A Xoán Carmona, mestre da história económica contemporánea do país.
Em 1955 Espanha era um país marginado polo estigma da origem fascista do seu Regime. O isolamento internacional decretado começou a rachar, porém, a final desse mesmo ano com a admissom de Espanha na ONU, por imperativo da guerra fria. O início do processo de superaçom do caos económico provocado pola guerra civil e a posterior autarquia houve de esperar ainda quatro anos mais, até 1959 em que o Regime se viu obrigado a lançar um Plano de Estabilizaçom por ineludível imperativo económico. Foi também nesse ano quando o General que morava no Palácio do Pardo pudo exibir por fim o seu primeiro triunfo internacional apto para doutrinamento interno: a visita do Presidente Eisenhower. Um militar, por sinal, factor providencial para tentar disfarçar a origem militarista do Regime.
Como era a economia galega em 1955 e qual foi a sua evoluçom até a actualidade? A recente publicaçom das séries históricas 1955-2018 do VAB e o emprego1 desagregadas por sectores e CCAA, permite-nos revisar o processo de mutaçom económica e demográfica oniciada a meados dos cinquenta, numha Galiza ancorada no policultivo de subsistência e a sociabilidade paroquial acentuados polo refluxo experimentado na pós-guerra. Um processo que nos conduz ao cenário 2020 com umha Espanha normalizada económica e politicamente, membro da Uniom Europeia que ostenta já unha renda de 23.690 euros de PIB por habitante, 72% da média da comunitária actualmente situada nos 32.970 euros por habitante. Dito seja de passagem, há dados que situam o PIB por habitante de Galiza em 2019 ligeiramente por riba da média espanhola2.
O informe de referência, devido à Fundaçom Fedea, oferece umha sólida base para revisar em óptica galega a mudança experimentada no longo prazo a partir das variáveis económicas básicas do VAB a preços constantes de 2016 e da ocupaçom laboral, óptimas para visualizar a senda de desenvolvimento percorrida polas CCAA no dilatado trajecto secular 1955-2018.
A tabulaçom dos dados referidos á Galiza a princípio e final do período, permite evidenciar a magnitude da mudança estrutural verificada, bem patente na drástica reduçom da força laboral empregada em actividades produtivas agropesqueiras no período: de umha esmagadora proporçom de 2/3 partes da ocupaçom total a princípio do período a apenas o 6,6% ao seu final. Um processo de acelerada convergência das produtividade sectoriais devido ao efeito nivelador da concorrência no mercado com inevitável abandono das actividades menos remuneradoras.
As cifras som contundentes embora fossem acolhidas com reticência num tempo nos círculos nacionalistas polo que tinham de desafio à imagem dumha Galiza intemporal sustentada no trabalho dos campesinos e marinheiros que a expansom do trabalho assalariado viria a varrer.
Sectores | 1955 | 2018 | ||||
%VAB | % Ocupados | % [VAB/O] | %VAB | % Ocupados | % [VAB/O] | |
Agropesqueiro | 17,8 | 66,8 | 26,6 | 5,6 | 6,6 | 84,8 |
Energia e indústria | 9,5 | 8,6 | 110,5 | 17,9 | 13,4 | 133,6 |
Construçom | 10,4 | 4,6 | 226,1 | 7,2 | 6,5 | 110,8 |
Serviços privados | 42,1 | 15,9 | 264,8 | 50,7 | 52,2 | 97,1 |
Serviços públicos | 20,3 | 4,1 | 495,1 | 18,6 | 21,2 | 87,7 |
VAB, euros 2016 | 6.919.702 | 55.610.306 | ||||
Milhares ocupados | 1.085 | 1.079 | ||||
Nível convergência * | 65 | 96 |
* (VAB real/ocupado) relativo à média espanhola
A conclusom imediata que cabe tirar do quadro sintético anterior é mui significativa: em 63 anos Galiza multiplicou o seu produto económico por 8 com o emprego estancado. O processo de crescimento económico revelou-se incompatível com o progresso demográfico para acabar empurrando Galiza ao declive demográfico, à subalternidade politica e á dissociaçom territorial entre litoral e interior.
