Entre o monumental trabalho de campo que o antropólogo Carmelo Lisón Tolosana desenvolveu por toda a Galiza desde a década de 1960, há um surpreendente caso de embruxo que acho que passou completamente desapercebido até o de agora. Reproduzo-o na íntegra e no idioma original, porquanto o tom usado polo antropólogo na sua transcriçom também resulta signiticativo:
“Un muchacho se casó y fue a vivir a casa de los padres de su mujer para administrar las tierras. Tanto la esposa como su madre eran y son fuertes de carácter, pero él no estaba dispuesto a dejarse dominar; al contrario, a él se le oyó decir antes de casarse: “a la filla ensíñase e a la vella bótase a os toxos”. Una vez en la casa, se mostró agresivo con los viejos especialmente con su suegra. Pero mujer y suegra lo van convenciendo poco a poco de que está embrujado (les favorecían ciertas circunstancias de la casa), de que él es bueno por naturaleza pero que el embrujo le ha convertido en malo. Tienen que desembrujarlo; le hacen pasar por el correspondiente rito y el muchacho ha quedado domesticado y sujeto a las dos mujeres”1.
Tolosana, de habitual minucioso na localizaçom dos dados etnográfico que dá –costuma especificar sempre a paróquia-, é tremendamente discreto em toda a sua obra sempre que se refere a informaçons como esta, que podemos aventurar com bastante segurança que som procedentes de algumha freguesia da Galiza matrilinhal, nomeadamente na zona costeira. Como se o delicado assunto da honra dos homens destas paróquias merecesse da cumplicidade do antropólogo, Tolosana mantém o pauto de silêncio, protegendo os seus informantes de vergonha. Ainda, expressons como “dejarse domindar”, “domesticado”, “sujeto a las dos mujeres”… indicam claramente qual é a perspetiva do observador. Polo demais, este singular caso que inverte completamente os termos do meigalho “canônico”, ficou exposto sem maior comentário. Para analisá-lo compre começar por situá-lo convenientemente no seu contexto social, que é o da Galiza matrilinhal, antes de desentranhar os mecanismos simbólicos do meigalho tradicional e comprovar como foram reapropriados por estas mulheres para uns fins completamente diferentes: despatriarcalizar o jovem esposo.
A manda matrilinhal
Nas zonas da manda matrilinhal é umha das filhas, e nom um dos filhos, a que recebe a melhora e herda a casa, onde irá morar o seu homem quando casem. Esta estratégia de organizaçom do parentesco e da residência é, como explica Marcial Gondar, “un mecanismo de defensa contra o potencial desamparo”2 das mulheres de marinheiros, que de outra maneira teriam de suportar em soidade um dificil convívio na casa da família do homem –isto é, longe da sua família de origem- durante as estadias deste no mar, em umha posiçom de inferioridade. Pola contra, ao ficar na própria casa reforça-se a relaçom mae-filha, que se torna o eixo reitor da família, obrigando os homens a aceitarem um rol menos dominante de aquele ao que estám afeitos nas zonas de melhora patrilinhal. Contudo, estas zonas de estratégia matrilinhal som (ou eram3) pequenas ilhas dentro de um oceano patrilinhal onde é hegemónica umha ideologia fortemente patriarcal. Dam-se casos onde mesmo dentro de umha mesma paróquia convivem as duas estratégias, e de facto é bastante habitual que os homens que iam casar para a família matrilinhal fossem filhos segundons das aldeias labregas vizinhas, de ideologia patrilinhal, onde herdava o filho mais velho e facava a morar na casa com a sua mulher vinda de fora e o casal velho. Em definitiva, nesses casamentos das filhas da manda matrilinhal com o filho nom melhorado da manda patrilinhal, produzia-se toda um choque cultural de difícil digestom.
