Deixou dito Marx no Manifesto Comunista que a história da sociedade é a história da luita de classes
Deixou dito Marx no Manifesto Comunista que a história da sociedade é a história da luita de classes. O génio de Marx e a sua imensa capacidade de persuasom conseguírom converter a tese em chave explicativa de corolários tam potentes como aquele que di que as ideias dominantes som em toda época as da classe dominante. O poder persuasivo da argumentaçom marxiana e a grande capacidade de seduçom do seu estilo provocativo e sarcástico produzírom autênticas joias da análise de classe como O dezoito Brumário de Luís Bonaparte. Correndo o tempo, a reducçom escolástica do seu magistério a umha intemporal confrontaçom entre burguesia e proletariado conseguiu ir degradando a analítica marxiana a escuras sabedorias gnósticas como o maniqueísmo ou a dialéticas de raiz binária como o taoista yin/yang e todo tipo de dualismos filosóficos em geral.
A disciplina académica, sujeita por fortuna ao princípio de contradiçom e crítica aberta, conseguiu preservar no entanto o princípio analítico da luita de classes do perigo de degradaçom instrumental em simples retórica para ornato de prosas de partido. Os historiadores ou simples afeiçoados a leituras de teoria política lembrarám as brilhantes polémicas de nom há tantos anos sobre a transiçom do feudalismo ao capitalismo, o estatuto teórico do campesinado ou a estrutura das formaçons sociais pre-capitalistas nas quais a análise de classe tinha de se submeter a contrastaçom histórica como sempre deve ser.
A dinámica de classes está submetida a perpétua mutaçom, burguesia e proletariado som categorias históricas mutantes
A dinámica de classes está submetida a perpétua mutaçom, burguesia e proletariado som categorias históricas mutantes. Nom existe chave mestra intemporal capaz de abrir todos os fechos da história. A sociedade do Antigo Regime na Galiza -antes de Mendizábal por concretizarmos- era umha sociedade estamental, com senhorios e servidume, fortemente homogeneizada pola sagrada doutrina do trono e o altar; instáncias de legitimaçom em definitiva.
A ilimitada curiosidade de frei Martim, o seu espírito rispidamente independente e os seus conhecimentos enciclopédicos convertem a sua figura na mais fascinante da Ilustraçom galega
A robusta estrutura social do Antigo Regime foi bem percebida polo nosso sábio Martim Sarmiento (1.695-1.772). O pontevedrês mais grande nascido na Boa Vila -embora haja quem situe o seu berço em Sam Joám de Cerdedo, mais para dentro da província- ou na Vila Franca do Berço, na Galiza excêntrica. Um nascimento em fim itinerante como o de Valle Inclán. Em Galiza os grandes brotam simplesmente da Terra e nascem onde querem.
A ilimitada curiosidade de frei Martim, o seu espírito rispidamente independente e os seus conhecimentos enciclopédicos convertem a sua figura na mais fascinante da Ilustraçom galega. O seu galeguismo indefectível e temperamento retranqueiro som traços que nos seguem apaixonando.
Descreve frei Martim com evidente prazer umha engraçada imagem que afirmava proceder de umha certa biblioteca que nom vinha o caso aludir. A anecdota é umha liçom de análise de classe em termos da analítica infra-estrutura ↔ superstrutura ↔ aparelhos de legitimaçom que poderia ter comprazido ao mesmo Althuser.
Conta Sarmiento. “Píntase el Papa y el Rey y debajo un labrador con este rótulo: yo sustento a los dos. Debajo un comerciante con este otro: yo robo a los tres. Debajo un abogado con este: yo enredo a los cuatro. Debajo un arbitrista y con este rótulo: yo alucino a los cinco. Debajo un médico con éste: yo mato a los seis. Debajo un teólogo diciendo: yo absuelvo a los siete. Y en lo alto se pinta al Padre Eterno echando la bendición con este rótulo: yo perdono a los ocho.