Em 1955, o sector agropesqueiro galego ocupava 66,8% da força laboral: 724.000 trabalhadores do montante total de 1.085.000 que ocupava o conjunto da economia. Seguiam a distáncia os 172.000 trabalhadores, 15,9% do total, ocupados em serviços privados, pequeno comércio e tavernas, mormente; o resto da força laboral, 188.500 trabalhadores, 17,4% do total, distribuíam-se entre as restantes actividades, construçon, indústria, e funcionariado público. Umha imagem fiel daquela sociedade de labregos e marinheiros tam persistente no imaginário nacionalista.
O valor total gerado polo conjunto da economia galega em 1955 ascendia a 6.919.702 euros de 2016. É significativo comprovar que o valor por ocupado gerado nos diferentes sectores de actividade era altamente díspar em conformidade com a marcada discrepáncia das suas respectivas produtividades. Em termos relativos ao conjunto da economia galega à qual atribuímos a produtividade 100, o sector agropesqueiro apenas superava o 25% (26,6%) da média enquanto os serviços públicos roçavam o 500% da produtividade média conjunta (495,1%). A extrema disparidade das produtividades sectoriais observada é um sintoma inequívoco da escassa competência sectorial no mercado de bens e serviços. A lógica do autoconsumo, ancorada nas necessidades da família produtora, fazia caso omisso do mercado, entendido como saída complementar e mesmo irrelevante. Sessenta e três anos depois, a distribuiçom da força laboral mudara radicalmente empuxada pola transferência da força de trabalho aos sectores mais produtivos ou às áreas em desenvolvimento exteriores com alta demanda de mam de obra para a construçom e os serviços.
Em perspectiva histórica, a dinámica de crescimento posterior à guerra civil viu revalidar a enxurrada migratória ultramarina no período 1860-1936 que restou a Galiza 1.800.000 emigrantes, muitos deles, e, com certeza, os mais activos e criativos, para nunca mais volver.
Um aspecto muito destacável da evoluçom económica contemporánea é a dinámica de convergência económica regional no conjunto do Estado medida em termos de produto (VAB) por ocupado a preços correntes de cada ano. Observemos a tal fim a evoluçom do índice percentual desta magnitude relativa á média no Estado3. Em 1955, Galiza ostentava um índice de produtividade relativo do 65% da meia espanhola, com Extremadura no 60% e o País Basco em 159% como valores extremos. A dispersom a respeito da média situava-se portanto em 99% (159%-60%). Em 2018 o índice galego alcançava o 96% da média espanhola com Múrcia (84%) e o País Basco (114%) como valores extremos. A dispersom em torno á média reduziu-se pois a apenas 30% (114%-84%). Esta facto pom de manifesto o carácter inclusivo do processo de crescimento experimentado por quanto permitiu conjugar prosperidade com igualdade. A variável de ajuste implícita, escusado lembrar, som os movimentos migratórios4, responsáveis da intensa polarizaçom territorial da populaçom espanhola.
Sintetizemos agora o ritmo de crescimento experimentado polas CCAA em termos absolutos, medido em VAB a preços constantes no dilatado período 1955-2019. O indicador mais simples para calibrar o ritmo de crescimento é a taxa de crescimento anual acumulativo, tcaa, que complementaremos com o seu equivalente e mais expressivo de o número de anos necessários para duplicar o produto económico. A tcca expressará-se em termos percentuais e o ritmo de duplicaçom em anualidades necessárias.
No período de 64 anos transcorridos desde 1955 a 2019, a tcaa do VAB real para o conjunto de Espanha alcançou um 3,6%, equivalente a 19,8 anos necessários para a duplicaçom do produto: [3,6 ↔ 19,8]. A Galiza registou no mesmo período os valores [3,3 ↔ 21,1] flanqueada nos extremos por Extremadura [3,0 ↔ 23,5] e Cantábria [4,2 ↔ 17,0]. As diferenças, com serem significativas, podem ser qualificadas de razoáveis; assi, duas regions tam diligentes como Catalunha e o País Basco situavam o seu período de duplicaçom em 19,5 e 20,9 anos respectivamente, com o País Basco emparelhado com Galiza.
