“Hai que tornar a forestal”. A luita das mulheres de Mercurim

“Que sobre las 16 horas del dia de yer 18 de Abril [de
1961], y cuando se hallaba en unión de unos 28 obreros
dedicados todos ellos a los trabajos de repoblación Forestal
en un monte sito en la citada parroquia de Mercurín
denominado INXERIO se presentaron en el citado monte
unas cuantas mujeres todas ellas armadas con palos unas y
con azadones otras las que sin mediar palabra alguna y
gritándoles que se marcharan empezaron a tirarles piedras y
dos de ellas ENCARNACIÓN y MANUELA, al declarante le
agredieron con los palos que transportaban causándoles
lesiones en el hombro izquierdo. Y con desperfecto en la
chaqueta en el mismo lado profirieron al mismo tiempo
palabras en contra el Santo Nombre del Señor y de la
Santísima Virgen, y al ver que el asunto se endurecía y que
las citadas mujeres continuaban con sus agresiones
decidieron escapar todas, suspendiendo el trabajo por dichas
causas”1.
Sumário judicial

Lembra a minha avoa Valentina que quando casou, lá por 1955, “na Vitória, mentres nom começamos a comprar monte, a gente dizia que levaramos as vacas ao Ingério”. Eis monte comunal do Ingério da paróquia de Mercurim (Ordes) como “leira básica universal”, terra das sem terra, ferramenta comunitária que garantia, quando menos, umha parte do sustento dos vizinhos mais pobres; forma precária de socialismo sem nome que, face às modernas teorias da renda básica universal, sabia mui bem que, como dizem as indígenas da América, o dinheiro nom é comestível.

A historiadora (e pilota de autocross) Araceli Freire estudou pola primeira vez a defesa dos nossos montes comunais de Mercurim e de Gesteda2 como umha forma de resistência comunitária em plena Ditadura, dando a importáncia que merecia a umha intensa conflitividade que atravessou o país nessas décadas nas que sempre ficou fora do âmbito categorizado como “político”, mais perto do anedótico. Agora que um novo projeto do colonialismo elétrico projeta um parque eólico no Ingério, resulta imprescindível lembrar como as mulheres de Mercurim defenderam no ano 1961 o monte da paróquia, através das lembranças de Valentina.

 

O monte como recurso múltiplo e serviço público

“J…C…, niega haber participado en la reyerta, haber tomado
parte en los hechos. El jaleo, desde luego, se produjo porque
el monte Inxerio es propiedad de los vecinos desde todo
tiempo, ya que en tal concepto lo han poseído los antepasado
de todos los vecinos y hoy lo poseen estos y naturalmente al
verse privados de dicho monte, no podrían subsistir, pues es
el único que tienen para poder sembrar y llevar el ganado a
apacentar”.
Sumário judicial

Em primeiro lugar, há que sinalar que o monte nom só proporcionava um enorme terreno para sementar cereal, senom que oferecia à gente de Mercurim múltiplos serviços: desde o tojo para estrar as cortes dos mais pobres e obterem umha fonte imprescindível para a fertilizaçom das terras, às queiroas e carqueijas para queimar, assim como plantas medicinais que só nasciam no Ingério, como o hortobravo, mui boa para a “palmoeira”, o catarro das vacas, ou a própria carqueija, para aliviar a inchaçom das ubres.
O trabalho que exigia o cultivo do cereal no Engério era muito, e o processo mui longo:

“Cavava-se terrom a terrom, com o ligom, depois havia que queimá-lo e, quando a roça nom ardia bem, havia que fazer montons e, na tilha dos montons, assavam-se patacas que estavam mui boas. Depois escangalhava-se a tilha (as brasas da roça). Cada ano ardia menos porque já nom havia louça (tojo, queiroas). Eram só camposas. O tempo também ia mudando, fazia menos sol. Afinal havia que mover terrom por terrom para que secara e ardera. Depois da queima havia que arar como o arado das vacas, para logo sementar o trigo em outubro. Adubava-se com “mineral” e gradava-se com a grade de ferro tirada polas vacas. A semente preparavam-na no chao da cozinha, e depois já no palhote; em água com sal diluia-se a pedra, um produto azul-averdado, primeiro em pedra e depois já em pó, e depois molhavam a semente o dia antes da sementeira.

