Nós, @s linguistas, temos boa consciência das dificuldades e problemas que pode acarretar a tentativa de distinguir entre línguas e dialetos. Se tivermos que classificar algo como língua ou dialeto, é frequente recordarmos a afirmação do sociolinguista M. Weinrich: “uma língua é um dialeto com um exército e uma marinha”. É deste modo, em termos políticos, como se estabelecem em ocasiões os parâmetros para dizer que português e galego são línguas diferentes. Aliás, muitas pessoas até acabam por ficar irritadas ao descobrirem que as diferenças no plano linguístico são poucas e quase sempre provocadas pela castelhanização atual da nossa língua na Galiza – elas teimam em separar galego e português, não reparam nas vantagens que a reintegração pode trazer consigo?
As divergências linguísticas assinaladas costumam ter a ver com o complexo sistema fonético do português. Contudo, não devemos esquecer que o galego tem vindo a perder algumas destas realizações fonéticas ao longo da sua história pelo facto de estar sob a pressão do castelhano. Ainda nos Ancares podemos ouvir vogais nasais! Já no nível morfossintático, estas pessoas salientam a falta de semelhança no paradigma verbal ou a existência do pronome che na Galiza, entre outras. Algumas são características que marcam a diferença, certo, mas devemos considerar que somente existem (algumas nem isso!) quando compararmos o padrão ILG-RAG com o padrão lisboeta – e lembrem que nem tudo depende de standards linguísticos!
Porém, não tinha intenção de apresentar aqui as diferenças entre galego e português. Tencionava, no entanto, defender uma estratégia que pode ainda livrar o galego da morte e da desaparição no âmbito da investigação linguística. A minha posição é clara: a aprovação e normativização dum modelo convergente com o padrão português na Galiza. Mas não trago argumentos de carácter político, económico ou social. A minha atitude perante este problema – a hibridação do galego – também não se baseia de modo exclusivo em fundamentos linguísticos. Vou tentar defender as oportunidades no âmbito da investigação linguística que pode ocasionar uma fusão galego-portuguesa.
Apesar de haver gente com interesse em continuar a considerar o galego como uma língua menorizada e minoritária (se calhar até gostam na realidade do sometimento ao sistema espanhol e unificador), eu recuso abertamente esta subordinação, pois temos outras alternativas. O mundo atual requer uma adaptação constante às novas tecnologias: no caso do galego, embora tenham aparecido nos últimos anos recursos e ferramentas linguísticas (dicionários, corpora, bases de dados terminológicas...), considero que não são ainda suficientes. Não podemos aceitar um universo pequeno sabendo conscientemente que podemos viver noutro muito maior – é ambição!
Desde já, vou focar a minha atenção em recursos lexicográficos. Neste sentido, a integração com a Lusofonia (ou a criação da Galeguia) permitir-nos-ia aceder a uma quantidade enorme de dicionários, por exemplo. Não falo apenas de dicionários monolingues como o Priberam, mas também de recursos bilingues que podem ajudar na aprendizagem de línguas estrangeiras ou na tradução. Se tivermos interesse em traduzir a expressão pluriverbal pôr ao colo para o alemão, podemos pegar na Infopedia e lá aparece logo uma possibilidade: auf den Schoß nehmen. Acho que esta solução é muito mais fácil, cómoda e eficaz do que uma tradução indireta e passando por três línguas (tão comumente utilizada!): galego castelhano alemão.
Falando ainda em recursos lexicográficos, se abrirmos as portas para o mundo português, descobrimos que temos acesso a bases terminológicas como o IATE. Desta forma, logo deitamos abaixo a falta ou inexistência de vocabulário específico e de terminologia em galego, uma vez que a opção portuguesa pode ajudar muito para o estabelecimento de um léxico como o da medicina, o da biologia ou o da engenharia. Deste modo, podemos encontrar rapidamente um equivalente galego-português para o inglês gear no âmbito da engenharia: engrenagem. Graças à Comissão de Lexicologia e Lexicografia da AGLP, já se têm conseguido alguns sucessos neste sentido, pois o VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa) inclui palavras galegas, como aginha ou chafalhada. Aliás, no âmbito da tradução, é frequente ouvir queixas devido à falta de ferramentas de tradução assistida por computador que segmentem texto em galego. Porém, estas ferramentas já incluem e reconhecem normalmente texto em português, o que facilitaria em grande medida o processo de tradução.
Com estes exemplos apenas quero mostrar as possibilidades que existem já para o galego, sem necessidade de muitas mudanças linguísticas – devemos ter a certeza de que é ainda preciso realizar algumas alterações legais. Seja qual for o modelo utilizado para grafar a nossa língua, estes recursos estão disponíveis na Internet e podemos tirar enorme proveito deles. Não podemos virar as costas à realidade: a proximidade entre o galego e o português é inegável e lançar mão de recursos como os acima mencionados só faz com que a qualidade dos textos escritos na Galiza melhore. Este caminho pode acabar por ser a nossa salvação: chegámos a um ponto em que o português é a única oportunidade para evitar a continuidade do processo de hibridação do galego com o castelhano. Temos o futuro nas nossas mãos, é melhor aproveitarmos esta ocasião já!