A arte de furtar

Dominio Público Adif

A Comissom Nacional dos Mercados e a Competência, CNMC, fazia público a finais do passado mês de março a imposiçom dumha importante sançom por práticas colusórias a um selecto grupo de empresas espertas em soluçons tecnológicas, incluída a da organizaçom de trapaças fraudulentas para estafar o erário público. A concertaçom entre delinquentes para tirar lucro de um terceiro mediante engano, é tam velho como o mercado.

Concertar-se em segredo em competência simulada para enganar um cliente é arte trapaceira de pouca monta que pode alcançar cimos de virtuosismo quando se aplica a grande escala como no caso nos grandes concursos públicos de infra-estruturas e na venda de armamento onde o secretismo habitual estimula a astúcia e a cobiça dos supostos concorrentes. Pactuar a oferta para inflar o preço repartindo a ganância ao escuso nom demanda muita ciência. É jogo ganhador sem outro requisito que temperar a cobiça a troco da seguridade pactuada.

A arte de furtar, nom mudou muito desde que o jesuíta português Manuel da Costa deixasse constáncia das regras gerais da ladroíce e a roubalheira, acolhidas agora ao discreto amparo de paraísos fiscais para uso de filhos e netos dos múltiplos avozinhos Florenci que povoam o país.

Desta vez, os agentes da trapaça fôrom 15 selectas empresas, siareiros habituais de concursos públicos como os convocados pola sociedade administradora de infra-estruturas ferroviárias, ADIF, dependente do Ministério de Fomento. Na banda assaltante, felizmente desbaratada desta vez, constavam reputadas corporaçons europeias como a francesa Alstom e a alemã Siemens, junto a honoráveis parceiros da Bolsa espanhola como Sacyr, OHL, ACS, Indra, Abengoa e Elecnor e as suas filiais especializadas. A selecta congregaçom repartiu-se amigavelmente 200 contratos de subministraçom ferroviária durante 14 anos por importe superior aos 1.000 milhons de euros. Nom é que o assunto deva surpreender em excesso. A linha de AVE Madrid – Barcelona, orçada em 7.235 milhons de euros, saiu por 8.967 ao longo de 12 anos de negociaçons, trasacordos e suplementos felizmente coroados com a inauguraçom a começos de 2013. A elasticidade dos orçamentos públicos sempre foi notável no Reino de Espanha.

A multa imposta pola CNMC aos 15 concorrentes foi de 118 milhons de euros mais 660.000 adicionais a título persoal aos principais responsáveis da montagem. Entre as sancionadas destacam duas filiais de ACS de nome altamente evocador, quase poético, Semi e Cobra, multadas com quase 44 milhons, seguidas de Elecnor com mais de 20. A CNMC decidiu premiar a empresa delatora do conluio — o bufo, como gostam dizer os portugueses para se referir ao hispánico soprom — que resultou ser a Alstom, livrando-a da multa corporativa e persoal. Também mereceu desconto de multa Siemens pola sua encomiável colaboraçom no esclarecimento do negócio consistente em gravar no 20% a oferta ganhadora, a repartir posteriormente com a parte aparentemente perdedora.

Neste tipo de aventuras saber baixar-se a tempo tem prémio, como bem sabiam Alstom e Siemens. Nestes jogos de taful as amizades forjadas em elegantes restaurantes de cinco garfos som sempre provisórias e passageiras. Nada persoal, bussiness as usual, sentencia o pragmatismo británico 

A sançom imposta pola CNMC vinha acompanhada por vez primeira de umha interessante novidade: a penalizaçom inclui a proibiçom de contratar com a Administraçom pública por três anos. Agradece-se a severidade mas, igual que nos concertos recomenda-se pospor o aplauso para o final da peça. A sentença fica pendente de recurso contencioso administrativo ante a Audiência Nacional e de casaçom perante o Tribunal Supremo, trámites que levam o seu tempo e permitirám aos sancionados polir a defesa e aguçar o olfacto para detectar sócios mais leais.

O Estado nom é tam fero como o pintam com gente de nível. Segundo se informa, no período 2000-2012 a CNMC decretou penas por vulneraçom da competência por importe de 1.153 milhons de euros; a arrecaudaçom efectiva, no entanto, nom passou do 25%: 290,4 milhons1. Garantias judiciais, prazos processuais e habilidades defensivas, regadas com sólidas influências e cumplicidades, obram milagres. Afinal, os castigados de hoje podem chegar a se converterem em empregadores de manhã se nos atemos à experiência.

Afinal os concorrentes som contados e os concursos incessantes. Catorze anos de negócio ferroviário compartido dam para romper e recuperar amizades. Elecnor chegou a romper com Cobra por um litígio sobre o reparto da adjudicaçom da linha eléctrica da alta velocidade Ourense-Santiago. No entanto, Alstom partilha negócio com a espanhola Indra Sistemas — a quem devemos o sistema de controlo de tráfico terrestre e aéreo em Espanha — nessa mesma linha. Com tanta convivência é impossível romper definitivamente velhas amizades, afinal, no bombo pequeno da lotaria concursal do AVE rodam sem trégua 15 selectas bolinhas brunidas pola tecnologia e o êxito.

Afirma a lenda áurea do liberalismo que o mercado é um instrumento infalível que garante a melhor oferta em preço e qualidade mediante a competência incondicionada em favor do demandante soberano. O competidor ineficiente será expulso sem remissom. Fagam favor senhores, deixem trabalhar o mercado, evitem interferências. O mercado proverá.

A piedosa fábula da livre competência entre raposos e galinhas num mercado competitivo e auto-regulado pretende ocultar o que todos sabemos, a existência de barreiras de entrada, a competência assimétrica, as práticas oligopolistas. O mui ilustrado mestre do modelo liberal Adam Smith, filósofo moral de profissom por sinal, nom se enganava ao respeito: Raro é que se reúnam persoas do mesmo negócio, mesmo que seja para se divertirem, sem que a conversa nom termine numha conspiraçom contra o público ou nalgumha estratagema para subir os preços (A riqueza das naçons, Livro I, Capítulo 10: II).

As reunions de negócios de dom Adam tenhem agora escala continental e o divertimento preferido é o de implacáveis jogos de estratégia de poder muito afastados da candorosa teodiceia do mercado, boa apenas para livros de texto e animadas palestras de Escola de Negócios.

1 El País, Economia, 1/04/2019

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