O ex presidente de Portugal, Mário Soares, interveio no recente encontro dos líderes da União Europeia em Bruxelas. Em declaraçõs exclusivas a Praza, reivindica a adoção de ações contra o desemprego e a recessão, mas não se posiciona em contra dos governos tecnocratas de Atenas ou Roma.
O presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy, acaba de manter uma reunião com o senhor Passos Coelho, primeiro-ministro de seu país. Rajoy afirmou que o seu modelo económico de combate à crise é o português. Pensa que é um bom exemplo, um caminho a seguir?
É simpático para os portugueses que o Presidente Rajoy diga que o seu modelo económico é um português, o primeiro-ministro Passos Coelho. Isso é indiscutível. Passos Coelho é um homem sério e inteligente, mas é ideologicamente neo-liberal. Apesar de amigo de Passos Coelho, pertenço a outra família política e sou crítico da excessiva austeridade. Estou preocupado com a recessão crescente e o desemprego, que também está a subir, embora seja menor do que o espanhol.
Parece que a austeridade se tenha tornado em uma nova religião, se me permite o termo...
A austeridade não é uma nova religião. É o contrário disso. No que se refere à religião católica, a doutrina social da Igreja vai no sentido do Estado Social, de que eu também sou adepto, embora seja republicano, socialista e laico.
Noutras ocasiões em que falei com o senhor, reivindicou com força a dignidade da Grécia. Disse-me que fora nesse país onde se criara a democracia. Não obstante, agora fala-se desse país como de um caldeiro de lixo.
Sim. Espero que no dia 30, na Cimeira Europeia, se defenda a Grécia. Porque a Grécia não é qualquer país. É o berço da nossa civilização europeia. Por isso deve ser tratada com todo o respeito.
O que opina dos governos tecnocratas da Grécia e da Itália?
Se os governos tecnocratas, apesar de não serem eleitos, como é o caso da Grécia e da Itália, fizerem descer a recessão e o desemprego, fazem um bom trabalho.
"É simpático para os portugueses que o Presidente Rajoy diga que o seu modelo económico é um português"
E da atitude da senhora Merkel?
A chanceler Merkel tem tido diferentes opiniões em matéria de crise europeia. Espero que agora, na próxima cimeira, abra os olhos e mude de política. Seria a maneira de se evitar que a União Europeia caia no abismo, como denunciou ser possível o europeísta Jacques Delors.
Agências como a Moody's ou a Fitch tornaram a ser protagonistas da atualidade. Acha que é necessária uma agência europeia?
Mais do que criar uma agência de rating europeu, julgo que é necessário meter na ordem as agências citadas por si. E ainda a Standard & Poor's. Esta última disse que Portugal é lixo. Os anónimos funcionários dessa agência não se lembraram que o lixo, são eles.
Imagine que uma pessoa lhe pergunta o seguinte: por que estamos na obrigação de ter um défice de 0% em 2020?
Só um lunático ou um contabilista, que só sabe de números, poderia fazer uma pergunta destas.
Pensa que haverá uma revolta social em Portugal pelo desemprego e a perda de direitos sociais?
Julgo que poderá haver manifestações de grande desagrado. Espero que sejam pacíficas.
Quem é que governa a Europa? A Alemanha? A banca? O FMI?
Neste momento as instituições europeias estão paralisadas e os líderes não só não se entendem como lhes falta uma estratégia para salvar o euro e desenvolver a União Europeia.
Alguma mensagem otimista?
Sim. Espero que a União Europeia seja capaz de avançar no sentido de uma Europa Federal. Foi o que disse, em entrevista ao El Pais, o Ministro dos Assuntos Exteriores de Espanha, José Manuel Garcia-Margallo. E para além do ataque à crise e a defesa do euro, seja capaz de atacar a recessão e o desemprego. Dois objectivos fundamentais.