Sem serem “matriarcado”, as zonas onde predomina a manda matrilinhal sim apresentam umhas pecualiaridades culturais certamente mais favoráveis para a posiçom das mulheres. Assim, por exemplo, a religiosidade popular está mais adaptada às suas necessidades: Tolosana fala de umha freguesia onde o santo padroeiro está posposto pola Nossa Senhora do Bom Parto e do Leite4; de outra onde tenhem a Santa Comba como advogada da “parte baixeira” das mulheres, especializada nas doenças ginecológicas; ou da romaria de Sam Ramom de Bealo, onde acudem as mulheres grávidas de toda a comarca num dia especial para a mulher onde o homem está obrigado a ocupar-se das crianças e carrejar com a cesta da comida, como se fosse umha greve de cuidados5. Igualmente, nestas zonas som se ia à bruxa senom ao bruxo, significativa inversom da clássica divisom sexual do trabalho místico, e tampouco é de mal agoiro que seja umha mulher a primeira pessoa que se veja ao sair da casa pola manhá. Quanto ao trabalho, nestas zonas transgredem-se os tradicionais roles de género, realizando os homens tarefas tam marcadamente feminizadas como a elaboraçom da manteiga (todo um símbolo da femenidade, amiúde empregado na poesia popular erótica como metáfora do coito) ou a limpeza da casa; enquanto elas se manejam a cotio com os aspectos mais tecnológicos da lavrança com a administraçom económica da casa, e mesmo com as transaçons comerciais do gado. No espaço público, era a mulher que representava a casa perante o Ayuntamiento ou a Hermandad de Labradores y Ganaderos, e quando por imposiçom legal é o homem o que representa a casa perante as instituiçons, este sempre responde prudentemente com um “já o falarei na casa” antes de tomar nengumha decisom. Também se encarregava ela do trabalho de representaçom da casa nas juntas de vizinhos ou concelhos abertos, onde se tratavam assuntos de interesse comunitário como o da concentraçom parcelária:
““En lo de la concentración aquí el alcalde de barrio no aparece nunca, va la mujer”. En una ocasión le preguntaron a ésta: “Bueno ¿y o alcalde? ¿Quén é o alcalde? – Ó noso Amaro non lle gustan nada estas cousas”, respondió ella”.
Mesmo perante o próprio antropólogo, as mulheres protagonizavam a conversaçom ocupando o primeiro plano ao redor do magnetófono, ficando os homens da casa num discreto segundo plano. Todo isto tivo, naturalmente, a sua expressom no folclore, caso do conto recolhido por Carré Alvarellos do rei que decidiu ficar solteiro porque no seu reino mandavam as mulheres em todas as casas6, ou desse outro, com base real ou imaginária de:
“cuando la carestía de patatas después de la guerra, un alcalde hizo unos bandos diciendo que el hombre que mandara en su casa que estaba invitado a venir al Ayuntamiento a recoger un saco de patatas para llevárselo a su casa. Pasaron días y no se presentaba ninguno. Pero al fin llegó uno y deijo: “Veño buscar esas patacas”. El alcalde le preguntó: “¿Entonces tú eres el que manda en la casa?. Contestó: “¡Claro, soy el marido!”. El alcalde dijo. “Hombre, ¿por qué no trajiste una bolsa más grande?”. El hombre le contestó: “Yo ya quería traer pero no me dejó la mujer””7.
Ficam por saber as implicaçons do sistema matrilinhal na vida erótica, se bem Tolosana dá umha indicaçom importante: ora a relaçom sexual seja imprescindível para a continuidade de linhagem materna, também é o espaço por excelência de intimidade marido-mulher, com o risco de criar umha relaçom mui afetuosa entre o casal que debilite o eixo filha-mae e ponha em risco todo o sistema. Por esta razom, a sogra achica constantemente essa intimidade conjugal ameaçante, e em alguns casos procura por diferentes meios afastar o genro da casa após a gravidez da filha8, isto é, umha vez o zángao cumpriu a sua missom. “O estado ideal, nom consciente, claro está”, -aponta Tolosana- “seria a realizaçom do reino da amazonia”9.