O trigo molhado metia-se em sacas e levava-se para o Ingério no carro das vacas. Se nasciam fieitos ia-se cortá-los com o lampo. As segas eram no mês de Santiago, à mao, presa a presa. Quando volviam de segar, juntavam-se e faziam o caminho a risos e contos. O trigo atava-se em monlhos com o mesmo trigo; também sementavam aveias e centeio. Com os monlhos faziam um medeiro (um pé de vários monlhos) outra volta mais alta, outra… até acabar em pico, e um monlho de capucho, com as espigas para baixo. Traziam-no primeiro no carro e depois nos tratores para fazer a meda na eira. Jogavamos ao redor da meda e do palheiro, e nos medeiros de folha de milho onde se esfolhava; estavam na eira da casa. Os jogos eram correr, agachar-se, buscar os uns aos outros…”

Quando no começo da década de 1960 o ICONA quijo descomunalizar o Ingério seguindo as diretrizes florestais do franquismo, apareceram, como sempre, as mulheres na primeira linha de batalha. Foram elas as que em Cerzeda e Tordóia se apugéram, em plena vitória franquista, a que lhe requisaram o trigo e o milho, e foram elas as que luitárom polo monte em Gesteda e em Mercurim, assim como, uns anos depois, pola terra em Encrovas.

 

Auto-governo e ferramenta convivencial

A história política das paróquias galegas poderia-se concentrar numha frase: onde houvo terra –ou outro recurso- comunal houvo democracia paroquial, em forma de concelhos abertos, na nossa comarca chamadas juntas de vizinhos. Contra essa história denigrante que trata aos nossos velhos de parvos e atrassados, apenas civilizados quando nos “trouxérom a democracia”, como dim os politiqueiros, o certo é que em Mercurim houvo umha sólida tradiçom de autogestom que implicava a realizaçom periódica de assembleias no adro da igreja depois da missa, ou na escola se eram entre semana, onde se debatia entre os representantes de todas as casas a soluçom para os problemas da paróquia (conflitos por temas de marcos, arranjo de caminhos, organizaçom dos turnos para o regadio, etc.). Aquilo, como lembra Valentina, devia parecer umha festa:

“O avó Antom também ia à junta e à missa (daquela ia toda a mocidade, velhos e todos). Enchia-se o adro. Havia muita gente nas casas e nom havia outra diversom, menos quando era a feira em Ordes, o domingo, cada quinze dias”.

Evidentemente nom era um sistema perfeito, o poder eclessiásticos primeiros, e o estatal depois, intentavam colonizar esses espaços democráticos, em que, aliás, predominavam os homens, falando e votando só as mulheres por ausência do cabeça de família:

“Faziam-se juntas no adro. Ali discutia-se sobre o Engério, a igreja, as cousas da paróquia. O que estivera de “concejal” da paróquia era quem dirigia as reunions. Avelino de Pulheiro foi-no muitos anos. Nas juntas do adro participavam os chefes das casas; as mulheres nom contavam, ainda que iam algumhas mulheres quando nom estavam os homens, ou non o tinham. Quando foi o do Engério forom muitas, entre elas minha nai. Quando estava o home da casa ia ele. Juntavam-se quando iam à missa, os domingos, quedavam para reunir-se, bem no adro depois da missa ou na escola pola semana.

A junta de vizinhos fazia-se no dia da missa. Se algum home nom ia à missa, avisavam-no depois. O avó Antom também ia à junta e à missa (daquela ia toda a mocidade, velhos e todos). Enchia-se o adro. Havia muita gente nas casas e nom havia outra diversom, menos quando era a feira em Ordes, o domingo, cada quinze dias.
O “concejal” da paróquia nomeavam-no em Ordes e os vizinhos nunca protestavam. Avelino de Pulheiro foi-no muitos anos, e depois foi José de Estevo. Quando habia um problema entre vizinhos (marcos, caminhos, leiras, águas…) o “concejal” ia falar com eles para arranjarem polas boas”.

 

O protagonismo feminino

“D…R…B…: Ellas les dijeron a los obreros: que si no se
marchaban por las buenas se marcharían por las malas, pues
las mujeres estaban dispuestas a defender su pan y el de sus
hijos, ya que el monte es de su propiedad y lo vienen
trabajando desde siempre. Que con estas palabras el Jefe sacó
una pistola o un fusil no sabe y apunto a Manuel agarrándola
por los pelos y arrastrándola por el suelo en vista de los cual
acudieron en su ayuda (José lo niega).
Sumário judicial

 

Que as mulheres da paróquia, de normal secundárias nos assuntos políticos das juntas de vizinhos, cobraram protagonismo quando estalou o conflito polo Ingérnio e se implicaram decididamente, nom foi a exceçom senom a tónica geral das luitas em defesa do comunal. As de Mercurim:

“Quando foi o de Ingério as mulheres da paróquia iam com fouces e sachos para cuidar o monte, e estavam ali muitos dias, desde pola manhá até à noite. Levavam-lhes o jantar. “Estám para tornar a Forestal”, diziam. Mentres elas forom, nom se apoderou a Forestal do monte para plantá-lo. Agora está todo plantado polos vizinhos. Eu nom fum. Tinha vinte e poucos anos, mas si foi a minha nai, Estrella, que era mui parecida à filha, mui decidida quando havia que protestar por algo –fora cavar ao monte quando era nova, um trabalho de homes-. Diziam que a Forestal queria fazer-se com o monte e havia que pór-se ao frente. De aquela sementava-se trigo, cada vizinho sementava o anaco que queria respeitando o que já estava ocupado. As mulheres forom cojonudas! Viva o Ingério para a paróquia de Mercurim! [Valentina emociona-se contando-o]. Cada umha levava um apeiro e estavam ali até à noite. Sei que a Guarda Civil multou a várias mulheres mas nom recordo que as detiveram. Os homes nom iam porque pensavam que às mulheres nom lhe pegariam”.

