A geopolítica pró-europeia de Garton Ash, a firmeza dum compromisso

Europa CC-BY-SA

Agora que o omnipotente macho da manada recupera o seu trono na Casa Branca, a urgência de fortalecer a autonomia estratégica de Europa cobra a máxima actualidade na agenda comunitária

Agora que o omnipotente macho da manada recupera o seu trono na Casa Branca, acompanhado da seu lugar-tenente par assuntos cósmicos e comunicativos Elon Musk — agudamente qualificado por Muñoz Molina de sátrapa lunático— a urgência de fortalecer a autonomia estratégica de Europa cobra a máxima actualidade na agenda comunitária. O facto do amo de vistoso capacete alaranjado abrigar ideias delirantes, que a sua corte celebra e amplifica, nom deixa de alarmar-nos. O futuro apresenta-se sombrio mentres se multiplica a nómina de centurions dispostos a ajudar, Milei e Bolsonaro em Sul América, Netanyahu no seu empenho genocida em Oriente Médio, Viktor Orban e toda a ralé de antieuropeísta como o eslovaco Robert Fico na Uniom Europeia. Necessitamos umha potente geopolítica europeia e um poderoso discurso soberano para conjurar a enxurrada reaccionária que nos ameaça. Mais Europa, mais do que um slogan é um imperativo na actualidade. Assi o entendem europeístas firmes e competentes como Josep Borrell e Mario Draghi.

Observamos nestes dias as timoratas ondas de adulaçom que saúdam o regresso ao posto de mando do líder invicto de capacete alaranjado empurrado por sarcasmo da história polas esperanças das classes trabalhadoras decepcionadas com o elitismo que ao parecer identificam com o Partido Democrata.

Abre-se agora umha etapa de aguda inquietaçom no mundo democrático perante esta irrupçom dum programa de egoísmo desatado e desentendimento de qualquer responsabilidade proclamado polo irresponsável fantoche norte-americano que esgrime sem pudor os máximos poderes do país mais poderoso do mundo, eximido polo que se vê de qualquer responsabilidade. Anunciam-se deportaçons massivas, desvinculaçom de qualquer obriga internacional, questionamento da necessidade da OTAN numha espécie de isolacionismo radical grato às multitudes que aclamárom a Jacob Chansley, conhecido como o bisonte de QAnon, icónico macho da manada primitiva que assaltou o Capitólio de Estados Unidos o 6 de Janeiro de 2021. Um sucesso que parecia incrível até que aconteceu. O regresso aos valores cavernários confiados agora a um magnate iletrado, sáfio e auto-suficiente. Um sheriff omnipotente ébrio de poder disposto a governar o mundo.

É a hora de repensarmos Europa na sua singularidade e precária fortaleza com a Alemanha ameaçada de involuçom isolacionista, a França desconcertada e debilitada e a Grá-Bretanha que ainda pretende sonhar com umha ilusória relaçom privilegiada com os Estados Unidos. E sem embargo, a hora do europeísmo soou. Revitalizar o projecto é a tarefa iniludível que nos convoca por desígnio histórico e por exigência política colectiva

Em países limítrofes como México as perspectivas som mais que inquietantes sujeitos como estám à ameaça de asfixia tarifária e receptáculo indiscriminado de imigrantes rejeitados, adictos ao consumo de gatos e corruptores do nobre sangue wasp , branco, anglo-saxónico e protestante. O dano potencial sobre a Uniom Europeia poderia ser letal de nom mediar acçons moderadoras de momento inexistentes.

Meio mundo observa como apreensom a magnitude potencial do dano iminente. A ordem mundial consagrada em 1945 tocou definitivamente o seu fim e o novo cenário geopolítico nom anuncia nada bom com os EUA e a China marcando os limites do novo mapa hegemónico.

No entanto, umha ominosa sensaçom de alarma agita Europa, enfrentada a umha irresolúvel guerra em Ucránia cuja devir e consequências marcarám em forma indelével o seu futuro como avisam a cotio os países bálticos, dependentes do guarda-chuvas da OTAN para subsistir. A OTAN, umha antigualha isolacionista para o trumpismo que agora reverbera Washington.

É a hora de repensarmos Europa na sua singularidade e precária fortaleza com a Alemanha ameaçada de involuçom isolacionista, a França desconcertada e debilitada e a Grá-Bretanha que ainda pretende sonhar com umha ilusória relaçom privilegiada com os Estados Unidos. E sem embargo, a hora do europeísmo soou. Revitalizar o projecto é a tarefa iniludível que nos convoca por desígnio histórico e por exigência política colectiva.

Nom faltam em Europa argumentos enaltecedores da sua própria singularidade e do seu papel imprescindível na configuraçom do mundo que vem . Atreveria-me a recomendar ao leitor interessado a leitura da obra dedicada a Europa desse europeísta entusiasta que é Garton Ash1; com certeza vam desfrutá-lo2. Umha excelente mistura de erudiçom, história e reportagem, óptima para fortalecer o espírito europeísta e projectá-lo no conflituoso panorama político que se abre ante nós.

