Umha imagem congelada é um fotograma isolado da sua sequência. No caso do Pastor -ao qual nos referimos- é a derradeira. Poderíamos mesmo qualificá-la de autêntica fotografia forense embora nom exista neste caso suspeita de assassinato senom sólidas evidências de se tratar de um episódio de eutanásia solicitada.
Umha imagem congelada é um fotograma isolado da sua sequência. No caso do Pastor -ao qual nos referimos- é a derradeira
Publicava há dias El País um breve resumo do relatório remetido á CNMM polo Banco Popular justificativo da valoraçom da operaçom de compra do Pastor. O documento, disponível na rede, tem para os galegos o amargo aspecto de um certificado de defunçom de quem foi ao longo do tempo activo agente da nossa economia financeira. O Pastor ganhou protagonismo no tráfego de remessas ultramarinas desde mediados do XIX até a guerra civil e foi um decisivo agente da industrializaçom do país nos anos posteriores a aquela.
Como podemos supor, o relatório dos gestores do Popular carece de todo encanto literário ou frases para a memória. O estilo de auditoria é tam preciso como prosaico. Tem a virtude, isso si, de salvar para a memória as medidas antropométricas específicas de quem foi em vida o respeitado Banco Pastor.
Sintetizemos quanto possível o informe do Popular para pôr em destaque os traços essenciais da operaçom. Falamos em milhons de euros. O preço pagado pola adquisiçom foi de 1.246 milhons mas requereu ajustes valorativos imediatos que aflorárom menos-valias de quase 3.000 milhons de euros.
Deve ser acrescentado que o ajuste practicado aflorou também algumhas mais-valias latentes que contribuírom a amortecer a dolorosa factura:
Em resumidas contas, o Popular apontou nos seus livros umha menos-valia de adquisiçom de: 2.925-1.181,7 = 1.743,3 milhons. Nom parece umha cifra desproporcionada se a comparamos com a previsom de dêveda a emitir pola Junta para quadrar os orçamentos de 2014: 2.507 milhons.
Circunstáncias da minha vida profissional levárom-me a trabalhar um tempo nos serviços centrais do Banco Popular em Madrid. Dali a uns anos tentei abordar umha tese doutoral sobre o papel do Banco Pastor no tráfego de remessas ultramarinas no período 1880-1930. A primeira experiência foi gratificante para mim por motivos que nom fam ao caso, a segunda foi prematuramente abortada mediante amável carta de dona Carmela Arias y Díaz de Rábago. A cautelosa recusa de dona Carmela empuxou-me ao estudo do Banco Olímpio Pérez com o qual acabei travando excelente amizade.
O Pastor cumpriu com inegável sucesso um destacado papel na configuraçom da nosa economia financeira, especialmente a partir da sua conversom em sociedade anónima (1925) e posterior expansom na grisalha conjuntura autárquica que seguiu á guerra civil
O Pastor cumpriu com inegável sucesso um destacado papel na configuraçom da nosa economia financeira, especialmente a partir da sua conversom em sociedade anónima (1925) e posterior expansom na grisalha conjuntura autárquica que seguiu á guerra civil. Dom Pedro Barrié desfrutava de excelentes conexons com o poder sobrevindo e nom as desaproveitou: chegou a presidir simultaneamente 30 Conselhos de Administraçom. Entre as empresas por ele promovidas destacam Fenosa (1943) e Astano (1944). A primeira ostenta a dia de hoje passaporte catalám, a segunda entretém a sua desolaçom anotando sucessivos lunes al sol no fantasmal calendário que lhe tocou em desgraça. Quanto ao banco que lhes servira de matriz, fica agora recluído de por vida no morno refúgio oferecido por um banco de mediana dimensom e origem plebeia. Entenda-se que o qualificativo nom é meu senom opiniom imperante no selecto clube da oligarquia bancária espanhola que tam bem retrata a frase de um dos seus mais conspícuos membros, Emilio Botín: "Ricos, lo que se dice ricos, en España somos muy pocos". O pecado original do Popular pode que proceda de ter nascido em berço modesto -Los previsores del porvenir- ou pode talvez estar relacionado com as querenças da entidade por essa singular prelatura que soubo conjugar com virtuosa eficácia ouro com ascese. Vocês lembrarám: “um tem com tem entre o cilício e Remy Martin”
O Pastor legou-nos um maravilhoso ícone da nossa modernidade (1925) na cidade da Corunha, assinado polos arquitectos Antonio Tenreiro, Peregrín Estellés e Emilio Moya. E ainda outro, menos conhecido mas talvez mais evocativo: a Central do Tambre inaugurada em 1927 sob planos de António Palácios. Umha severa construçom metade decorado da Metrópolis de Fritz Lang, metade Templo da Vera Cruz do Carvalhinho.
A joia da estirpe Barrié-Árias é, contodo, a Fundaçom Barrié. Um bem patrimonial infelizmente afectado de fragilidade, talvez por nom ter contado com um arquitecto como fada madrinha. Infelizmente, o património da Fundaçom vem de sofrer um severo corte no final de 2012. A causa foi a incapacidade do Pastor para afrontar a quota que lhe correspondeu na ampliaçon promovida polo Popular para financiar a operaçom da sua absorçom.
Há tempo que o país nom dá Venturas Figueroa nem Blancos de Lema ou irmaos Garcia Naveira capazes de entender que a tacanharia na distribuiçom dos dividendos da prosperidade nom deveria trespassar a própria morte
Como consequência, o património da Fundaçom -materializado em acçons do Popular- desceu de 6,9% para 3,5%. As futuras receitas da Fundaçom ressentirám-se na mesma proporçom. Seria umha desgraça que a Fundaçom acabasse extinguindo-se vista a empedernida aversom dos capitáns da indústria e as finanças galegas a todo o que cheire a filantropia. Há tempo que o país nom dá Venturas Figueroa nem Blancos de Lema ou irmaos Garcia Naveira capazes de entender que a tacanharia na distribuiçom dos dividendos da prosperidade nom deveria trespassar a própria morte. A magnanimidade empresarial parece ser considerada aqui chocante excentricidade anglo-saxónica sem espaço no currículo das Escolas de Negócios e nom digamos nas efêmeras auto-hagiografias dos self-made-man que o país vai produzindo. Os magnatas de província soem desprezar esse legatário anónimo sobre o qual levantou asas a sua aventura empresarial.
Infelizmente, a paisagem da devastaçom especulativa do sector financeiro galego nom remata aqui. Um novo tsunami acerca-se imparável. Já tem devorado 9.000 milhons que sairám dos nossos bolsos mas dista de ter despregado todos os seus letais efeitos
Lamentamos a perda do Pastor como o de algo próprio que a todos nos empobrece. Infelizmente, a paisagem da devastaçom especulativa do sector financeiro galego nom remata aqui. Um novo tsunami acerca-se imparável. Já tem devorado 9.000 milhons que sairám dos nossos bolsos mas dista de ter despregado todos os seus letais efeitos. O prémio ao comprador consistirá agora numha colecçom de pintura que pode acabar colgada em qualquer parede alheia que nunca chegará a suspeitar que o que ali pende é o despojo de umha longa estirpe de aforradores galegos que começárom a ajuntar os seus ressudados aforros lá no recuado ano de 1842 numha Caixa corunhesa.