A onda na gaiola

Instalaçons do interferómetro europeu VIRGO CC-BY-SA The Virgo collaboration

A engenhosa gaiola fora preparada a consciência para apanhar a esquiva presa. Durante anos, os resultados da caça foram de escasso valor até que um dia, umha peça de singular valor marcou época e abriu mesmo um acalorado debate sobre a natureza da estranha criatura capturada.

O sinal captado foi interpretado finalmente como o resultado da fusom de dous buracos negros massivos de 66 e 85 massas solares, esmagados até produzir um gigantesco buraco negro de 142 massas solares. As 9 massas solares restantes foram dissipadas numha descomunal explosom de energia que gerou a onda gravitacional captada polos três artefactos auscultadores de este tipo de fenómenos, dous deles situados nos E.U.A. (LIGO), e o terceiro em Itália, (VIRGO). Data do sucesso: 21/05/2019, registo técnico: GW1905211, duraçom: 0,1 segundos, frequência do sinal: apenas 60 Hz. Um profundo e fugaz estertor no limite inferior da nossa sensibilidade auditiva que é de 20 Hz. O lúgubre bramido cósmico iluminava com insuspeitada nitidez a biografia física dos buracos negros e a mesma natureza da gravidade. A correspondente deformaçom do espaço-tempo em que a gravidade consiste fora antecipada polo génio de Einstein confirmando umha das suas hipóteses mais assombrosas: a existência de ondas gravitacionais produzidas por eventos catastróficos, capazes de retorcer o tecido espaço-temporal do cosmos. As estaçons sentinela LIGO e VIRGO tinham como única missom confirmar tal teoria.

A maravilhosa gaiola auscultadora capaz de detectar um esquivo eco chegado do além, é em si mesma um instrumento mágico. O seu protótipo, o Interferómetro de Michelson, fora concebido em 1887 para tentar verificar a interacçom entre o misterioso e ubíquo éter, postulado na altura para explicar a transmissom da luz, e o inexorável movimento da Terra. O experimento de Michelson-Morley2, como o experimento é conhecido, serviu para refutar definitivamente a hipotética existência do éter legando-nos de passo um glorioso artefacto apto para auscultar o incerto eco de longínquas cosmogonias.

O eco capturado, rubricado como GW190521, procedia do abismo cósmico; de umha distáncia sideral estimada de 5 gigaparsecs: 17.000 milhons de anos-luz, de quando o universo tinha a metade da sua idade actual e o nosso sol ainda nom existia. Umha assombrosa viagem através do universo em inexorável processo de expansom onde parece ecoar o relato do Génese... e as trevas cobriam a face do abismo...

O princípio em que se baseiam os interferómetros LIGO e VIRGO é simples: um raio laser que transita sem pausa entre os três vértices de um triángulo à velocidade da luz em espera de poder captar a onda gravitacional capaz deformá-lo. A sua engenharia, porém, é tam delicada como a extrema subtileza do sinal esperado requer: um suspiro cósmico apenas. O seu formato consiste em essência em dous braços perpendiculares em forma de L de 3 quilómetros de longitude que contenhem cadanseu tubo de ultra vazio de 120 cm de diámetro por onde circula ininterrompidamente um feixe de raios laser dirigidos por um sistema de espelhos suspensos para minimizar as interferências ambientais. O sinal vai ser finalmente amplificado para acabar incidindo num sensível detector de sinais permanentemente monitorizado. Umha mágica gaiola de luz laser, em suma, arquitectada para poder detectar umha levíssima deformaçom de apenas 0,1 segundos de duraçom. Tal foi, com efeito, o evento GW190521 captado no 21 de maio de 2019 nos observatórios LIGO e VIRGO. Nom era este o primeiro sinal captado, mas si o mais excepcional em magnitude e implicaçons teóricas3.

A incessante perscrutaçom do espaço em busca de ondas gravitacionais é apenas umha das múltiplas janelas abertas ao cosmos. A rede de observaçom disponível cobre a totalidade do espectro electromagnético: do segmento visível ao das microondas e daí às ondas de rádio e infravermelhas, ultravioleta, raios X, raios gama e raios cósmicos. Incessantes auscultadores dedicados a perscrutar esse cosmos infinito e silencioso que aterrava Pascal a fim de submetê-lo a ordem e medida, ao nomos pretendido pola filosofia grega.

Enfrentados à imensidade cósmica desde a frágil contingência humana — um acidente trivial no misterioso devir do cosmos — só a voz pura dos poetas é capaz de evocar a magnitude do desamparo humano. Quem, se eu berrar me escuitaria desde os coros angélicos? // E ainda que algum deles me acolhesse no coraçom, aniquilar-me-ia pola sua mais poderosa existência // Porque, o belo é apenas o começo do terrível que ainda podemos suportar... Assi inicia Rilke as Elegias de Duino, transido do desconcerto humano ante o ominoso silêncio sideral que umha frágil gaiola de luz se empenha em escuitar.

1 https://www.ligo.org/science/Publication-GW190521/

2 https://www.investigacionyciencia.es/blogs/fisica-y-quimica/10/posts/el-viento-del-ter-lumifero-y-el-experimento-de-michelson-morley-10195

3 “A colisão de buraco negro mais massiva observada até agora”: https://www.ligo.org/science/Publication-GW190521/

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