A democracia americana regressa com passo feminino e juvenil

Estatua da Liberdade CC-BY-SA Celso Flores

A democracia norte-americana adoece de cansaço imperial; a atropelada retirada de cenários internacionais considerados decisivos até há bem pouco e o avanço inexorável do princípio de América first parece anunciá-lo

A democracia norte-americana adoece de cansaço imperial; a atropelada retirada de cenários internacionais considerados decisivos até há bem pouco e o avanço inexorável do princípio de América first parece anunciá-lo. O venerável princípio “América para os americanos” que em boca de Monroe significava, fora europeus! deixou de ter sentido há tempo mentres se acentua o ensimesmamento. O peso da púrpura faz-se notar, é o declínio do império, o triunfo do tempo e o desengano —poderíamos dizer evocando ao cardeal Pamphili elevado a ópera haendeliana— domina o cenário.

Ultimamente os fantasmas parece terem-se multiplicado à vista de todos, Europa é vista como onerosa carga de interesse minguante. A geoestratégica zona indo-pacífica afirma-se como a área de confronto prioritária: China e a Índia, Japon, as Ilhas Filipinas e o Mar da China tornárom-se agora a autêntica fronteira imprescindível.

Fai-se patente a vontade de retirada dos E.U.A. dos grandes cenários geoestratégicos desde a malfadada Guerra de Afeganistám (2001-2021) livrada contra os talibãs por se negarem a entregar Osama Bin Laden convertido em inescusável conta pendente desde o 11-S em que os E.U.A. batêrom de repente com a sua vulnerabilidade. A ocupaçom de Afeganistám ia durar 20 intermináveis anos; umha eternidade para o que fora concebida simples operaçom punitiva. O processo acabaria desembocando numha lamaceira de crueldade arbitrária, desprestígio militar e cleptocracia consentida. A amarga experiência ia-se saldar com o deslocamento interno de mais de meio milhom de habitantes e a desesperada fugida cara Europa de dous milhons de refugiados desde Irám e Pakistám.

O panorama político norte-americano actual revela evidentes signos de decrepitude. Dous provectos contendentes políticos pugnam por dissimular a sua idade e deficiências tentando aparentar umhas condiçons das que carecem, Biden já superou os 91 anos, Trump, empenha-se em aparentar umha potência física e mental já perdida aos seu 77 anos

Em meio da onda de pánico generalizado que alimentou a crise migratória de 2015-2016, a Alemanha conseguiu manter-se como lugar de acolhimento e esperança sob o potente liderado da chanceler Angela Merkel e a cultura de bem-vinda por ela promovida que se saldou com a integraçom da impressionante cifra de 1,2 milhons de refugiados entre 2015 y 2016. Foi o contraponto virtuoso á atropelada fugida do gentio que se amontoava desesperadamente no aeroporto de Kabul no verão de 2021. Norte América impotente fugia em imagens inesquecíveis.

Esquecida a apocalipse vietnamita dos primeiros setenta, a guerra de Iraque de 2003 volvia a actualizar a vergonha mundial com insólitas imagens de horror. A imaculada imagem da república imperial americana sofria a princípios do século XXI a desonra generalizada em meio da impotência. Aquele mítico episódio pretérito do afundamento do couraçado Maine na Havana para humilhar umha Espanha decadente parecia repetir-se para um novo império decadente. As gloriosas derrotas que enterrárom os últimos restos do império espanhol pareciam atingir agora a todo-poderosa imagem dos E.U.A.

O panorama político norte-americano actual revela evidentes signos de decrepitude. Dous provectos contendentes políticos pugnam por dissimular a sua idade e deficiências tentando aparentar umhas condiçons das que carecem, Biden já superou os 91 anos, Trump, empenha-se em aparentar umha potência física e mental já perdida aos seu 77 anos. O primeiro foi retratado há pouco polo fiscal especial Robert Hur de “ancião compreensivo, bem intencionado e desmemoriado” enquanto o invencível macho alfa de indómita crina laranja, comandante em chefe do vergonhoso assalto ao Congresso, é acometido por inoportunas sonecas a cada passo nas habituais sessons de controlo a que deve submeter-se ante a justiça. Mas, a situaçom é transitória, o território do todo-poderoso Tio Sam nom é um país para velhos.

Afortunadamente a veta democrática persiste no transfundo; um emergente segmento político norte-americano persiste em meio da sensaçom de esgotamento. Observamo-lo nestes dias na vaga de rebeldia que agitam os Campus universitários contra a desídia oficial ante a massacre executada em Gaza e a presuntuosa sobrançaria dos lobbies sionistas

Afortunadamente a veta democrática persiste no transfundo; um emergente segmento político norte-americano persiste em meio da sensaçom de esgotamento. Observamo-lo nestes dias na vaga de rebeldia que agitam os Campus universitários contra a desídia oficial ante a massacre executada em Gaza e a presuntuosa sobrançaria dos lobbies sionistas. A coarctada do holocausto que segue tarando a memória democrática nom pode obnubilar o recto sentido da justiça que inspirou o histórico Juízo de Nuremberga. 