A escalerilha, como denomina Sarmiento a historieta, comenta-se só. A qualificaçom dos economistas do seu tempo, os arbitristas, como fornecedores de discursos alucinatórios é tam certeira como actual. Um sábio o nosso Sarmiento.
Os arbitristas de hoje alucinam-nos com os perigos da perda de competitividade e os ominosos desequilíbrios económicos para impor-nos o seu calendário de ajuste duro
A sociedade estamental de Sarmiento pouco tem a ver com a sociedade de classes que presidiu a fundaçom da UGT naquela Barcelona de 1.888 que estreava Exposiçom Universal e central sindical operária baptizada na ocasiom por um tipógrafo galego chamado Pablo Iglesias. O sistema de classes que alicerça toda sociedade é um produto histórico submetido a mudança. Longe estamos da confrontaçom directa de classes que anunciava a fundaçom da UGT e rebentou nos anos trinta; os arbitristas de hoje alucinam-nos com os perigos da perda de competitividade e os ominosos desequilíbrios económicos para impor-nos o seu calendário de ajuste duro. O olho céptico de Sarmiento teria algo a dizer a tam ameaçante delírio. Contentemo-nos com outra olhada céptica também e nom menos perspicaz. Sentenciava El Roto em debuxo recente: “Vivimos na ditadura do monetariado”.
Deveras nom há alternativas, senhores arbitristas? “Somos o 99%” é o slogan mobilizador popularizado polo prémio Nobel de economia J. Stiglitz, um cientista sem vocaçom alucinatória empenhado em denunciar o custo derivado da apropriaçom de rendas sociais por parte do 1% privilegiado, adicto a paraísos fiscais.
As classes mudam, na nossa sociedade de classes médias o primate capitalista virou em quadrúmano global
As classes mudam, na nossa sociedade de classes médias o primate capitalista virou em quadrúmano global enquanto os governos nacionais -Junta Geral de Accionistas da burguesia, em apodíctica opiniom de K. Marx- luzem agora indumentária cosmopolita nas passarelas do OMC, o FMI e o BCE.
Precipitamo-nos para umha sociedade de classes médias manejadas trás do telom polos poderes consagrados. Aqui e na China
Precipitamo-nos para umha sociedade de classes médias manejadas trás do telom polos poderes consagrados. Aqui e na China. Devemos-lhe ao Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping -sucessor daquele Grande hoje venerado e esquecido- umha sentença premonitória que eu acho mais confuciana que marxiana: “enriquecer-se é glorioso”, (1.982). Este é o lema que preside o socialismo de mercado à moda chinesa. No seu derradeiro discurso, Wen Jiabao -actual primeiro ministro chinês que cede passo agora a Xi Jinping- aproveitou a ocasiom para proferir um discurso admonitório que aponta os perigos latentes que ameaçam China: o crescente abismo entre possuidores e despossuídos, a corrupçom reptante, a poluiçom sem freio, o mal-estar social latente. Como aqui. A receita proposta é o estímulo à demanda interna que permita atalhar o desafecto social e assegurar o crescimento económico. Puro Keynes.
Devemos-lhe a Hegel, mestre de Marx, o subtil conceito da astúcia da razom histórica polo qual esta nos conduziria por caminhos impensados até a meta implícita no processo dialético. Os portugueses já o sabiam: Deus escreve direito em linhas tortas.
E se a Gloriosa Revoluçom chinesa nom fosse mais nada que um processo particular de acumulaçom primitiva de capital e tecnologia como passo prévio à plena eclosom das relaçons capitalistas de produçom e subsequente exacerbaçom da luita de classes?
Pergunto eu, e se a Gloriosa Revoluçom chinesa nom fosse mais nada que um processo particular de acumulaçom primitiva de capital e tecnologia como passo prévio à plena eclosom das relaçons capitalistas de produçom e subsequente exacerbaçom da luita de classes?
Bom, se assi for, umha questom improrrogável se suscita, a mesma que formulou em forma magistral o poeta Atahualpa Yupanqui em representaçom de todos: Y el dolor ¿quién me lo paga?