vivendo em Euskal Herria. O processo ao que me refiro é o experimentado pelo outro coautor, Vitor Vaqueiro.
Practicamente toda a sua obra literária está escrita, essencialmente, na normativa oficial. Ben é certo que sempre desde posições críticas (com sentimentos encontrados) e mesmo com interrupções. No ano 2014, concorre ao VII Certame de Poesia Victoriano Taibo com Palavras a Espártaco, e, apesar de que a obra se considerou a de maior qualidade, por estar escrita “em português”, foi discriminada, reduzida ao silêncio, ao apartheid linguístico, pelos defensores da normativa oficial. Esta injustiça confirmou a Vitor na sua aposta pela normativa reintegracionista. Vai ser este processo subjectivo agachado, que somente se faz visível quando se materializar através de uma intervenção, o que tratarei de analisar neste artigo.
Para compreender a sua importância, devemos começar pelo miolo do mesmo, a decisão (crise, em grego), que é o acto essencial da pessoa pelo que esta se convirte em sujeito; passando, coma diria Aristóteles, de bípede sem plumas a imortal.
A decisão tomase, precisamente, quando a lei, a norma, é questionada e entra em crise. À decisão chegamos sempre empurrados por uma contradição; é dizer, o que num momento sentíamos como diferente, como normal (normativa oficial-normativa reintegracionista), vivemolo agora coma contraditório, como injusto (normativa oficial versus normativa reintegracionista). O dilema é a forma lógica sob a que se mostra a contradição: “ou normativa oficial ou normativa reintegracionista” (“O galego ou é galegoportuguês ou é galegocastelhano”, em palavras de Carvalho Calero). Na dialéctica que suporta esta figura retórica estão presentes quatro conceitos: Lei ou Superego, Angústia, Coragem e Justiça.
Quando alguém põe em questão a chamada normativa oficial, esta reage dizendo que a normativa oficial é a lei e a lei há que cumprila. E que quem escreva em galego reintegracionista será castigado: ficará invisível para o mundo cultural, social e mediático galego. Esta ameaça, que cada quem tem já previamente interiorizada, provoca angústia na pessoa disposta a decidir. A angústia é um sentimento ambivalente que ou bem se transforma em medo e invita a ceder (a trair) e (neste caso) a ficar na normativa oficial ou bem, convertida em coragem, mediante a decisão, a forçar a situação na procura da justiça: passe o que passe, escreverei em galego reintegrado.
A decisão actua também sobre o nosso imaginário e o nosso simbólico, base da nossa identidade. E dado que, como sustém Lacan, estes registos, (construídos socialmente e assumidos como próprios), são falsos, será o real, em forma de decisão (cindido o nosso imaginário e o nosso simbólico), o que dirá a verdade de quem somos e não de quem pensávamos ser. Neste caso, a decisão de rejeitar a norma da RAGILG e apostar na reintegracionista, será, sem duvida, o real de uma nova identidade pessoal.
A decisão visibilizase através da intervenção, que é a materialização desta; neste caso, o livro. O que busca o interveniente é interpelar; ou seja, fazer uma chamada à consciência daquelas pessoas que recebem a mensagem do ensaio. Busca, portanto, avisar do perigo no que se topam dois dos esteios centrais da nossa identidade, o Galego e a Galiza, condenados a desaparecer no espanhol e na Espanha, se não se reage a tempo. Ainda que sabemos que a interpelação sempre produz efeitos, o que não sabemos é en quem, como ou quando eles vão se materializar. Por isso dizemos que a interpelação é governada pelo azar. E por isso falamos de aposta para referirmos a esta intervenção, em forma de livro, que interpela.