A Galiza e o Espaço Lusófono: Perspetiva e Prospetiva

Cartaz do 'émundial', organizado por AGAL en Arzúa hai uns anos © AGAL

Tanto nos âmbitos empresariais quanto em organizações de todo tipo com vocação de futuro, de permanência, aprecia-se muito as informações que contribuam para uma previsão certa do que pode acontecer no futuro próximo, já que permite preparar-se para novos cenários, novos contextos, novos mercados. Sendo essa ideia largamente consensual, convém levar em linha de conta que nem sempre o que é considerado novo é exatamente gerado ex novo. Trata-se frequentemente de espaços ou mercados que passavam ao lado e que, para os 'descobrir', só se precisava uma mudança de paradigma ou, se calhar, de regime: Uma outra forma de mirar o que todos são capazes de ver.

Uma primeira observação do âmbito socioeconómico galego, em relação a Portugal e ao mundo que se abre através de Portugal, é a desproporção entre as toneladas de papel impresso cheias de declarações de intenções, as centenas de declarações, incluídos os discursos produzidos em âmbitos oficiais, e as realizações efetivas, medíveis, constatáveis com os valores habituais, em termos socioeconómicos ou sociopolíticos. Exagerando um pouco poderíamos até caracterizá-lo como um tradicional excesso de romantismo e carência de racionalismo. Ou, por usar um epíteto conhecido, diríamos que é uma forma de lusismo platónico.

É verdade que as cifras do comércio e de movimentos de cidadãos no espaço da fronteira galaico-portuguesa são muito superiores proporcionalmente ao resto da fronteira luso-espanhola. Podem ser facilmente consultados. Já Ramom López Suevos assinalava, no seu livro Portugal no Quadro Peninsular, editado pela AGAL em 1987, a continuidade populacional em ambas as beiras da fronteira galaico-portuguesa, contra a descontinuidade no resto da fronteira estatal. Mais recentemente, num artigo publicado no jornal Praza.gal o economista Joám Lopes Facal comentava os problemas da empresa Arriva para pôr em funcionamento o comboio entre a Crunha e o Porto, passando por Vila Garcia e Vigo, assunto em que a espanhola RENFE tem interesses, por uma questão de (evitar a) concorrência. Parece que, no passado mês de maio, a citada empresa conseguiu remover os obstáculos que lhe eram colocados para essa iniciativa empresarial num mercado que se diz ser de livre concorrência, o que constitui uma boa notícia.

Dizia Facal ainda: “A Galiza exporta cada ano a Portugal por importe superior aos 2.500 milhons de euros e importa por valor de 1.900”. Aludia também a “26,8 milhons de passageiros cruzando cada ano a fronteira galega contra 20,5 atravessando a dilatada fronteira (espanhola) nom galega”. Essas cifras, sendo boas, poderiam ser aquilatadas, contrastadas, com um conceito habitual em economia, o 'custo de oportunidade', e calcular o que a Galiza tem deixado de crescer em termos de Produto Interno Bruto, de bem-estar e, por que não dizê-lo também, de influência no espaço ibérico.

Ponho o foco de atenção no que os galegos temos perdido por não fazer o que era preciso fazer no momento certo. Tudo depende de onde queremos chegar. Neste mundo tão interconetado, tão dependente dos contextos internacionais, tão repleto de concorrentes em todos os sectores, é um luxo deixar passar as oportunidades. As tendências autárquicas condenam os países e as suas populações a ficarem à margem do progresso, e a Galiza não pode permitir-se durante mais tempo o erro do isolacionismo.

Na literatura sobre a importância das línguas existe uma nova categoria de estudos que põe o foco no seu valor económico, em como estas podem ajudar a melhorar a vida dos cidadãos e o peso estratégico dos países. No nosso caso o exemplo mais notório pode ser o livro Potencial Económico da Língua Portuguesa (2012), do professor Luís Antero Reto e outros autores, o que demonstra que há pessoas a se preocuparem pelo português fora do círculo dos escritores e académicos.

Convém salientar um dos conceitos comentados nessa publicação: o Efeito de Rede, que vai além da adição das unidades isoladas. E acrescentando informações a modo de indício, citarei só quatro dados para a reflexão:

a) O português tem estatuto de língua oficial em países espalhados por todos os continentes, e em múltiplos organismos internacionais;

b) É a língua mais falada no hemisfério sul.

c) Segundo dados da ONU, por volta do ano 2050 o peso demográfico de Angola e Moçambique, juntos, será equivalente ao do Brasil.

d) As reservas descobertas de hidrocarbonetos dos países que fazem parte da CPLP (excetuando Portugal) converteram este grupo num pólo de influência estratégica a nível planetário.