A endemoniada “canônica” e a histérica burguesa
O caso típico de embruxamento é, pola contra, caraterístico das zonas de manda patrilinhal e residência patrilocal, e está mui bem estudado na antropologia galega, polo que me servirei aqui do útil trabalho de Lucila Valente, que continua a ser umha excelente síntese deste mecanismo simbólico10.
O meigalho canônico é o de umha mulher de família pobre que casa para outra muito mais abastada, sendo o seu homem o filho melhorado e polo tanto o herdeiro. Ali na sua nova residência, longe do seu lar e na relaçom quotidiana com a família do homem, mui especialmente com a sogra e cunhadas –as pessoas com as que comparte um convívio e umha rivalidade mais intensas-, ajovem casada, às vezes rebaixada a criada numha casa que nom remata de ser a sua, acha-se numha situaçom de inferioridade estrutural que a longo prazo se pode tornar um inferno. Nos casos em que isto sucede, e perante a impossibilidade de verbalizar uns conflitos que som estruturais, e polo tanto nom solventáveis sem questionar na sua totalidade o sistema ao que som inerentes, a mulher explode numha crise expressada ciente ou inconscientemente através da inversom simbólica de todo oque é considerado “normal” para umha mulher em umha sociedade tradicional cristá (pois, como destacou George Deveraux, a loucura sempre se expressa por umhas vias estremadamente pautadas em cada cultura concreta11): profere berros blasfemos, dorme de dia e vive de noite, insulta a religiom, abandona a sua higiene, deixa de trabalhar, mostra umha sexualidade selvagem… Este pequeño mas trágico entruido, interpretado por todo o mundo com oque “tem o demo no corpo”, interrompe um dia-a-dia que já nom se podia suportar mais; é o último recurso de que nom tem qualquer outro recurso, a única maneira de chamar a atençom ao seu redor lançando um S.O.S. que adverte de que algo está a ir terrivelmente mal.
Nesses casos a mulher possuída está a dizer e a reclamar muito, mas fai-o com o seu corpo, que entende perfeitamente a situaçom mas nom a pode ou nom a sabe verbalizar, quer porque acarretaria drásticas crises familiares, quer porque nem sequer possua as categorias para fazê-lo, relegando assim essa tensom estrutural ao campo do impensável. É, em definitiva, imprescindível que alguém interprete o que o corpo está a dizer, e é entom que se acude à sábia, em ocasions umha sublime detetive relacional. Esta, como tampouco pode desvelar as verdadeiras razons da crise da mulher sem desatar a guerra familiar (nunca há que perder de vista a rigidez tradicional das relaçons familiares nem a ilegalizaçom do divórcio durante o franquismo, que é o transfundo histórico de etnografia de Tolosana), o que fai é dar umha interpretaçom simbólica da mesma, umha interpretaçom social, à fim e ao cabo, mas “por outros meios12”. De maneira mui inteligente, a meiga propom umha terapia que nom deixa de ser umha sorte de ré-socializaçom ou ré-admissom festiva da mulher enemoniada no grupo familiar13: exorcizadoras do país, como a do Corpinho, colocando-a no centro de atençom da sua nova família e reclamando para ela os cuidados e amabilidade que merecia desde um princípio. Ali irá acompanhada do homem, que porfim se centra nela, e da sua sogra e cunhadas, doficicadas polo transo da doença, ré-estabalecendo assim, embora reproduze continuamente, cum certo equilíbrio que nom questiona um sistema que produze e reproduze continuamente esta tensom social que só às vezes explode em crises etnopsiquiátricas. Afinal costuma dar-se umha curaçom, ainda que muitas vezes só momentánea precisamente porque as condiçons que produziram o mal ficam intatas14.