Sobre essa tradiçom feminina de luita Araceli Freire, falando a propósito do conflito polo vizinho monte comunal de Gesteda, é rotunda:

“Ainda que também participárom homens e mesmo crianças, as mulheres fôrom o mais importante. A maioria seguem vivas e umha delas –nom podo dar o nome pola Lei de Protecçom de Dados-, a mais revolucionária, já liderara a rebeldia contra o Serviço Nacional do Trigo do franquismo, que impunha quotas abusivas. Todo Gesteda se ergue negando-se a pagar. As mulheres fôrom fulcrais pola sua grande sociabilidade: partilhavam um ritmo comum, faziam as plantaçons no monte e lavavam em comum. E participavam juntas do estraperlo; graças a esta rede conheciam todos os casos de resistência dos arredores. Primeiro fôrom as mulheres de Gesteda, mas um ano depois, ao se consorciar o Monte do Ingério de Mercurim (Ordes), as mulheres ameaçam com “fazer como as de Gesteda”; e anos depois as mulheres de Meirama protestam contra a construçom da Central Térmica atando-se às alambradas. Vírom resultados bons e actuárom em conseqüência. Som as que mantenhem a memória familiar, e essas relaçons de amizade seguem vigentes. Quando fum entrevistar a umha, estavam as oito reunidas na sua casa falando”3.

 

Decadência do comum

Como costuma suceder, os retrocessos em direitos sociais nom só se explicam pola açom de agentes externos como o Estado, senom também polos próprios erros da comunidade, que às vezes nom soubo defender-se das injerências de algum notável (neste caso um famoso advogado, o próprio alcalde, etc.). Em Mercurim, a descomunalizaçom do monte, salvada a crise aguda do intento de reflorestaçom do ICONA em 1961, converteu-se num longo, inacabado e crónico processo que começou com a partiçom e foi continuando simplesmente por desleixo:

“Todas as casas da paróquia tinham o seu cupo. Eera sempre o mesmo anaco, separados todos eles por valos. Era só para os vizinhos de Mercurim. Nom sei quando se fijo o reparto; recordo-o sempre com valos, já quando ia com as vacas, sendo nena. Parece que cada um sabia o que era seu, tranmitia-se de pais a filhas. O cupo era um documento como umha partilha.

Chegou um momento que já nom se respeitou o cupo e cada um sementou ou cortou onde pudo e quijo. Quando eu ia com as vacas já nom se respeitava o cupo. O que mais podia era o que mais lavrava, quitavam-se uns aos outros o seu anaco. E houvo rinhas. Depois de recolher o trigo marcava-se o anaco para o ano seguinte, para que ninguém o colhera. Quando E. comprou o trator, os vizinhos iam junto dele para que lhes marcara o monte com os arados, para que nom se metera outro vizinho e lho quitara. E chegou o momento em que se metiam ainda que estivera marcado e houvo gente que quedou sem monte para sementar. Afinal, cada um plantou eucaliptos. Segundo Manolo de Loureda, começárom os de Lesta a plantar, na zona do monte lindante com o deles. O protesto das mulheres parece que os detivo. Fora Concheiro de Ordes, o velho, quem lhes dixera aos de Lesta que plantaram; Concheiro queria quedar-se com o monte”.

No próprio enfrontamento de 1961:

“Também estava metido ali M. de E. quem andava para recuperar o monte. Figêrom mais as mulheres que ele! Antes deste protesto, nom sei quando, houvo um reparto do monte –de aí que haja os valados. Cada vizinho tinha um cupo, um papel, um documento que o representava. O tal M. de E. tivera problemas com os vizinhos; pedira-lhes os cupos do monte para levá-los a um advogado para adquirir o direito à propriedade de seu cacho (Antom, o teu avó, também lhe dera o cupo ao M.). Entom M. nom lhes volveu o cupo, nom sei porquê, e os vizinhos estavam enfadados com ele. De aí, que a sua mulher, M. de E., temera pola sua vida.

Depois nom havia os cupos e a Forestal deu-lhes a escolher: plantar o monte ou perdê-lo. Os vizinhos negárom-se a plantar porque necessitavam o trigo. De aí o protesto. Passados uns anos começou um vizinho a plantar e logo forom indo todos até chegar à situaçom atual. Foi umha longa luita; quando M. de E. recolheu os cupos já eu estava na Vitória. Dividírom os vizinhos porque uns entregárom o cupo e outros nom”.

Publicidade

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.