A rede vermelha do comércio e o poder: breve viagem aos seus nodos dominantes

Imagem das rotas marítimas do comércio mundial © https://www.geografiainfinita.com/

Habitamos um mundo unificado por um incessante fluxo de mercadorias e serviços, imune ás proibiçons que obstaculizam o tráfego humano. Um incessante fluxo comercial adaptado ao princípio das vantagens comparativas formulado por David Ricardo a princípios do século XIX. David Ricardo, o mais ilustre filho da estirpe portuguesa sefardi junto com o mestre Bento de Espinosa.

O tráfico marítimo anual registado1 superava as 11.000 milhons de toneladas em 2019, distribuído entre produtos energéticos (3.194 milhons), graneis e minerais (3.210 milhons) e produtos movimentados em contentores (4.601 milhons). No mês de março desse mesmo ano a opiniom pública assistia assombrada ao encalhamento de um descomunal porta-contentores ateigado de caixotes TEU2 de 400 metros de comprimento, meio quilómetro como quem diz!

As incessantes transacçons económicas que unem países e continentes formam umha entupida malha vermelha imaginária que atravessa os mares e nutre a rede imediata do tráfico doméstico que alimenta os nossos mercados e empresas. Rede externa e rede interna que configuram o sistema circulatório mercantil que atende as nossas necessidades. Por riba dele pousa a entupida rede financeira de cobros e pagamentos, de compra e venda de títulos e garantias, que regula o fluxo de mercadorias. Umha autêntica rede neuronal que mesmo incorpora um mercado de futuros, destinado a avaliar as promessas de compra e venda de mercadorias a receber no futuro prefixado com preços e qualidades predeterminados. Nunca poderei esquecer o fulgurante espectáculo de troca de futuros na Bolsa de Chicago cotando descomunais contingentes de soja e milho em vertiginosa agitaçom que só conclui na data prefixada para a fim da operaçom.

O incessante tráfico de mercadorias com data de entrega e preço prefixados deve medir-se em todo momento com a livre flutuaçom das divisas dando lugar ao consabido risco de cámbio que ameaça a rendibilidade prevista da operaçom. Empresas galegas internacionais, como Pescanova e Inditex, que operam neste regime multidivisa vivem pendentes desse risco que compromete a magnitude e signo dos lucros esperados.

Observemos a rede comercial que conecta o mundo. A malha rareia ou densifica-se segundo regions e continentes. O Golfo de México, a Fachada Atlántica Europeia, e o Sudeste Asiático som áreas de forte concentraçom. O acidentado canal artificial que une o Mar Vermelho com o Mediterráneo destaca com vigorosa linha vermelha que certifica o seu extraordinário valor geoestratégico. A rede mundial do comércio avermelha intensamente na proximidade do poder e rareia na proximidade das regions mais desaventuradas. O hemisfério norte domina o hemisfério sul.

A Organizaçom Internacional do Comércio, WTO 2019, facilita pormenorizada informaçom3 relativa ao volume da actividade comercial com a inestimável particularidade de oferecer os fluxos comerciais europeus em forma consolidada, que permitem discernir o peso conjunto da U.E. nos fluxos comerciais mundiais á parte daquelas de índole intracomunitária. Comprovamos que o volume global de transacçons alcançou em 2019 a cifra de 15.462 M$: 15,5 bilions de $ em exportaçons e de 15.877 M$: 15,9 bilións de $4 em importaçons.

Um assunto de inegável interesse analítico no exame dos fluxos comerciais globais é a identificaçom dos seus principais protagonistas que configuram os nodos rectores das trocas internacionais que dominam a rede comercial marítima representada em cor vermelha na imagem que encabeça este artigo. O trio de nodos protagonistas som os Estados Unidos de América: E.U.A., a China continental e a Uniom Europeia: U.E. e as economias conexas que potenciam os seu domínio.