É conhecido que no mundo dos negócios, como no relacionamento interpessoal em geral, o conhecimento e o uso da língua do interlocutor é uma vantagem sobre os possíveis concorrentes. Há um dito chinês, comum entre os comerciantes: "Vendo na língua do meu cliente, mas compro na minha língua", reflexo do seu pragmatismo. Neste sentido, os galegos temos uma posição de saída privilegiada pois, como é sabido, os nossos alunos acedem ao ensino – aprendizagem do português entrando diretamente para o nível intermédio, o que não seria possível se se tratasse de uma outra língua, alheia.

Expostos telegraficamente alguns pontos que pretendem ajudar a entender o contexto vou tentar explicar que, observando a Lusofonia do ponto de vista da Galiza (e não esqueçamos que há outros, nem sempre coincidentes com o galego) nos últimos tempos temos constatado duas mudanças salientáveis.

Primeira: nas últimas décadas foram criadas organizações como, por exemplo, o Eixo Atlântico, ou a Comissões de Cooperação transfronteiriças entre a Galiza e Portugal, de eficácia melhorável, que canalizam esforços de Câmaras Municipais e outras entidades públicas, que, não chegando a desenvolver toda a sua potencialidade, ajudam a visibilizar uma necessidade de um maior esforço nesta matéria, nesta direção. Contudo a novidade mais salientável é a criação de um instrumento jurídico-político, a Lei 1/2014 de 24 de março. Lei para o Aproveitamento da Língua Portuguesa e Vínculos com a Lusofonia, conhecida como «Lei Paz- Andrade». 

Um aspeto muito importante é o facto de ter sido promovida pelas Entidades Lusófonas Galegas, essas que até ontem, e até hoje, continuam nas margens, numa espécie de apartheid, sem qualquer reconhecimento ou participação nos âmbitos oficiais, e ter sido aprovada pela unanimidade dos deputados do Parlamento, ao que se acrescenta um amplo consenso social. Acordo não implica unanimidade dos agentes culturais, porque sempre poderá haver entidades beneficiárias de um statu quo monopolístico, anteriormente existente, e que agora podem mostrar resistência, oposição, à nova realidade.

Segunda: essas posições pró-lusófonas, que foram promovidas e defendidas durante décadas em solitário e em condições muito difíceis por entidades da sociedade civil, pelo movimento reintegracionista, agora começam a fazer parte da posição institucional do Parlamento e do Governo autónomos da Galiza. E deve destacar-se a sua capacidade de geração de consensos. O discurso lusófono e as Entidades Lusófonas Galegas geram amplos consensos e adesões transversais.

Cita-se na Lei a organização de eventos com presença de entidades de países de língua portuguesa. É algo ao que a AGLP tem apelado, e que está empenhada em desenvolver. Neste sentido, a Academia, como observadora consultiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, está na melhor situação e disposição para contribuir a um relacionamento institucional, abrindo portas para a sociedade civil, juntando vontades em benefício de todos.

Chegados a este ponto poderia fazer um resumo final em três parágrafos:

  1. O processo de aproximação da Galiza em relação ao espaço lusófono começou com uma exposição de motivos, de justificações, nas primeiras etapas, nas primeiras décadas, e nas margens, com a obstinada e desleal oposição de âmbitos institucionais galegos e de grande parte do stablishment cultural. Poderia denominar-se como a etapa da criação do discurso.
  2. O desejo de integração da Galiza no espaço lusófono, e do galego com uma realização da língua portuguesa, como uma nova forma de mirar e entender o que todos conseguem ver, está começando a chegar atualmente ao centro, à maioria social e política. Evidencia-se com a criação de instrumentos organizativos e jurídicos operacionais que respondem a esses anseios, a esses propósitos, a essa nova estratégia de orientação atlântica. Nova, e ao mesmo tempo tão velha como as origens da nacionalidade galega, e que só Portugal foi capaz de desenvolver em plenitude durante a sua história.
  3. A seguinte etapa será a das políticas concretas e efetivas de participação da Galiza nesse espaço, para que uma parte dessas toneladas de papel impresso comece a deixar de ser só isso, literatura.

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