Os empreendedores do mercado humano

Irlandeses e irlandesas conformavam a meados do s. XVII, a maior parte das mercadorias com as que comerciavam os empresários ingleses do mercado humano. Só nesse decénio de 1650 venderam em New England e nas Índias Orientais umas 100.000 crianças da ilha celta. Nas ilhas de Antiga e Monserrat, 70% de população eram escravos irlandeses de entre 10 e 14 anos. Um investimento de futuro. Anos antes, em 1625, o rei Jacobe II decretava uma lei para vender os rebeldes irlandeses presos aos colonos de América. O produto era bom. E barato, se um escravo africano custava por volta de 50 libras esterlinas, o irlandês não chegava às 5. Para optimizarem ganhos, os empreendedores ingleses tiravam de I+D+I cruzando os dous modelos de escravos.

Irlandeses e irlandesas conformavam a meados do s. XVII, a maior parte das mercadorias com as que comerciavam os empresários ingleses do mercado humano

De mãe irlandesa e pai africano saiu o mulato, um autêntico sucesso comercial. Mas em 1681 o Governo –ah! Sempre a intromissão do Estado…- legislou a Forbidding the Practice of Mating Irish Slave Women to African Slave Men for the Purpose of Producing Slaves, que proibia o micro modelo comercial, retirando-o do mercado humano. Não por humanidade, claro –estamos a falar de mercadorias- senão por proteccionismo: a Royal African Company, empresa à que a Coroa concederá o monopólio dos escravos africanos, protestou porque os mulatos rompiam o mercado com os seus baixos preços e altos rendimentos.

Qualquer um Amancio Ortega de hoje devera reconhecer a sua dívida com este ourensano, que a meados do s. XIX fundara a Compañía Patriótica y Mercantial, uma ETT de galegos em Cuba

A Galiza, terra pouco dada a reconhecer o próprio, esqueceu injustamente o grande empresário e empreendedor Urbano Feijoo y Sotomayor. Qualquer um Amancio Ortega de hoje devera reconhecer a sua dívida com este ourensano, que a meados do s. XIX fundara a Compañía Patriótica y Mercantial, uma ETT de galegos em Cuba. Os contratados, sempre conforme à lei, assinavam cláusulas com esta:

“Eu, N.N., conformo-me com o salário estipulado, ainda que sei e consta-me que é muito mais o que ganham os jornaleiros livres e os escravos da ilha de Cuba, porque esta diferença julgo-a compensada com outras vantagens que me vai fornecer o meu patrão e que são as que aparecem neste contrato: “(…) duas camisas, umas calças e blusa a propósito do clima, um sombreiro de palha e um par de sapatos, e um emprego…” (s.m.)

Os mais trabalhadores vendia-os para trabalharem nas  plantações de café ou cana de açúcar e que contribuíssem para a pujante economia da sobremesa. Na altura, um galego custava aproximadamente o mesmo que dous cavalos

Em 1854 o gallego Urbano Feijoo já dava, generosamente, trabalho a 1.744 galegos em Cuba, em jornadas de 14 horas. Mas os desagradecidos empregados queixavam-se de que estavam descalços –logo o contrato falava de calçado?-, dormiam amoreados em barracões, e recebiam lategadas estando com os pés aferrolhados. Aos dous meses já morreram 500 destes preguiceiros. Os mais trabalhadores vendia-os para trabalharem nas  plantações de café ou cana de açúcar e que contribuíssem para a pujante economia da sobremesa. Na altura, um galego custava aproximadamente o mesmo que dous cavalos. Mas então surgiram os grevistas. Dezaoito deles fogem à povoação de Marianao e iniciam uma insurreição. O correspondente capitão-general ordena aplacá-la, exigindo “a captura dos colonos fugidos e a restituição aos quartéis de trabalho”. Do facto de que lhes chame “colonos” faz-nos pensar que esses galegos, mais do que assalariados deviam ser autónomos. Em todo caso, alguns conseguem fugir. Uns rematam de esmoleiros em Havana, e outros contam a sua experiência nos jornais críticos, polo que danam irremediavelmente a ‘marca Galiza’: “Andamos despidos, matam-nos à fame e se pedimos algo de comer dam-nos paus, sabradas , e ponhem-nos no cepo dous dias…”

Em 1901-1902, quando o noiês Jesús Rodríguez Vázquez responde ao inquérito etnográfico remetido polo Ateneu de Madrid, cita a “feira das criadas” como um mercado já desaparecido uns anos antes. Polo São Simão, no 25 de Abril, as mulheres novas juntavam-se num ponto da vila, onde acudiam os senhoritos que queriam mercar uma servente. O velho estilo estava a esmorecer e o futuro seria o de conceitos eufemísticos como “recursos humanos” e demais.

Terra Ancha, 17 de Janeiro de 2014. Dia do Santo Antom

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.