O clima das principais cidades galegas nos últimos 60 anos

Chuvia en Compostela © Santiago Turismo

Desde há muito tempo, uma das minhas teimas, além das línguas e o seu processamento automático, é a climatologia, nomeadamente, a análise das precipitações ao longo da história. O meu interesse nasceu quando era adolescente e caiu nas minhas mãos um estudo climatológico da AEMET (Agencia Estatal de Metereología) no que aparecia Santiago de Compostela e Vigo (aeroporto) como as duas cidades de mais de 50 mil habitantes com mais precipitações de todo o Estado desde que há registos, com cerca de 1800 l/m2 anuais, seguidas de longe por Donostia e Pontevedra, com 1600 l/m2, aproximadamente. Sermos os primeiros em algo, mesmo se é em aturar grandes quantidades de chuva, ajuda a melhorar a autoestima e a conformar uma identidade mais sólida. Suponho que foi por isso que, desde então, sempre procurei manter-me informado sobre a evolução dos dados pluviométricos acedendo às publicações da AEMET, lendo artigos divulgativos ou mesmo consultando com especialistas. Como os dados climáticos não eram públicos, aqueles/as que não tínhamos acesso direto às bases de dados da AEMET, só podíamos informar-nos indiretamente. 

Há quase 10 anos perguntei a José Miguel Viñas, fundador de ACOMET qual das duas cidades, Compostela ou Vigo, era a mais chuvosa do Estado. Dixo-me que, depois de consultar os registos históricos, Santiago de Compostela liderava o ranking pluviométrico por mui escasso margem

Há quase 10 anos perguntei a José Miguel Viñas, fundador de ACOMET (Asociación de Comunicadores de Metereología ) e conhecido divulgador científico, qual das duas cidades, Compostela ou Vigo, era a mais chuvosa do Estado. Dixo-me que, depois de consultar os registos históricos, Santiago de Compostela liderava o ranking pluviométrico por mui escasso margem. É preciso termos em conta, para contextualizar estas cifras, que as quantidades anuais de chuva das que estamos a falar som o dobro das que caem em cidades como Londres, Paris ou Amsterdam (por volta de 800-900 l/m2 anuais), e não ficam longe dos registos da cidade com maiores registos em Europa, Bergen (Noruega), com 2300 l/m2. 

Fora do âmbito urbano, os lugares do Estado onde mais chove podem atingir entre 2500 e 3000 l/m2 anuais de média. Como não se dispõem de dados compilados em séries temporais longas destas zonas específicas, a fiabilidade das médias correspondentes a estes lugares não é alta. Há várias zonas montanhosas em disputa de serem as mais chuvosas: situam-se em Navarra (bosque de Articutza en Goizueta, na fronteira com Guipúscoa), Lugo (Santa Eufemia de Visuña no Folgoso do Courel), Pontevedra (serra do Suido en Fornelos de Montes), e A Corunha (serra do Barbança em Rois). 

Há várias zonas montanhosas em disputa de serem as mais chuvosas: situam-se em Navarra (bosque de Articutza en Goizueta, na fronteira com Guipúscoa), Lugo (Santa Eufemia de Visuña no Folgoso do Courel), Pontevedra (serra do Suido en Fornelos de Montes), e A Corunha (serra do Barbança em Rois)

É bem curioso que, sendo estes os lugares mais chuvosos do Estado, o mito da serra de Grazalema, em Cádis, segue vivo no imaginário coletivo como o ponto com mais precipitações. Este mito (ou fake) foi sustentado em dados parciais: na década dos 60 houvo anos com grandes quantidades de água em Grazalema, chegando em 1963 a ter o registo anual mais alto que se conhece na península: por volta de 4400 l/m2. Nas últimas décadas, os registos de Grazalema foram baixando significativamente e agora a média deste lugar situa-se, aproximadamente, em 2100 l/m2, bem mais baixa que os lugares do norte peninsular que acabei de mencionar. A nível mundial, as zonas com mais precipitações anuais, entre 10.000 e 12.000 l/m2 anuais de media, se encontram no nordeste da India (Mawsynram e Cherrapunji, nas montañas Khasi), Colômbia (Tutunendo), Hawái (pantano Big Bog y monte Waialeale), Nova Zelândia (rio Cropp), e Guiné Equatorial (ilha Bioko). É dizer, em lugares de todos os continentes menos Europa.

Nos últimos 100 anos a temperatura média mundial subiu 0,8 graus centígrados, mas, segundo um estudo do Observatorio de la Sostenibilidad, que utilizou como fonte de informação dados da AEMET, nalgumas cidades espanholas subiu 2 graus em 50/60 anos e noutras mais de 1 grau em 30/40 anos

Um outro dado climatológico interessante diretamente relacionado coma a emergência climática é a temperatura média. Nos últimos 100 anos a temperatura média mundial subiu 0,8 graus centígrados, mas, segundo um estudo do Observatorio de la Sostenibilidad, que utilizou como fonte de informação dados da AEMET, nalgumas cidades espanholas subiu 2 graus em 50/60 anos e noutras mais de 1 grau em 30/40 anos. Este estudo não puido fazer uma comparação objetiva sobre o mesmo período de tempo porque a AEMET só tem dados sistemáticos da maioria das cidades e capitais de província desde há três décadas. É importante salientar que o estudo do Observatorio foi levado a cabo com os dados abertos da AEMET, que foram liberados há mais de três anos e que estão acessíveis mediante uma API. Esta é um serviço que dá acesso à base de dados facilitando assim a recuperação massiva da informação que se precise. 