Contodo, a dialéctica histórica nom se detêm. No passado mês de Dezembro, um activo grupo de congressistas norte-americanas exigiam o fim definitivo da inveterada Doutrina Monroe e da correspondente agenda intervencionista em América Latina quando se comemoram os dous séculos da sua proclamaçom polo presidente James Monroe no 2 de Dezembro de 1823. Um intento de actualizaçom da memória histórica digna da melhor tradiçom democrática norte-americana. A iniciativa pretende cancelar a sempiterna política intervencionista norte-americana no resto do continente e, como mais urgente, terminar com o insolente e lesivo embargo a Cuba, além de activar a desclasificaçom dos arquivos secretos da CIA e outras reformas no FMI e na OEA. Toda umha revoluçom. A iniciativa era promovida por cinco intrépidas representantes democratas: Nydia Velázquez, Delia C. Ramírez, Alexandria Ocasio-Cortez, Greg Casar, Jesús "Chuy" García junto com Raúl Grijalva e Hank Johnson. Ë significativa a hegemonia feminina da iniciativa. A desenvoltura da proposta transpira subversom dos valores patriarcais por parte do segundo sexo de Simone de Beauvoir farto de marginaçom secular acumulada.

A agenda proposta polas congressistas é mui concreta e espera execuçom imediata: Que o Departamento de Estado se comprometa a derrogar a Doutrina Monroe como guia da política exterior dos Estados Unidos para a América Latina e o Caribe e a desenvolver como compensaçom umha política alternativa de boa vizinhança como instrumento de convivência o desenvolvimento económico

Com data de 17 de Janeiro de 2024, o incisivo portal informativo da congressista Nydia Velazquez1 expunha polo miúdo a justificaçom e propósitos da iniciativa, tam radicais como ambiciosos como cabe comprovar. Por fortuna há vida além das vacilantes e provisionais de Biden e de Trump.

Desde a invasom de Porto Rico em 1898, os Estados Unidos nom deixárom de semear ditaduras e golpes de estado por toda América Latina. O resultado fôrom 200 anos de instabilidade política, pobreza, migraçons e colonialismo. “É chegada a hora de mudar o nosso papel” proclama Delia C. Ramírez.

A agenda proposta polas congressistas é mui concreta e espera execuçom imediata: Que o Departamento de Estado se comprometa a derrogar a Doutrina Monroe como guia da política exterior dos Estados Unidos para a América Latina e o Caribe e a desenvolver como compensaçom umha política alternativa de boa vizinhança como instrumento de convivência o desenvolvimento económico.

Propóm a iniciativa rescindir todas as sançons económicas impostas unilateralmente a começar polo embargo a Cuba instando em contraposiçom a desenvolver programas de assistência externa e a desclassificar de maneira imediata todos os arquivos do Governo dos Estados Unidos relacionados com golpes de estado, ditaduras e vulneraçom de direitos humanos perpetrados contra América Latina e o Caribe.

Propom em definitiva acometer umha reforma integral da OEA, Organizaçom dos Estados Americanos, e apoiar em forma activa reformas democráticas no Fundo Monetário Internacional, no Banco Mundial, no Interamericano de Desenvolvimento e em todas as instituiçons financeiras internacionais semelhantes.

Admira a ousadia, o descaro poderíamos incluso dizer, no desenho desta sorte de New Deal latino-americana autenticamente revolucionária em ambiçom e propósitos; nada semelhante seria concebível no discurso parlamentar europeu. Parece mesmo estar a rexurdir aquela América aberta e generosa que preside o porto de Nova Iorque na forma de estátua de bem-vinda construída em 1886 segundo desenho do escultor alsaciano Frédéric Auguste Bartholdi como declaraçom permanente de amor à liberdade e a fraternidade republicana.

Admira a ousadia, o descaro poderíamos incluso dizer, no desenho desta sorte de New Deal latino-americana autenticamente revolucionária em ambiçom e propósitos; nada semelhante seria concebível no discurso parlamentar europeu

Simples idealismo, incompatível com o assassinato massivo que tem lugar em Ucránia e Gaza? Bom, nom há tantos anos, as ruas de Paris atreviam-se a sonhar utopias possíveis como depois aconteceria em Madrid em Outubro de 2014, ainda que hoje pareça pré-história irreconhecível. Afinal parece impor-se a inércia quotidiana aos generosos propósitos de mudança social.

Mas de repente observamos um novo ressurgir em América, como umha onda utópica e solidária, em apoio do povo palestino massacrado em Gaza. A generosidade de umha juventude privilegiada e inconformista e dum punhado de congressistas educadas na autonomia individual desafiam hierarquias estabelecidas e parecem anunciar um novo futuro para a república norte-americana, resgatando-a do estado de sonolência transmitida polo Partido Democrata e o vergonhento programa proposto polo trapaceiro ignorante que domina o Partido Republicano.

A vontade de regeneraçom democrática parece assomar de novo na política americana da mão de um grupo de congressistas iconoclastas e de umha geraçom universitária inconformista com a política exterior. Talvez umha new deal geopolítica como a proclamada polo facho secular da Estátua da Liberdade.

 

Notas

1 https://velazquez.house.gov/media-center/press-releases/velazquez-y-colegas-presentan-resolucion-que-pide-el-fin-de-la-doctrina

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