Viver na simulação semelha o jeito mais idóneo para conseguir a acreditação que se precisa, nesta lontra de aparências. E este procedimento, pode ser fácil, por interposta pessoa, não de forma direta. A escolha há ser atinada: um ser pensante, com uma boa disposição ao performance, redigido para virar qualquer verdade que não pareça conveniente para o marketing. Nesta altura, já não existe nenhuma dúvida de que os dados podem ser maleáveis, trocados e esta forma afigura ser o rumo mais apropriado, semelha o status perfeito para conseguir uma mínima credibilidade como autora.
Tenho que dizer, que este escrito surgiu por um facto que aconteceu há bastantes anos, que me deambula pelo pensamento desde então e que me fiz uma vez mais, meditar fundamente nas diferenças de classe, algo que nos afeta tão diretamente às mulheres. Estas descriminações seguem estando aí, tão pegadas, que não deixa de crunhar clichês em cima das nossas cabeças.
Mas deve-se, e é de justiça explicar, que neste caso como em tantos outros, a descrição fictícia não foi uma atribuição a si própria, senão a interpretação ajustada e estética de alguém, supostamente, altamente capacitado para saber qual é a profissão que mais se adequa à uma determinada posição e respeitabilidade. A ação, lembro-a perfeitamente, ocorreu quando no 2007 lhe dedicaram o Dia das letras galegas a María Mariño. Foi pouco antes do 17 de maio, quando presenciei um facto que me deixou bastante confundida. Isto aconteceu no programa especial que lhe dedicaram à poeta, num concurso da TVG. Nele, vi como uma pessoa de considerável relevância na literatura contemporânea galega, que daquela colaborava nesse espaço, omitia, não sei se deliberadamente ou por ignorância a verdadeira ocupação da autora. Ao parecer, ser costureira lhe resultou pouco “cult” a esta pessoa, assim que, mudou-a por mestra no Courel.
Desconheço o motivo que levou a esta pessoa atuar desse jeito, mas esse foi um facto que perdura na minha memoria desde então. Eu não entendo, porque não foi precisa e exata na sua informação, mas devido a uma escura intenção, incompreensível, amoldou-a ao seu antolho.
Quiçá, a costura não lhe pareceu uma profissão suficientemente prestigiosa para uma poeta. Igual fiz uma tese sobre a matéria e descobriu que só as linhas curvas e retas dos patrões, esperta o neurone básico da costureira. E possivelmente, ante a evidencia da exceção, determinou emitir o "salvo-conduto" da trapalhice.
Em fim, semelha que o facto de estar entre costuras impossibilita para a criação. Talvez múltiplas bainhas intercetam-che alfinetes nos olhos e em consequência, andas às cegas, ao parecer, já não vês mais aló dos tecidos e os manequins!. Esta atividade (que resulta irrelevante para certa intelectualidade) transporta-te fora da palavra, do pensamento mais profundo. Seica tens a mente incapacitada para a ideia, a reflexão e a rima.
Mas obviamente, María conseguiu vincular os seus dois mundos, e a palavra não topou atrancos que a calassem, foi quem de traspassar as barreiras ilusórias dos pantomineiros, aqueles que entreterem-se na procura dos atavios pertinentes.
VISTE a Naturaleza vestido feito por min./ Visto eu dela o mellor forro,/ visto eu dela o seu corpín./ Teño nela o meu socorro.
Fuxe o meu peito de min/ si ela non cómpre ó redor./ Lonxe dela non me fai corpín,/ non pode ca lousa o meu cor.
A aurora é miña i é dela./ O mediodía a liña rompeu./ Ten o serán da noite estrela.
Foise a tarde e non volveu,/ foise. Ten a noite muito dela,/ máis do que a Lúa verteu.
Antoloxía Poética, Galaxia-2007 “Palabra no tempo”
María Mariño
Seguimos a viver situações absurdas de classe, nas que o normal semelha ser a discriminação, a exclusão dos campos aos que certas mentes privilegiadas consideram que tu não deves pertencer. A analogia é forte, noutro tempo eu também fui a costureira de neurónios contestatários e voadores, que ousou adentrar-se num mundo exclusivo, sem passarelas. Assim que, ficam aqui umas linhas, os traços inerentes, o lirismo:
As palavras/ coma louras cabeleiras/ ondeiam em cima de tacões/ de agulha
Ancorando nos ombreiros/ informes devanceiros/ recendem a moneca/ imagem duma infância/ de fronte ancha/ sem perrera
O sorriso/ coma o dum aborígem/ escacha no solo duma/ trastenda/ onde a gramática/ troca-se em/ cincocentas/ mil/ pontadas/ curvas, retas/ cifras astronómicas de fio/ emaranhado fazem/ que persiga teias em movimento/ e põem-lhe nos olhos/ efígies de elegância nas passarelas/ que seduzem/ se quadra coma se medrassem/ patrões entre os dedos e/ conceberam a linha exata/ definitiva/ que assoma devorando o tempo/ nos carreiros da entreperna/ de pontos frouxos e remates
Poema incluído no meu livro “Espelho de mim mesma”
Fevereiro- 2014
Círculo Edições, Galiza