Um breve percurso pola Galiza sul

Aproveitando o passado dia das letras figéramos ideia de dedicar essa fim de semana a cansar um pouco o corpo polos trilhos da Serra de Gerês. A companhia era óptima embora o propósito inicial da viagem parecesse cada vez mais improvável visto a totalidade dos prognósticos anunciarem chuva para esses dias. Mas bom, sempre ficava o bacalhau com broa, o cabrito asado a regar com Alentejo e as sobremesas de abade de Priscos, essa esquisita larpeirada bracarense que nunca decepciona. Enfim o norte, quero dizer o sul, essa Galiza que fala galego em plena confiança sem necessidade de licença. Afinal tivemos que esquecer os trilhos que partem de Lindoso, lá na Ponte da Barca, e os que saem da Terra de Bouro –ou Boiro se assim preferirem- para sobirem até dominar a maravilhosa barragem da Caniçada onde confluem em majestade os rios Cávado e Caldo.

Viana ofereceu-nos a inimitável graça salgada dos seus peiraos e dos seus passeios livres até o momento da torpe voracidade edificatória que corrói as nossas vilas marinheiras

Nom houve outro remédio que trocar o esplendor primaveral dos carvalhos e os azevinhos, os medronheiros, as urzes e as giestas pola fidalga urbanidade camponesa de Ponte de Lima, Guimarães e Viana do Castelo. Programa um bocadinho menos emocionante mas também menos cansativo e mais convivencial. Ponte de Lima obsequiou-nos com um maravilhoso presente: o políptico Oratório dedicado á opressom secular das mulheres pola incomensurável Paula Rego, temporariamente cedido pola pintora para a sua exibiçom na Igreja Museu dos Terceiros. Guimarães brindou-nos o mais surpreendente presente despois do imprescindível passeio pola histórica cidade encantada: a visita á evocativa Ribeira da Costa, ou dos Couros como também é conhecida, primorosamente restaurada de há pouco para cá. De remate a obrigada visita á citánia de Briteiros precedida polo desvio á morada do seu pai progenitor, o mítico arqueólogo Martins Sarmento (1833-1899) com quem temos contraído dêveda perpétua os galegos de aquém e além Minho por ter colocada a memória castreja no mapa-múndi da ciência arqueológica. Viana ofereceu-nos a inimitável graça salgada dos seus peiraos e dos seus passeios livres até o momento da torpe voracidade edificatória que corrói as nossas vilas marinheiras. Os bons jantares nom faltárom -por causa da insistente chuva devemos aduzir em legítima defensa da nossa condiçom de montanheiros frustrados- a começar por A Carvalheira, mesmo a carom da Ponte de Lima, o melhor mantel (ou toalha de mesa como gostam dizer os portugueses) de toda a Galiza sul.

Qualquer percurso por terras da Galiza sul recompensa o explorador com obséquios renovados. Cumpre atualizá-los de vez em quando para tentar reproduzir o prazer de compassar revisom e memória como nos contos repetidos da nossa infáncia

Qualquer percurso por terras da Galiza sul recompensa o explorador com obséquios renovados. Cumpre atualizá-los de vez em quando para tentar reproduzir o prazer de compassar revisom e memória como nos contos repetidos da nossa infáncia. A visita ao mosteiro beneditino de Tibães ao pé de Braga, por exemplo, esplêndido na húmida primavera deste 2013, capaz de infundir nova força á breve cascata que forma o lago escondido no coraçom mesmo da horta que encerra o mosteiro por detrás. Quanto nom teriamos gostado de que aquele andarilho que foi o nosso Martim Sarmento tivesse a ocorrência de visitar algumha vez a casa matriz da Congregaçom beneditina portuguesa. Imaginam vocês a crónica que dai ia nascer, cheia de eruditas e curiosas notas sobre as relaçons entre o galego e o português e o gênero e a espécie de cada erva e flor do caminho á santa casa? De saída de Tibães lamentámos topar encerrado o São Frutuoso de Montélios onde o taimado Gelmires costumava practicar piedosas razias a maior glória do Sanctus Jacobus. Despois, já nos baixos da casa natal de Martins Sarmento um mergulho lustral da mirada diante da Pedra Formosa recompensou toda fadiga. A majestosa acrópole galaica de Briteiros brilhava lá perto em meio dos vales embaçados pola luz grisalha deste desconcertante mês de maio.