A inabalável lealdade de Garton Ash ao projecto europeu leva-o a reclamar um trato de favor de Ucránia semelhante ao que permitiu salvar a europeidade de Alemanha ao final da Segunda Guerra Mundial. Nom é o momento de políticas timoratas ante a redobrada voracidade hegemonista do Kremlin na frente ucraniana, Rússia necessita receber umha liçom de firmeza e Europa nom pode demitir da sua responsabilidade. Putin só entende a linguagem da força, código único dos autocratas.

A inabalável lealdade de Garton Ash ao projecto europeu leva-o a reclamar um trato de favor de Ucránia semelhante ao que permitiu salvar a europeidade de Alemanha ao final da Segunda Guerra Mundial. Nom é o momento de políticas timoratas ante a redobrada voracidade hegemonista do Kremlin na frente ucraniana, Rússia necessita receber umha liçom de firmeza e Europa nom pode demitir da sua responsabilidade

Um recente artigo de Garton Ash no País3 expunha com inequívoca claridade o paralelismo de situaçons e decisons necessárias na Alemanha pós-bélica de 1945 e a Ucránia presente. Nom há subterfúgio possível á responsabilidade europeia ante a actual desventura ucraniana.

Perante o plano de vitória estratégico esgrimido por Volodimir Zelensky para tentar salvar a identidade soberana de Ucránia frente ao insuportável castigo com que pretende submete-la Putin, ajudado agora polo sinistro líder supremo norte-coreano Kim Jong-Un, nom cabem hesitaçons; igual que nom coubêrom ante o Muro de Berlim, Europa está obrigada a propiciar o acesso de Ucránia à OTAN para protegê-la como mecanismo de ajuda colectiva, igual que a que se brindou a Finlándia (2023) e a Suécia (2024) na Cimeira de Madrid de 2022. Qualquer dilaçom seria interpretada por Rússia como signo de debilidade e desistência que a UE nom se pode permitir.

A recente autorizaçom de Biden a Ucránia ao uso de mísseis de longo alcance como resposta ao ataque massivo contra o sistema eléctrico ucraniano pretende ser um sério aviso a Rússia, uma reafirmaçom do compromisso atlantista norte-americano e umha liçom á nova administraçom trumpista das veleidades putinistas e isolacionistas que a impregnam. O europeísmo atlantista com Josep Borrell à frente aplaude a decisom como declaraçom de princípios ante o fantasma do retorno do inquietante bisonte de QAnon.

Defender a resistência de Ucránia contra a devastadora invasom russa e a sua rede de cortesaos é um dever de civismo democrático ante o tsunami totalitário que nos ameaça e que o triunfo de Trump pode converter num pesadelo.

A exemplar firmeza democrática de um Borrell, de um Garton Ash, é um oportuno guieiro para navegar no magma de indiferença e desinformaçom em que nos debatemos.

Agora, com Trump na Casa Branca, lamentamos a falta de um interlocutor internacional poderoso em que ancorar a ordem multinacional. Os desatinos políticos colectivos dérom lugar a duas guerras mundiais e alentárom de novo a sensaçom de impunidade que sempre inspirou a política imperial norte-americana. De erros acumulados está tecido o devir histórico

Garton Ash propugna o imediato ingresso de Ucránia na OTAN para poder activar o artigo 5 da Aliança que desafie os poderosos mísseis balísticos com que Rússia pretende amedrontar aos aliados. Um desafio que já conseguiu a desistência de Alemanha e o encolhimento de toda a comunidade internacional. Maus tempos para o direito internacional baseado em regras mentres se multiplicam os bisontes cavernários, os palhaços especialistas na técnica da motosserra e o insulto, e permita conter aos adeptos da extrema direita que proliferam em Europa. Reactivar o apoio popular aos princípios da veracidade e a resistência ao matonismo ultra é peremptório.

Garton Ash rememora os Juízos de Nuremberga que abrirom a sólida ordem internacional pós-bélica e acabou liberando Alemanha do jugo soviético — um autêntico regalo para as sociedades subjugadas e inermes ante ao controlo absoluto da polícia política que Putin conhece bem como fiel agente que foi— e o desamparo actual de Ucránia, vítima de umha russificaçom brutal que pretende agregar novas províncias ao mapa russo com ajuda de Coréia do Norte e Irám. Garton Ash sente saudades de Mikhail Gorvatchov, menosprezado em vida como símbolo da Rússia vencida para sempre, sem compreender que era a última oportunidade de uma nova Rússia reconciliada com os valores democráticos e a convivência internacional. Mália da sobrançaria ocidental ante a mao tendida.

Agora, com Trump na Casa Branca, lamentamos a falta de um interlocutor internacional poderoso em que ancorar a ordem multinacional. Os desatinos políticos colectivos dérom lugar a duas guerras mundiais e alentárom de novo a sensaçom de impunidade que sempre inspirou a política imperial norte-americana. De erros acumulados está tecido o devir histórico.


Notas

1 https://en.wikipedia.org/wiki/Timothy_Garton_Ash

2 Europa. Una historia personal, Timothy Garton Ash. TAURUS

3 Ucrania y la solución de Alemania Occidental; El País, 24 de Outubro de 2024.

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