Do mesmo jeito que conhecemos gente que não pode evitar buscar e provar as novas funcionalidades do último iPad ou de qualquer outro trebelho de última geração, também existem indivíduos que não podem deixar de ler e comentar os decretos e sentenças relacionados com o ensino em galego a medida que estes vão aparecendo. Eu pertenço a esta última categoria. Dado que não sou profissional do Direito nem tenho vocação polas leis, devo reconhecer que a minha obsessão por este tema pode interpretar-se como uma simples curiosidade intelectual ou bem como um transtorno neurótico não patológico (isso espero).
Houvo dous elementos da sentença que me figerom reflexionar: por um lado, a anulação do artigo 5.2 do Decreto sobre a consulta aos pais e, por outro, a não consideração por parte do TSXG do recurso ao artigo 4, no que se coloca um tope às horas de ensino em galego
Há uns dias conheceu-se a sentença do Tribunal Superior de Xustiza de Galiza (TSXG) sobre o recurso da Mesa pola Normalización Lingüística contra o decreto do plurilingüismo do Governo Feijóo. Lim as 26 páginas da sentença em uma hora e meia, na sala de espera do Hospital aguardando pola consulta rotinária do meu hepatólogo. Estava a ler as últimas linhas quando, por fim, me chamarom para ir à consulta.
Houvo dous elementos da sentença que me figerom reflexionar: por um lado, a anulação do artigo 5.2 do Decreto sobre a consulta aos pais e, por outro, a não consideração por parte do TSXG do recurso ao artigo 4, no que se coloca um tope às horas de ensino em galego. Deixarei fora da discussão o outro artigo felizmente chumbado, o 12.3, que permitia ao alunado expressar-se em castelám em matérias ministradas em galego.
O primeiro elemento da sentença que quero comentar é a eliminação do artigo 5.2 do decreto, relativo à educação infantil (de 0 a 6 anos), que estabelece o seguinte: “A lingua materna predominante do alumnado será determinada polo centro educativo de acordo co resultado dunha pregunta que se efectuará aos pais, nais, […] acerca da lingua materna do seu fillo ou filla”. O TSXG põe em questão a consulta aos progenitores argumentando que a Administração não pode abdicar da sua responsabilidade, que não é outra que planificar e organizar o sistema educativo, sem possibilidade de intermediação nenhuma dos familiares. Deste jeito, o TSXG afirma que não se pode submeter a votação um aspecto tão fundamental como a língua a empregar na etapa da educação infantil, à que a Lei de Normalización Lingüística (LNL) lhe dedica um artigo (o 13.1) que estabelece que “Os nenos teñen dereito a recibir o primeiro ensino na súa lingua materna”, e que deve ser a Administração a que tome as medidas necessárias para fazer efectivo esse direito.
O principal problema desta sentença tem a ver com a defesa do direito a receber o primeiro ensino na língua materna, tal e como o estabelece a LNL
O principal problema desta sentença tem a ver com a defesa do direito a receber o primeiro ensino na língua materna, tal e como o estabelece a LNL. Em base a este direito, a Administração (e não os progenitores) poderia obrigar a que o 100% dos centros de educação infantil das cidades utilizem o castelám como língua de ensino, pois esta é a língua materna preponderante nos contextos urbanos. Desde o meu ponto de vista, LNL está mal formulada e pode ter efeitos perversos. Quando esta lei defende a educação na língua materna, está sem dúvida fazendo referência aos direitos linguísticos universais definidos pola UNESCO. Quando esta organização utiliza o termo língua materna, não o fai num sentido genérico, senão no sentido específico de “língua socialmente minorizada". Esta noção exclui os casos em que uma língua é dominante e tem assegurado o uso em todos os âmbitos funcionais.
Antes de redigir um novo decreto, deveria modificar-se a lei trocando o termo materna pola expressão “socialmente minorizada” ou algo semelhante, seguindo assim o espírito da UNESCO
Portanto, antes de redigir um novo decreto, deveria modificar-se a lei trocando o termo materna pola expressão “socialmente minorizada” ou algo semelhante, seguindo assim o espírito da UNESCO. Deste jeito, qualquer decreto que desenvolva a lei permitiria o ensino em galego em contextos onde o castelám é predominantemente, é dizer, facilitaria as políticas educativas de imersão na língua minorizada. É fundamental fazer esta modificação na lei antes de tentar derrogar um dos artigos mais conflitivos do decreto, o artigo 5.1, onde se estabelece que “Na etapa de educación infantil, o profesorado usará na aula a lingua materna predominante entre o alumnado...”. Se queremos reactivar os métodos de imersão em galego em contornas urbanas é preciso anular este artigo e promover desde a Administração uma educação integral em galego para aquelas crianças que tenham como língua materna o castelám, língua hegemónica actualmente nessas contornas. Sem esta modificação, Galicia Bilingüe e lobbies afins, sempre terão a possibilidade de deturpar o uso do termo língua materna para exigir à Administração que a educação dos seus filhos e filhas seja na sua língua materna: o castelám. Em resumo, se não se restringe o significado de língua materna na LNL, poderam-se redigir decretos a partir desta lei que favoreçam os falantes da língua socialmente dominante.