A histeria das mulheres burguesas do século XIX –tema muito mais estudado, sem dúvida pola maior proximidade social dos investigadores- nom é outra cousa que uma estratégia de resistência análoga num contexto mui diferente. Por palavras de Bárbara Ehrenreich e Deirdre English:
“se algumhas mulheres recorriam à doença com um meio de controlo da natalidade –e da sexualidade-, outras sem dúvida empregavam-na para chamar a atençom e obterem certo grau limitado de poder no ámbito familiar […] No século XIX as mulheres desenvolveram, em proporçons epidémicas, umha completa síndrome que mesmo alguns médicos interpretavam às vezes como um instrumento de poder mais que como umha verdadeira doença […] A doença, que tinha chegado a constituir umha maneira de viver, converteu-se numha forma de rebeliom e o tratamento médico, que sempre tinha tido fortes conotaçons coativas, adotou métodos aberta e brutalmente repressivos15”.
Reapropriaçom e hackeio da magia convencional
O impressionante do caso relatado é a grande inteligência social destas duas mulheres para ré-educar –exorcizar e desprogramar- o jovem noivo, que chega às suas vidas carregado de toda a bagagem patriarcal: a sua ideologia, a sua agressividade, a sua ideia específica do que debe ser um “homem”, et cétera, incompatível com o novo contexto em que deve conviver. Como bruxas experimentadas, mae e filha recorrem às técnicas terapéuticas tradicionais da medicina simbólica ou mágico-bruxeril aplicadas ao seu caso: o método que utilizam segue exatamente as mesmas pautas que o dos clássicos desembruxos de mulheres explicados por Valente.
Nom se esqueça que esse oásis matrilinhal descrito no começo é excecional e está continuamente assediado por um patriarcado hegemónico; os homens que casam para ali nom deixam de irem com a mentalidade patriarcal em que foram criados, e mesmo os mais predispostos a essa forma de vida som alvo permanente por parte de outros homens (no trabalho, na sua família de origem e mesmo dentro da própria casa) de acussaçons e chamadas à ordem, ora humorísticas, ora agressivas, para se ajustarem ao ideal masculinista. Na etnografia de Tolosana, entre o anedotário de casos “homenzinhos” que se deleitam em relatar os informantes de zona patrilinhal, aprecia-se bem essa pressom omnipresente do patriarcado sobre o homem que casa para estas zonas e que se vê no dilema de ter que escolher entre afazer-se às normas da casa ou às do patriarcado, com as conseguintes consequências, optando muitas vezes por um difícil equilibrismo. Como exemplos, eis o caso do homem que fai manteiga mas que, se alguém chamar à porta nesses momentos, se agacha para que nom o vejam em tam feminino assunto; o do homem que lava a roupa, mas de noite para nom ser visto; ou o desse outro que é atacado polo próprio sogro quando ficam a soas:
“En una casa algo rica el suegro –rara excepción- ha logrado mantenerse al margen de la influencia femenina. Tiene una hija casa en casa. “El padre de ella, al marido de ella, no podía verlo, porque ese señor quería un yerno sociable, que leyese el periódico, que supiera cosas. El yerno veña a trabajar por la suegra, siempre trabajando. Y el suegro le dico: “ti non é nada, ti non é nada”…. Una vez la mujer e hija marcharon para [ciudad próxima] en verano por la tarde, le ponen a fregar. El suegro, ya viejo, se dio cuenta. Subió al piso y como le dio rabia verlo así, cogió un palo, cerró la puerta de la casa y subió con el palo: “dónde está ese m…, ¡c…! que inda lo ponen a fregar!”. Y él se echó por la ventana. Al suegro le daba rabia eso [y decía]: “qué homes, qué homes hay!” […] El suegro estaba contra el yerno, porque éste se achicaba ante la hija y la mujer [suegra] […] porque era un hombre que hacía labores de mujer, y él quería un yerno que representase dignamente su casa, pues era una de las casas ricas de aquí”16.
