A hora de Ana Pontom. Ortodoxias e heterodoxias em tempo pós-ideológico

Ana Pontón, coa vicevoceira Olalla Rodil nun pleno recente do Parlamento CC-BY-NC-SA BNG

A perspectiva eleitoral imediata abre a perspectiva dumha mudança política profunda em Galiza com o BNG em posiçom preeminente e talvez decisiva. O cenário aberto desafia o BNG mas também à sua matriz ideológica, a UPG, esse fóssil político aparentemente imutável mas, por isso mesmo, altamente adaptável às circunstáncias. A base ideológica que o configura fica ancorada nas brumas da guerra fria e na épica há tempo inoperante dos movimentos de libertaçom nacional. Nada mais dúctil que umha base dogmática congelada e incontestada, o mais cru pragmatismo é o seu destino inexorável.

Agora estamos na hora de Ana Pontom, mais abrangente e plural. Melhor para todos, o nacionalismo galego demanda umha actualizaçom democrática e quigérom os fados que esta vaia a ser desenvolvida sob o signo feminista acorde com o tempo político. Para muitos, votar BNG pode ser umha opçom atractiva, sem cláusulas esotéricas reservadas a teólogos orgânicos que a ninguém interesam

A própria leitura dos textos consagrados muda dia a dia para nom ficar incompreensível aos seus destinatários. O legado histórico de Bautista Álvarez, que constitui o seu cerne, admite, por exemplo, leituras divergentes por parte de Néstor Rego ou de Ana Pontom, filhos devotos ambos do seu legado. Agora estamos na hora de Ana Pontom, mais abrangente e plural. Melhor para todos, o nacionalismo galego demanda umha actualizaçom democrática e quigérom os fados que esta vaia a ser desenvolvida sob o signo feminista acorde com o tempo político. Para muitos, votar BNG pode ser umha opçom atractiva, sem cláusulas esotéricas reservadas a teólogos orgânicos que a ninguém interesam.

A linguagem de Ana Pontom é a própria da geraçom do feminismo descomplexado e mesmo provocativamente descarado; um discurso que pretende desafiar o machismo invadindo os seu códigos expressivos e identificativos. Estou até as tetas, por exemplo é um recurso expressivo altamente valorado nas hostes feministas que gostam exibir a sua presença marchando rua adiante a ritmo de batucada.

Ana Pontom parece ter aceitado o desafio até extremos que talvez deixe atónita à geraçom anterior. Se querem um exemplo flagrante da sua desenvoltura, umha entrevista recente a que se submeteu pode servir de paradigma. A entrevistadora1, de nome Marina, membro manifesto da tribo do feminismo desinibido espeta-lhe á actual líder do BNG:

Ana, primeira pergunta de rigor que lhe fazemos a todas as entrevistadas: de quê estás ti até a cona?

Sem imutar-se, como se se tratasse de umha inocente pergunta do repertório habitual, Ana Pontom responde-lhe com naturalidade:

De demasiadas cousas, do machismo, da desigualdade, da...

E que opinas de Mar Sánhez?

Foi a persoa encarregada por Núñez Feijóo dos meios de comunicaçom e é a responsável da manipulaçom da TVG.

No presente, coincidem por fortuna no cenário político galego um conjunto de mulheres que conseguírom amplo reconhecimento pola sua capacidade potenciada pola acelerada feminizaçom da actividade social

E assi vai debulhando, sem alterar-se, as perguntas formuladas, com profissionalidade impassível de líder em exercício. A resposta destemperada ou agressiva contra interpelaçons incómodas pertencem já, afortunadamente, a épocas passadas de fé militante sem fissuras, imprópria das audiências actuais, de ideologia híbrida e pluralista.

No presente, coincidem por fortuna no cenário político galego um conjunto de mulheres que conseguírom amplo reconhecimento pola sua capacidade potenciada pola acelerada feminizaçom da actividade social. Ana Pontom, mas também Yolanda Díaz, que conseguiu consolidar a sua vice-presidência segunda no actual governo de precária convivência, ou Nádia Calviño, vice-presidenta primeira, que goza de amplo reconhecimento e sólido prestígio nas intituiçons comunitárias. Casualidade ou imperativo dos tempos? Confirmaçom em qualquer caso do imparável avanço do protagonismo feminista.

Ana Pontom representa esta nova realidade capaz de desbordar de maneira inapelável a imagem congelada de Galiza projectada polo núcleo dirigente da UPG e a sua inveterada base dogmática

Ana Pontom representa esta nova realidade capaz de desbordar de maneira inapelável a imagem congelada de Galiza projectada polo núcleo dirigente da UPG e a sua inveterada base dogmática. O discurso comemorativo do quarenta aniversário da refundaçom do BNG em 1982 pronunciado por Ana Pontom e as intervençons que o acompanhárom2 e pretendérom condicioná-lo reflecte com claridade o tempo de mudança que vive a organizaçom. Vozes novas representativas da nova hegemonia superpostas a vozes de signo reactivo da velha tradiçom. As novas insistem na tarefa pendente —ensanchar, ampliar e incorporar som os verbos a conjugar— e a ética pertinente: construí-la colectivamente, com inteligência, humildade e audácia. Colectivamente, com audácia; bom roteiro.