Graças à libertação dos dados climatológicos por parte da AEMET e à disponibilidade da API, criei um software de extração de informações relevantes no que di respeito às precipitações e temperaturas das principais cidades galegas (e mais Donostia) nas últimas décadas. Extraim, por um lado, as precipitações médias anuais e, por outro, as temperaturas médias anuais. Os gráficos que mostro a seguir dão conta da evolução desses dados desde que há registos até finais do 2021, agrupando os valores por décadas (onde cada década vai de 0 a 9 e não, como faria a calendarização tradicional, de 1 a 0). Dividim as cidades em dous grupos: aquelas cujas estações fornecem dados sistemáticos desde há 60 anos (Compostela, Vigo, A Corunha e Donostia) e aquelas que só dispõem de dados desde há não mais de 40 anos (Ourense, Lugo e Pontevedra). 

Figura 1: Dados pluviométricos de Compostela, Vigo-aeroporto, A Corunha e Donosti desde a década dos 60 até 2021 © Paulo Gamalho
Figura 2: Dados pluviométricos de Ourense, Lugo e Pontevedra desde a década dos 80 até 2021 © Paulo Gamallo

Observa-se uma sistemática e constante descida dos valores de Compostela e Vigo-aeroporto nas últimas décadas frente à subida de Donostia

Quanto às precipitações (cf. Figura 1: precipitações de Compostela, Vigo-aeroporto, A Corunha e Donostia, e Figura 2: precipitações de Ourense, Lugo e Pontevedra), observa-se uma sistemática e constante descida dos valores de Compostela e Vigo-aeroporto nas últimas décadas frente à subida de Donostia . O resto de cidades mantêm similares níveis de pluviosidade ao longo dos anos. Isto quer dizer que as borrascas atlânticas, que afetam com mais força o sul-oeste galego até Compostela e são os que traem mais quantidade de água, estão a perder intensidade ou chegam em menor número às nossas costas. No entanto, o caso de Pontevedra, onde a descida não é tão clara, não permite validar esta hipótese. Por outro lado, os dados confirmam que Vigo-aeroporto e Compostela continuam a ser as cidades com maior pluviosidade em termos históricos, se calculamos a média dos 60 anos com valores registados, mas é Donostia a mais chuvosa se só contamos a passada década e os últimos dous anos, como se observa nos sorpasso da cidade basca às duas galegas desde a década de 2010. Tamém é salientável o sorpasso de Pontevedra a Compostela e Vigo como cidade galega mais chuvosa nestes dous últimos anos. 

Figura 3: Temperatura média de Compostela, Vigo-aeroporto, A Corunha e Donosti desde a década dos 60 até 2021 © Paulo Gamallo
Figura 4: Temperatura media de Ourense, Lugo e Pontevedra desde a década dos 80 até 2021. © Paulo Gamallo

As cidades das que temos registos desde há 60 anos (Compostela, Vigo, A Corunha e Donostia), sofrem um aumento de entre 1,25 e 1,75 graus centígrados

No que di respeito à temperatura, não há excepções: todas as cidades tiveram um aumento significativo nos últimos 40/60 anos, com uma crescida de mais de 1 grau na maioria dos casos. Isto concorda com o estudo do Observatorio de la Sostenibilidad, mencionado anteriormente e confirma a dramática situação dos espaços urbanos ao serem os mais afetados polo aquecimento global. Mais concretamente, as cidades das que temos registos desde há 60 anos (Figura 3: temperatura de Compostela, Vigo, A Corunha e Donostia), sofrem um aumento de entre 1,25 e 1,75 graus centígrados, enquanto que as que estão monitorizadas desde há 40 anos (Figura 4: temperatura de Ourense, Lugo e Pontevedra) não apresentam uma crescida tão forte, situando-se o aumento entre 0,3 e 1 grau. Curiosamente, é Pontevedra a cidade com um menor aumento da temperatura média (+0,3º), mas é a sua vizinha Vigo onde mais aumenta (+1,7º), mesmo se há que ter em conta que não estamos a contabilizar o mesmo período de tempo para as duas. É tamém salientável o sorpasso de Ourense a Pontevedra nos anos noventa e mesmo, mais recentemente, à Corunha, que até este século sempre se mantivo como a cidade com temperaturas mais suaves. Nos últimos dous anos Ourense atingiu a média mais elevada, com 15,84º.

Para finalizar, só quero deixar constância do calafrio que sentim quando, após executar os programas de recolhida massiva de dados, observei os resultados dos cálculos da temperatura média

Para finalizar, só quero deixar constância do calafrio que sentim quando, após executar os programas de recolhida massiva de dados, observei os resultados dos cálculos da temperatura média. Era uma crescida esperável, é certo, mas, foi a primeira vez que tinha acesso direto a uma informação que anteriormente me chegara de jeito indireto através de jornalistas ou estudos científicos. Desta volta, fora eu quem recolhera os dados crus, quem os limpara e quem os organizara para serem observados. Não tivem necessidade de interpretar nada. São dados limpos e esclarecedores, sem intermediários. Diretos. Como uma labaçada seca nas bochechas. É uma alerta, seica um aviso. Um dos últimos avisos antes do dia da grande Brincadeira Final em que já, não só sintamos e suspeitemos, mas saibamos com certeza absoluta que não há volta atrás. 

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