Todo isto, é claro, nom favorece em absoluto a adaptaçom do homem ao seu novo rol, incitando a sua resistência, por vezes até agressiva, como no caso que nos ocupa. Nele, as mulheres começam por capitalizarem habilmente para o seu relato uns sucessos estranhos que se produzem na casa (pode-se supor que se trata de ruídos nocturnos, desapariçons de objetos ou outras cousas polo estilo que deixam suficiente margem às explicaçons sobrenaturais), mae e filha imponhem a sua interpretaçom legítima, que os revela como sinais de que o jovem marido está embruxado –possuído por um agente externo- e que por isso se comporta tam biolentamente, rebelando-se sem razom contra as mulheres da casa. Note-se que nom atribuem diretamente a agressividade machista ao moço, senom que –numha manobra present eem todas as magias do mundo- deslocam a responsabilidade desta conduta antissocial para umha sorte de bode expiatório imaginário17: “o rapaz é bom, o que sucede é que lhe botárom um meigalho”, “nom é realmente ele o que se está a comportar assim mas o demo que tem dentro”. Desta maneira tam inteligente, o que estám a fazer é facilitar a eficácia simbólica da operaçom18, cujos fins verdadeiros, aliás, jamais som explicitados como tais (“nada atinge a consolanar-nos precisamente porque tudo se apresenta como consolo”, escrevera Kafka). É umha mágoa que Lisón Tolosana nom ofereça mais detalhes sobre o próprio rito mas umha etnografia muito mais recente, realizada por Enrique Alonso Población num concelho da Costa da Morte com zonas de manda matrilinhal, Laje, pode ser útil para fazer-se umha ideia do tom persuasivo –de umha afetuosidade tiránica, poder-se-ia dizer- desta magia matrilinhal. Eis, por exemplo, como umha mulher convenceu o seu marido sobre a convenência dele emigrar à Europa (a expulsom do zángao) enquanto ela ficava na casa com a família materna:
“E foi así o meu pensamento, que o ordenara eu. […] Díxome: “¿Pero estórboche na casa logho?”. E díxenlle eu: “mira. Non é que me estorbes na casa. É que nosos pais non duran siempre. O meu santito traballaba sempre. “Nosos pais estamos moi ben mentres eles viven, pero que eles morran, has de quererlles comprar a herencia aos irmáns de fóra”. […] “Traballo non che falta. Si se che dá ben e queres volver ben, ves outra ves por aí abaixo, tranquiliñamente. Meu homiño, que non pasa nada”. Dinlle ánimo e tal así, e entonces foi. De tan buena sorte, que tuvo tanta sorte, que chegou alá…”19.
Em conclussom, a manda matrilinhal desenvolveu-se como umha estratégia de defesa para mulheres numha situaçom familiar especialmente vulnerável, melhorando notavelmente a sua posiçom numha sorte de pequeno oásis feminino no médio da hegemónica dominaçom masculina, mas foram sempre soluçons tam instáveis historicamente e dispersas geograficamente que nom chegaram a calhar –e muito menos a expandir-se- num conjunto cultural importante. Por outra parte, e longe de idealizaçons, as estratégias matrilinhais nem eram paraísos igualitários (nos casos vistos foram os segundons pobres o que padeceram umha situaçom de inferioridade e marginaçom por razom de classe) nem, logicamente, tinham soluçom para todos os problemas sociais; tampouco eram matriarcados pois, sem nengum género de dúvidas, muita da etnografia deveu exagerar nelas o supostos status dominante das mulheres, que análises mais profundas como a de Marcial Gondar, a propósito das viúvas, desmentem completamente20. Nesse contexto, a reapropriaçom por parte de duas mulheres das técnicas mágico-bruxeris tradicionais para despatriarcalizarem eficazmente um moço rebelde, é umha mostra impressionante de inteligência e criatividade relacional.
Notas
1- Carmelo Lisón Tolosana, “Perfil de la mujer rural tradicional (1964)”, Perfiles simbólico-morales de la cultura gallega. Madrid, Akal, 2004 [1974], pp. 173-189, p.185. A singular transcriçom das expressons galegas é típica de Lisón Tolosana.