Em honra da simplicidade apresentaremos os seus respectivos contributos ás exportaçons e importaçons mundiais em 2019 em formato sintético [exportaçons: % do total, importaçons: % do total]: EUA [1.646 M$: 10,6%, 2.568 M$: 16,2%], China continental [2.499 M$: 16,25%, 2.077 M$: 13,1%] e UE [2.386 M$: 15,4%, 2.166 M$: 13,6%].

Estes dados indicam um notável equilíbrio neste trípode comercial hegemónico, fácil de comprovar em termos de movimento comercial, simples agregado de exportaçons mais importaçons. O movimento comercial conjunto do trípode comercial hegemónico ascende como é fácil comprovar ao 43% do movimento comercial mundial.

Isso sentado, procedamos a refinar um bocado a análise. Nom é difícil desequilibrar o trípode comercial hegemónico em favor dos E.U.A e a China. A razom fundamental reside no facto de a U.E. constituir um edifício cerrado sem visos ampliaçom em flagrante contraste com os E.U.A que partilham a área económica de livre comércio denominada NAFTA com México e Canadá e a China continental em pleno processo de anexaçom política do importante distrito comercial de Hong Kong, além da vindicaçom do domínio de Taiwan. Tanto México como Canadá devem contabilizar-se em boa lógica no pólo comercial norte-americano da mesma maneira que Hong Kong no chinês. Estatisticamente, o reajuste tropeça com o facto de desconhecermos o volume de transacçons internas no espaço NAFTA, carente de umha contabilidade agregada como a disponível em Eurostat.

Apesar de ser incorrecto adicionar as transacçons comerciais dos dous sócios menores, México e Canadá, ás próprias dos E.U.A. sem antes depurá-las dos fluxos comerciais internos ao espaço NAFTA, e o mesmo com Hong Kong e a China continental, resulta ilustrativo observar a considerável magnitude comercial destes territórios adjacentes aos pólos norte-americano e chinês: México [461: 3,0%, 467: 2,9 %], Canadá [447: 2,9%, 464: 2,9 %] e, no tocante á China: Hong Kong [535: 3,5%, 578: 3,6%].

É pertinente finalizarmos esta breve travessia polas rotas marítimas do comércio internacional destacando a indiscutível hegemonia da franja sul oriental asiática; essa orla laboriosa que vai da República de Coreia e o Japom a Taiwan — a nossa saudosa Ilha Formosa — e Hong Kong ao Mar da China Meridional até a Indonésia, Malásia e Singapura que configuram a ASEAN (1967)5, ampliada em 2010 á ASEAN mais três, APT, que amplia a aliança para acolher a República Popular da China o Japom e Coreia do Sul. O Extremo Oriente do nosso imaginário colonial em transe de se converter num inquietante Extremo Ocidente para a geoestratégia norte-americana.

 

Notas

1 ONU, UNCTAD, Informe sobre Transporte Marítimo 2019

https://unctad.org/system/files/official-document/rmt2019_es.pdf

2 A unidade TEU, Twenty-foot Equivalent Unit, equivale a um caixão de [8*8*20] pés, [2,5*2,5*6] metros aproximadamente, em volta de 1.200 pés cúbicos, 33 metros cúbicos de capacidade. O seu peso máximo é de 26 toneladas métricas e a carga útil é de 23. Os buques macro porta-contentores como o Ever Given encalhado no Canal de Suez alcançam os 400 metros de eslora por 60 de manga e podem transportar 24.000 caixotes TEU.

3 World Trade Statistical Review, 2020, Statistical Tables, ver Table 7 https://www.wto.org/english/res_e/statis_e/wts2020_e/wts20_toc_e.htm

4 A ligeira discrepáncia entre ambas cifras, logicamente idênticas, deve ser atribuída ao procedimento de mediçom de exportaçons e importaçons: FOB e CIF respectivamente.

5 https://pt.wikipedia.org/wiki/Associa%C3%A7%C3%A3o_de_Na%C3%A7%C3%B5es_do_Sudeste_Asi%C3%A1tico

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