A cara oculta do enérgico crescimento económico experimentado polo conjunto da economia espanhola desde 1955, com umha tcaa de 3,6 % anual, que permitiu multiplicar por oito o produto em 63 anos e homologar-se como sócio relevante da UE, é a extrema disparidade observada na evoluçom demográfica das CC.AA e a crescente polarizaçom entre zonas de aglomeraçom e zonas de rarefacçom demográfica, um fenómeno que opera também, aliás, a escala global. A Espanha vazia, é o sintagma que qualifica já a maior parte do território espanhol.
Em 1959 o Regime via-se impelido a lançar o Plano de Estabilizaçom que marcaria o começo da progressiva participaçom de Espanha na potente onda de prosperidade pós-bélica conhecida em Europa foi como os Trinta Gloriosos (1945-1975), rebaptizada em Espanha como o Milagre Espanhol. As mutaçons demográficas iniciadas a princípio dos sessenta transformárom radicalmente Espanha. A polarizaçom demográfica que se seguiu deprimiu irreversivelmente o peso relativo da Galiza em Espanha. No período 1960-2020 Espanha ganhou 55% habitantes, 16.848.000 a somar aos 30.583.000 existentes em 1960. Galiza, no entanto, apenas cresceu um insignificante 3,7 % em todo o período: 97.300 habitantes adicionais aos 2.603.000 com que contava em 1960.5. Envelhecimento generalizado e abandono do meio rural fôrom as suas consequências directas.
Por efeito da emigraçom exterior e da transferência de trabalhadores activos entre Comunidades Autónomas, Madrid acabou liderando o crescimento demográfico no período 1960-2020 somando 4.172.000 habitantes aos 2.606.000 iniciais, um crescimento espectacular de 160 % só emulado polos arquipélagos canário e balear. Catalunha ganhava no mesmo período 89% de populaçom e o País Basco, 62%. Entre os perdedores, Extremadura e Castela Leom perdiam populaçom em termos absolutos, e Galiza, junto com Castela-A Mancha, exibiam exíguos crescimentos de apenas 3,5%. A perda de relevância demográfica e política foi a consequência imediata.
O estancamento demográfico, a transferência definitiva da base demográfica dos primeiros cinquenta, intensificou o estado de atonia social em favor das áreas beneficiárias de maior dinamismo dentro e fora de Espanha. Em perspectiva histórica, a dinámica de crescimento posterior à guerra civil viu revalidar a enxurrada migratória ultramarina no período 1860-1936 que restou a Galiza 1.800.000 emigrantes, muitos deles, e, com certeza, os mais activos e criativos, para nunca mais volver.
1 Series largas de VAB y empleo regional por sectores, 1955-2019, eee2021-02, Ángel de la Fuente, Pep Ruiz Aguirre, 11/01/2021: https://www.fedea.net/documentos-economia-regional-y-urbana/
2 Datosmacro, do diário Expansión, reportava 23.873 euros/habitante para Galiza e 23.690 para Espanha em 2019 como dados mais recentes.
3 Em honra da precisom devemos apontar que o VAB regionalizado registado nom inclui um significativo segmento impossível de regionalizar, circunstáncia que comporta um certo viés, pouco relevante, na rácio regional (VAB/ocupado) relativa à média espanhola. O efeito afecta, obviamente, a todas as CC.AA.
4 O estudo do Banco de Espanha “Convergencia regional en España: 1980-2015” pom de manifesto que a dispersom regional é significativamente mais baixa em Espanha, medida em produto por empregado, que em outros países europeus:
5 Blogue La riqueza de las regiones (AECR):
https://aecr.org/es/evolucion-de-la-poblacion-en-las-comunidades-autonomas-1960-2020/