2- Marcial Gondar Portasany, Mulleres de mortos. Cara a unha antropoloxía da muller galega, Vigo, Xerais, 1991, pp. 22-23; também: Marcial Gondar Portasany, Romeiros do alén. Antropoloxía da morte en Galicia, Vigo, Xerais, 1989, p. 267 e ss.
3- Durante toda a escritura assalta a dúvida de qual será o “tempo etnográfico” a usar, optando com muitas dúvidas polo passado.
4- Carmelo Lisón Tolosana, Antropología Cultural de Galicia, Madrid, Akal, 2004, Capítulo VIII “Manda matrilineal”; pp. 263-293, p. 272.
5- Carmelo Lisón Tolosana, “Perfil de la mujer rural tradicional (1964), Perfiles simbólico-morales de la cultura gallega, Madrid, Akal, 2004 [1974], pp. 173-189, p. 176. O ritual das petiçons a esta Santa Comba é um bom exemplo da lógica do simbolismo tradicional e dá ao santuário umha formosa metáfora uterina: as mulheres que tenhem um excessivo fluxo menstrual intentam remediá-lo barrendo com um pano para dentro da igreja, mentres que as que tenhem pouco barrem cara fora.
6- Lois Carré Alvarellos, Contos populares da Galiza, Revista de Etnografía, Porto, 1964 outubro, cit., vol. III, t.2, núm. 39, pp. 456-457. Na versom de Lisón Tolosana (Antropología Cultural de Galicia, Madrid, Akal, 2004, pp. 278-279): “el señor rey quería casarse, pero antes pensó cercionarse de quién mandaba en casa. Preguntó a un criado, quien le aseguró que en la suya mandaba su mujer y que creía que en todas las casas pasaba igual. Al rey le pareció un caso raro. Entonces decide el rey ir por todas las casas ofreciendo o un caballo o unha vaca, pensando que si mandaba el hombre eligiría el primeiro, y si la mujer, la vaca. Después de varios días de viaje, en la comitiva real seguían todos los caballos pero muy pocas vacas. Apesadumbrado, el rey entró en una casa en la que el marido era “bravo” y la muller “una mulleriña” y dejó un caballo. El rey salió satisfecho al camino y lo comentaba con sus criados cuando oyeron a un hombre gritar detrás: “¡Señores, esperen!”; traía el caballo por el ramal y quería que se lo cambiasen por la vaca. El rey decidió quedarse soltero”.
7- Carmelo Lisón Tolosana, Antropología Cultural de Galicia, Madrid, Akal, 2004, Capítulo VIII “Manda matrilineal”; pp. 263-293, p. 278. Ambos os dous contos ponhem de relevo a pretensom do homem por manter fora as apariências ajustadas ao ideal masculinista.
8- Entre estes meios: enviar o homem ao mar, à emigraçom (como se verá num caso de Laje), de volta à sua casa familiar… A etnografia enfatiza casos violentos, como o dumha sogra que expulsou o genro macheta em mao, mas também sinala outros mais subtis, como o de comerem as mulheres à parte do homem para evitar esse momento propício às cumplicidade entre o jovem casal.
9- Carmelo Lisón Tolosana, op. cit., p. 275.
10- Lucila Valente, “Notas para un estudo do meigallo: Desorde e reconciliación”, em: Marcial Gondar Portasany & Emilio González Fernández, Espiritados. Ensaios de Etnopsiquiatría Galega, Santiago de Compostela, Laiovento, 1992, pp. 225-238. (Publicado primeiro nas Actas do I Coloquio de Antropoloxía de Galicia, Santiago de Compostela, Museo do Pobo Galego, 1984).
11- Georges Deveraux, Essais d’Ethnopsyquiatrie Générale, Paris, Gallimard, 1977.
