Quanto de profunda será a mudança?

É atribuída a Santo Ignácio de Loiola a frase de "não fazer mudança em tempo de desolação". Mas com certeza, ante a desolação, a não mudança é um ato covarde e que carece de utilidade alguma.  Nestes momentos históricos em que a mudança veio imposta pola realidade, é mágoa ver pessoas e organizações incapazes de compreenderem os signos dos tempos enquanto se aferram aos chamados "consensos".

Nestes momentos históricos em que a mudança veio imposta pola realidade, é mágoa ver pessoas e organizações incapazes de compreenderem os signos dos tempos enquanto se aferram aos chamados "consensos"

Na chamada Transição foram colocados uns marcos nas nossas leiras mentais que deviam facilitar o convívio e o bem comum. As circunstâncias econômicas contribuíram muito no posicionamento de ideias até o ponto de converterem em dogmas algumas máximas. Por exemplo, a crise do naval nas duas grandes comarcas industriais galegas fizeram interiorizar que, para mantermos o bem estar, os recursos públicos primeiramente deviam ser monopolizados polo Estado, e depois que às comunidades autônomas lhes corresponderia lograr dele um pouco ou muito de poder para defenderem os seus "setores estratégicos". Nem descentralização nem auto-governo certos.

Por contra, perante a desolação mais ou menos dissimulada ou paliada, novas formas de Comunidade e de Economia ultrapassam hoje as já esgotadas possibilidades do Estado e o Capitalismo, e pedem passo enquanto o velho se resiste a morrer.

Na chamada Transição foram colocados uns marcos nas nossas leiras mentais que deviam facilitar o convívio e o bem comum. As circunstâncias econômicas contribuíram muito no posicionamento de ideias até o ponto de converterem em dogmas algumas máximas

No que faz respeito à língua, durante quarenta anos a promoção do galego e a nossa aspiração compartilhada de lhe dar um futuro digno foram adaptados a estes marcos mentais. À "normalização" devotaram-se recursos econômicos provenientes dos orçamentos gerais, nunca suficientes para quem acredita que isso é todo o que se pode e deve fazer. O Estado devia ajudar a quem era considerado inválido a sobreviver e se desenvolver por si próprio. A política linguística e a norma ortográfica imposta nas escolas foram concebidas baixo essa consideração de ser o idioma galego um ente socialmente a-normal por ser só e único resultado de flagrantes injustiças históricas, e porém necessitado da reparação continua do Estado até que chegasse o dia -que nunca havia chegar- de que se pudesse desenvolver ele sozinho.

A chamada "indústria cultural" foi focada a obter quanto mais dinheiro estatal melhor. A cimentar estes marcos mentais ajudou o uso espúrio, por não dizer directamente saqueio que a classe política e o Partido Popular realizou do dinheiro público. Por isso reordenar estes recursos com justiça era considerado um direito básico. Mas sem que se veja alternativa á vista para obter esses recursos que não seja mediante os clássicos impostos e dívida. Ao contrário que aquela outra revolução que dizia "a imaginação ao poder", nesta apenas importa fazer-se com o poder e os seus orçamentos para os gerir.

A falta de dinheiro foi logo diagnosticada como a consequência da depredação do público, e não como a intrínseca crise dum sistema financeiro insustentável. Os novos governantes terão que descobrir onde supostamente  tinham o dinheiro escondido os anteriores, pois os "novos" programas da esquerda com efeito não oferecem a Galiza mais futuro que a proteção e tutela do Estado. Toda a coragem que querem espertar em nós é que volverá haver dinheiro para a língua e a cultura desprotegida, igual que deve haver para as pessoas socialmente desprotegidas, porque... é o mesmo... ou não é?

Coincidem as prioridades da gente, e os interesses da "casta" cultural? Haveria que perguntar a Pablo Iglesias, que já dissera que si coincidiam noutro caso: quando a morte daquele banqueiro, que segundo ele "não era casta".

A realidade consciente na Galiza de que a nossa língua não é uma invalida, nem necessita mais dívida que paguem amanhã os nossos filhos e filhas, é algo já inelutável

Fraco favor vão fazer estes governos ao mundo da cultura se havendo gente que não pode levar o mínimo à despensa da sua casa, decidem por exemplo continuar a financiar umas bolsas e estadias no estrangeiro de filólogos para defenderem polo mundo que a nossa língua é inválida e necessita do apoio do FMI.

A realidade consciente na Galiza de que a nossa língua não é uma invalida, nem necessita mais dívida que paguem amanhã os nossos filhos e filhas, é algo já inelutável. Todos e todas, e já não só uma minoria consideramos o galego uma fonte de riqueza, que devidamente aproveitada pode garantir um futuro sólido para si e para o país. Não é um poço sem fundo, mas uma alternativa viável às subvenções e cada vez mais precárias pensões que Estado tem preparado para os perdedores.

Toda vez que a a aprendizagem do português padrão é já uma lei emanada do Parlamento e do povo, a Pró-Academia Galega da Língua Portuguesa está a trabalhar nos jeitos de aproveitar a nossa potencialidade, não só para o mundo cultural, mas nomeadamente para as PeMes, micro-empresas e autônomas, que têm oportunidades de negócio. A sociedade civil continuará o seu trabalho sem mais retribuição que o dever cumprido.

A Pró-Academia Galega da Língua Portuguesa está a trabalhar nos jeitos de aproveitar a nossa potencialidade, não só para o mundo cultural, mas nomeadamente para as PeMes, micro-empresas e autônomas

Na classe política, aqueles que foram capazes de mover os marcos do poder, esperemos que possam também algum dia mover os marcos mentais que condenam o idioma galego a ser um "discapacitado funcional" protegido de por vida.

Mas eu confesso-me pessimista, e  não acredito que os novos governantes não queiram seguir a dica de Ignácio de Loiola, e tomem a via do meio, igual que fizeram antes populares, socialistas e nacionalistas, passando a formar também parte do circuito, coibidos e aterrorizados de serem desautorizados por quem se auto-nomearam e levam quarenta anos de exercício como pais da pátria.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.