A visita á casa museu de Martins Sarmento tivo como bônus inesperado a companhia erudita e discreta (se o adjectivo nom for redundáncia referido a um português) do guia encarregado da custódia da casa-museu

A visita á casa museu de Martins Sarmento tivo como bônus inesperado a companhia erudita e discreta (se o adjectivo nom for redundáncia referido a um português) do guia encarregado da custódia da casa-museu. O jovem arqueólogo foi-nos relatando a funçom balnear e talvez ritual da Pedra Formosa nas práticas termais dos nossos ancestres e das demoras no ritmo de escavaçom da citánia por causa da crise que todo engole. A crise, esse andaço devastador que já provocou a devoluçom da incomparável colecçom de Paula Rego a Inglaterra desde o Museu de Souto de Moura em Cascais nascido para acolhê-la. Que desgraça de tempos, coincidimos guia e visitantes.

Rematada a visita demorámos um bocado charlando sobre identidades e origens, a ciência do nosso guia. Perguntei-lhe se conhecia o nosso particular Martins Sarmento, o arqueólogo ourensao Florentino Lôpez Cuevilhas; era-lhe bem conhecido. Ousei solicitar entom a sua opiniom sobre as razons que teriam contribuído a trocar a flagrante galaicidade da naçom portuguesa em radical lusismo. O nosso amigo esboçou um breve sorriso irônico. O território da Lusitánia, comentou, coincidia com a atual Estremadura e Serra Morena espanholas mas os portugueses preferírom situá-lo na Serra de Estrela que é um cenário muito mais épico e nacional. Quanto a Viriato -nome mui comum na época, como o de António agora, pontualizou- o certo é que em matéria de estirpes nacionais é práctica habitual em toda a parte adoptar como pai fundador qualquer herói retratado com traço forte em fonte clássica, como no poema Punica de Silio Itálico, e nom um guichinho qualquer sem partida de nascimento conhecida. Faltou-nos tempo ou coragem para conversar um bocado sobre Dom Pelaio – ou dom Paio como também podíamos dizer- e foi pena grande mas decidimos partir com a agradável impresom de que entre galaicos em uso de razom é doado que a conversa derive em unanimidade.

O ostentoso palácio normando inventado nos anos trinta polos arquitetos de Oliveira Salazar para enaltecer a morada em Guimarães do primeiro Bragança, Dom Afonso I, é umha ensonhaçom tardo-romántica digna do ressesso promotor. Viollet-le-Duc nom teria melhorado tam disneylándico projeto. Abandonamos sem dano aparente as saudades imperiais dos trinta para mergulhar-nos -nunca melhor aludido- no bairro baixo da Ribeira da Costa, ou dos Couros como também o denominam os nativos, primorosamente restaurada agora para evocar os labores do curtume da mui nobre Vila de Guimarães. Outra vez a Galiza. Um compostelano nom pode deixar de evocar as poças, pelames e lagares dos laboriosos curtidores e surradores locais que com a ajuda da casca do carvalho e a água limpa do Sarela conseguiam converter fedorentas e rústicas pelicas em suaves e aveludados coiros. Ribeira do Sarela e ribeira do Creixomil a mesma cousa é. Ficava ainda por andar o encanto marinheiro de Viana onde nom faltou um bacalhau no Maria de Perre que nom alcançar o ponto do Carvalheira da Ponte de Lima é mais que bom.

Um deambula pola Galiza sul por terra própria. Comuns o Lima e o Minho, quase comum mesmo Eça de Queiroz por parte de mae

Um deambula pola Galiza sul por terra própria. Comuns o Lima e o Minho, quase comum mesmo Eça de Queiroz por parte de mae: dona Carolina Augusta Pereira d'Eça, natural de Monção. Poderíamos atrever-nos mesmo a afirmar que a senhora Pereira Deza foi parente longínqua de Xavier Vence Deza por parte de mae o qual revelaria umha subtil relaçom entre a literatura portuguesa e o nacionalismo galego. O rio Deza, afluente do Ulha, nasce nos montes de Lalim e foi em Lalim precisamente -Concelho de Lamego- onde fixou residência e esperou a morte o excelente mestre de trovadores dom Pedro Afonso conde de Barcelos, filho natural de dom Dinis e bisneto de dom Alfonso X chamado Sábio. Foi ali onde compilou o glorioso Livro das Cantigas de onde vem todo o cancioneiro galego-português e o Livro de Linhagens onde deixou memória escrita de estirpes e honores devidos. Dom Pedro Afonso descansa no seu túmulo gótico de São João de Tarouca, perto de Lalim, rodeado dos javalis totêmicos que tanto teria gostado caçar, igual que o nosso conde Fernám Pérez de Andrade o Boo no seu túmulo em Sam Francisco de Betanços, amante também o de Barcelos de javalis e letras. Luzem no inverno nas terras de entre Douro e Minho as neves de antano que cantara o poeta francês, som os ecos da memória que une as gentes do Minho.

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