12- Marcial Gondar (“A doenza como forma de cultura”, em: Marcial Gondar Portasany & Emilio González Fernández, op. cit., pp. 15-40, p. 24) refere-se a isto como “utilizazón mistificada do social”.
13- “Se me queixo do corazón dirán-me que vaia ao médico, que me meta na cama, que coma de réxime, que me converta, en síntese, nun inválido. En cámbio, se elaboro a miña angúria en síntomas histéricas porei en marcha todo un dispositivo de axuda social: axudarán-me a camiñar, darán-me ponches, comidas especiais por se estou anémico; logo levarán.me ao Corpiño, irei coa família e os viciños, terei dificultadades para botar o demo fora, mas cando remate participarei como un membro activo nunha larpeirada e nunha romaria”: Emilio González Fernández, “Medicina popular: Racionalidade das crises histéricas e da resposta ás mesmas”, em: Marcial Gondar Portasany & Emilio González Fernández, op. cit., p. 166. (Publicado primeiro nas Actas do I Coloquio de Antropoloxía de Galicia, Santiago de Compostela, Museo do Pobo Galego, 1984, pp. 80-89).
14- Cada quem pode fazer o experimento caseiro de repassar as próprias histórias de vida familiares, e comprovará como tras muitos dramas de mulheres que padeceram doenças psicológicas ou somatizadas, inexplicáveis polos médicos, se agochava esta estrutura social.
15- Bárbara Ehrenreich & Deirdre English, Brujas, comadronas y enfermeras / Dolencias y trastornos, Barcelona, laSal ediciones de les dones, 1988, pp. 60-61. Sobre a histeria como forma de controlo da natalidade em maos da mulher, pode ver-se um caso de umha moça galega que atribuia ao meigalho o nom poder ter família em: Gondar, op.cit., p. 29.
16- Carmelo Lisón Tolosana, op. cit., p. 278.
17- Ou, talvez, o que se está a dizer, à maneira durkheimiana, é que o demo machista é a sociedade.
18- Em termos marxianos, o que fazem é criar as condiçons para que o moço retifique a sua conduta sem imporem-lhe umha severa portagem em forma de humilhaçom que, mui positivamente, acarretaria o enroque do moço nas suas atitudes machistas, tornando-lhe muito mais custosa (em termos psicológicos e morais) a mudança.
19- Enrique Alonso Población, Xénero, parentesco e traballo. Un estudo antropolóxico no Concello de Laxe, Vigo, Xerais, 2008, p. 76. Os destaques som meus. Esta etnografia de Alonso Población também aponta outras peculiaridades destas zonas matrilinhais de Laje, com oo facto de mulheres velhas frequentarem a taberna (cousa pouco menos do que tabu noutras zonas até tempos mui recentes), ser a melhorada a que manejou todas as inovaçons técnicas do agro, ou os esforços da folk theory para encaixar a relaidade matrilinhal da sua freguesia com a ideologia patriarcal hegemónica através de reviravoltas semánticas como diferenciar entre “ghovernar” e “mandar”.
20- Nesse suposto “matriarcado” as mulheres continuavam a carregar mui maioritariamente com umha sintomatologia de culpabilidade após o falecimento do cônjuge (em 23,2% de casos das mulheres face 12,5% dos homens, e três anos depois do falecimento em 12,5% das mulheres perante só 4,1% dos homens), indicador de que a mulher continuava a ser o “símbolo da moralidade” da casa, e sobre a que recaiam juízos do tipo “Um pai debe preocupar-se dos seus filhos, mas que os abandona unha mae…” ou “Está mal que um hoome se emborrache, mas que o faga umha mulher…”. Veja-se Marcial Gondar Portasany, “A doenza como forma de cultura”, em: Marcial Gondar Portasany & Emilio González Fernández, op. cit., pp. 15-40, especialmente as pp. 24-26; e Marcial Gondar Portasany, Mulleres de mortos. Cara a unha antropoloxía da muller galega, Vigo, Xerais, 1991.
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