Sem esta modificação, Galicia Bilingüe e lobbies afins, sempre terão a possibilidade de deturpar o uso do termo língua materna para exigir à Administração que a educação dos seus filhos e filhas seja na sua língua materna: o castelám
O segundo e último elemento da sentença do TSXG que vou comentar é a sua negativa a considerar a impugnação do artigo 4 do decreto solicitada polo recurso da Mesa. Neste artigo do decreto estabelece-se um limite máximo para o número de horas semanais em galego no ensino primário e secundário, já que este número não deve ultrapassar o número de horas em castelám. Segundo o recurso da Mesa, a atribuição à língua galega de topes máximos supõe não tomar em conta a situação de desigualdade entre as línguas, o que vai contra o espírito da LNL e, sobretudo, contra o disposto no Plan Xeral de Normalización (PXNG), aprovado por unanimidade polo Governo galego em 2004. No preámbulo do PXNG, indica-se que sejam atribuídos ao galego, em todas as fases do ensino, mínimos de impartição e não máximos, em tanto que persista a situação de desigualdade social entre as línguas oficiais.
Vem a dizer que as medidas que tome a Administração são todas boas se com elas se persegue o objectivo principal formulado na LNL: conseguir que o alunado adquira igual competência nas duas línguas ao final do período escolar
O TSXG, no entanto, entende que o PXNG é só um documento de boas intenções político-estratégicas, mas que não pode acolher o valor normativo ou legislativo com o que impugnar um decreto. O facto que o PPdeG incumpra o Plan que ele mesmo aprovou é só uma irresponsabilidade política, mas não jurídica. Mais a frente, a sentença do TSXG admite que “lle corresponde valorar á Administración autonómica educativa a proporción que corresponde a unha ou outra como lingua docente [..]. En correspodencia co anteriormente exposto, non pode reputarse ilegal que se proclame como principio de elaboración do Decreto o de garantir o máximo equilibrio posible nas horas semanais e nas materias impartidas nas dúas linguas oficiais de Galicia para chegar a adquirir unha competencia en igualdade nunha e noutra”.
Isto último é desolador. Vem a dizer que as medidas que tome a Administração são todas boas se com elas se persegue o objectivo principal formulado na LNL: conseguir que o alunado adquira igual competência nas duas línguas ao final do período escolar. Isto tem um efeito perverso claro pois qualquer estratégia pode vender-se como a mais ajeitada para atingir esse objectivo. Se um novo decreto formulasse com boas palavras que com três horas semanais em galego é suficiente para conseguir uma boa competência escrita e oral na nossa língua, não haveria possibilidade de impugnar a medida. No fundo, o TSXG admite que decretar qualquer metodologia ou repartição de horas é válida (por exemplo 1% em galego e 99% em castelám) sempre e quando se considere que é suficiente para conseguir a igual competência nas duas línguas por parte do alunado.
O problema é óbvio: como avaliamos que o método utilizado permite atingir esse objectivo? No decreto, afirma-se que “Con periodicidade anual, despois de finalizar o curso escolar, a consellería competente en materia de educación avaliará os resultados derivados da aplicación deste decreto”. Tendo em conta isto, a pergunta lógica que temos que colocar ao Governo é: existem essas avaliações da Conselharia de Educação? Que resultados estão a dar? Eu só tenho conhecimento de avaliações feitas polos governos Basco e Catalã. No caso basco, por exemplo, figerom-se exames de língua rigorosos que demonstrárom que os únicos alunos que se aproximavam dos objectivos da lei (igual competência em euskera e castelám) eram os que provinham do Módulo D (imersão em euskera). Por este motivo, o último governo do PNV tentou acabar com o modelo de livre escolha entre módulos. Uma vez conhecidos os resultados de múltiples avaliações, decidirom impulsar o ensino em euskera e achegar-se assim ao modelo catalã de imersão. Deste jeito, o governo queria impedir que as famílias escolhessem livremente analfabetizar os seus filhos e filhas. Mas não tiverom tempo de implantar o novo modelo: chegou o governo de Patxi López quem, com o apoio do PP, mantivo o modelo educativo anterior e acabou com o projecto do PNV.
Devemos, portanto, exigir avaliações sérias, com protocolos bem definidos, dos “resultados derivados da aplicación deste decreto”. Temos que saber qual é a competência real do alunado nas duas línguas em diferentes períodos de escolarização
Devemos, portanto, exigir avaliações sérias, com protocolos bem definidos, dos “resultados derivados da aplicación deste decreto”. Temos que saber qual é a competência real do alunado nas duas línguas em diferentes períodos de escolarização. Sem esta informação feita pública, e manifestando apenas o desideratum vazio de que se quer atingir o objectivo marcado pola lei, qualquer método decretado é legal, mesmo um como o actual, que não favorece metodologicamente a língua mais desprotegida.
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