As doses de tempero vinhérom de Francisco Rodríguez que insistiu na necessidade —mais que nunca— dumha força nacionalista própria e do acerto de ter-se mantido nessa linha ao longo dos quarenta anos desde a refundaçom. O período prévio a esta já nem se tem em conta. Miguel Anxo Fernández Lores —outra voz inevitável da ortodoxia partidária— criticou os localismos disgregadores tam prezados polas forças conectadas com Madrid — em alusom às Marés— renunciando a vindicar nesta ocasiom o viçoso florescimento do municipalismo nacionalista em patente contraste com o precário avanço do sentimento nacional. Completava o trio de testemunhas da ortodoxia Néstor Rego que se limitou a sublinhar a solidez da organizaçom e a sua permanente necessidade em prol do protagonismo das classes populares — persistente sintagma este no discurso do BNG apesar de que o decurso do tempo o tenha reduzido a simples equivalência do sintagma competidor sociedade civil ou simplesmente da sociedade. Os estereótipos incrustados nos discursos políticos soem persistir muito além do razoável. É a matéria essencial das liturgias identitárias.

A posiçom de Ana Pontom pouco deve já ao acervo político da velha guarda e aos intentos de prorrogá-lo. Desde a plataforma parlamentar da sede do Hôrreo, Pontom soubo rodear-se de um círculo de personalidades madurado no activismo parlamentar com Ana Miranda como caso eminente

A equanimidade obriga a sublinhar em qualquer caso os avanços propiciados pola guarda ortodoxa tanto no discurso coma na praxe do BNG. No caso de Fernández Lores é de justiça destacar a orientaçom ecologista e cívica que imprimiu no Concelho de Ponte Vedra e o seu liderado como alcaide contra a ocupaçom abusiva do litoral por parte de Ence, referência obrigada da história do municipalismo galego com amplo reconhecimento aliás na Europa comunitária.

Ana Pontom, sabe melhor que ninguém quanto deve o seu discurso à retórica tradicional do BNG e mesmo à versom antediluviana defendido por Bautista Álvarez que alcançou o seu paroxismo quando decidiu motu próprio convocar o BNG a resgatar o temom da mao dos grumetes3 a fim de atalhar as alarmantes consequências da irrupçom das Marés na perceptível obsolescência do Bloco. A longevidade imobilista dos discursos e atitudes ante as mudanças acontecidas é um meio idóneo para encirrar a ira reprimida dos velhos líderes silenciados.

A posiçom de Ana Pontom pouco deve já ao acervo político da velha guarda e aos intentos de prorrogá-lo. Desde a plataforma parlamentar da sede do Hôrreo, Pontom soubo rodear-se de um círculo de personalidades madurado no activismo parlamentar com Ana Miranda como caso eminente. Pola sua lealdade explícita à incómoda figura de Camilo Nogueira e ao seu discurso europeísta e cosmopolita, autêntico ponto cego na visom do Bloco. É-o pola permanente independência de critério de Camilo e a sua estratégia política incompatível com o espírito de guerra fria que animou o discurso tradicional do Bloco, permanentemente ancorado no imaginário do confronto da Naçom Galega com o Estado Espanhol segundo os cánones dos movimentos descolonizadores. Galiza colónia do Estado Espanhol, Europa insignificante apêndice da OTAN.

O texto fundacional da conceiçom anticolonialista do nacionalismo galego é, como é sabido, o opúsculo Problemática nacional e colonialismo: o caso galego4 que podemos ler agora em formato pdf5. Nom parece que a tese do livro tenha periclitado de todo apesar da mudança experimentada na atençom dos autores; a de Francisco Rodríguez em particular dirige-se actualmente cara a Idade Média que o nacionalismo galego gosta de transitar em procura das chaves interpretativas da emergência e fracasso do projecto nacional galego. História antiga em modo retrospectivo versus visom projectiva como a ensaiada por Ana Pontom e a sua equipa de campanha.

O momento é propício com Alfonso Rueda e a própria Xunta mais pendentes de promover a Núñez Feijóo que em defender a sua continuidade em Sam Caetano

A Yolanda Díaz, nom duvida Ana Pontom em tributar-lhe reconhecimento explícito sem por isso ocultar a valoraçom crítica que lhe merece a actualizaçom da reforma laboral6. Com ela partilha Ana Pontom as virtudes do realismo político e a abertura a governos de coaligaçom como irremediável imperativo. Nom serám as únicas coincidências, o PCG num caso e a UPG no outro som assumidas como matriz política inegável mas adaptável à conjuntura política segundo as circunstáncias. O difuso programa e calendário do projecto Sumar casa bem novamente com a pragmática abertura de Ana Pontom às exigências dos eventuais parceiros de governaçom, o PSdeG-PSOE ou o magma das Marés, tam imprescindíveis como imprevisíveis, para configurar um governo alternativo ao PP de Galiza. O momento é propício com Alfonso Rueda e a própria Xunta mais pendentes de promover a Núñez Feijóo que em defender a sua continuidade em Sam Caetano.

Ao BNG oferece-se-lhe por primeira vez a oportunidade de protagonizar a alternativa ao Partido Popular que conseguiu congelar o percurso autonómico de Galiza desde o 2009 sem por isso conseguir ganhar na Galiza urbana, onde reside o futuro. É a tarefa que agora se abre a Ana Pontom; que a naçom de Breogam tantas vezes cantada seja por fim traduzida a prosa do Diário Oficial de Galicia.

Notas

1 https://www.youtube.com/watch?v=xI_Uy7CMFqc

2 https://www.nosdiario.gal/articulo/politica/ana-ponton-pide-ensanchar-ampliar-bng-40-aniversario-do-nacemento-da-formacion/20220925152744153222.html

3 Como combater as horas baixas, Terra e Tempo, 29-12-2015.

4 Edicións Xistral, 1978, Francisco Rodriguez, Ramón L. Suevos

5.http://www.terraetempo.gal/media/documentos/Pdf%20libro%20Problematica%20Nacional%20e%20Colonialismo%20(Maximizado).pdf

6 https://www.youtube.com/watch?v=aKT5xlpATwE

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