A terceira transiçom

A precariedade laboral feminina: um globo escorregadiço apoiado num campo de chatolas. Andrea López ©

Assistimos em todo o mundo a umha frenética mudança de paradigmas que preludia umha onda disruptiva de imprevisíveis consequências. A mudança em curso anuncia transformaçons decisivas ao longo de três eixos principais: a transiçom verde, a transiçom digital, e a mutaçom profunda nos roles de género e o protagonismo social provocada pola irrupçom definitiva da temática feminista. Afortunadamente, a sociedade espanhola ocupa um lugar de vanguarda na revoluçom feminista em curso. A terceira transiçom anuncia umha profunda subversom do paradigma imperante, muito mais radical com certeza que a proclamada pola Terceira Internacional, afinal fugaz e irrelevante.

A mudança em curso anuncia transformaçons decisivas ao longo de três eixos principais: a transiçom verde, a transiçom digital, e a mutaçom profunda nos roles de género e o protagonismo social provocada pola irrupçom definitiva da temática feminista

A terceira transiçom, o imparável avanço do protagonismo das mulheres, secularmente submetidas a tutela e exclusom social e relegadas a um papel assistencial invisível e gratuito, preludia o inexorável advento de umha sociedade diferente da qual podemos conjecturar apenas a magnitude da mutaçom do sistema de valores que anuncia.

Um excelente artigo recompilatório do estado da questom publicado em El País1 actualizava os dados da persistente exclusom social da mulher apesar do seu avanço manifesto na ecúmena democrático liberal que denominamos Ocidente. No dilatado continente dos preconceitos ancestrais persiste, escusado dizer, a ditadura de género, desafiada agora pola consciência revisionista de género. Nada volverá a ser igual. A sombra ancestral da fêmea grávida, inepta para a caça e a guerra que gravita ainda no imaginário social e inspira o sistema patriarcal está tocada de morte por mais que ainda sirva de refúgio a formaçons políticas reaccionárias.

As quatro autoras do artigo aludido2 sintetizavam o perímetro da subordinaçom social feminina:

— 10% de famílias, case dous milhons de indivíduos, som monoparentais, 8 de cada 10 ao cuidado de mulheres.

— A maternidade penaliza os ingressos laborais reduzindo-os um 11,4% respeito aos correspondentes masculinos durante o primeiro ano e alcança o 28% a longo prazo, segundo informa o Banco de Espanha.

— A longevidade prejudica a senectude feminina que duplica à masculina a partir dos 80 anos e conduz a umha senectude feminina precária e solitária.

A perspectiva de género resulta ineludível já na análise social para começar a reverter a sua longa preteriçom analítica nos países de tradiçom democrática assentada; do resto melhor nom falar. O rito bárbaro da mutilaçom genital feminina e a condena institucionalizada à ignorância e à invisibilidade social som norma obrigatória em numerosas sociedades pré-democráticas por azar histórico e por carência de vias de participaçom.

Nas nossas sociedades, pretendidamente igualitárias, o teito de cristal segue reproduzindo as relaçons de micro tirania discriminatória por razom de género. Resistem-se também os espaços sacralizados embora a judicatura acabasse claudicando finalmente. No entanto, a grei sacerdotal resiste imune aos ventos de mudança nom obstante o ênfase impostado em proclamar a dignidade inerente a todo ser humano, a metade do qual tem sexo feminino.

Em perspectiva económica a questom de género questiona um pilar indispensável da ordem social, o do cuidado. O cuidado infantil, do anciao, do descapacitado, do rechaçado por inútil. Sem o cuidado feminino garantido em todo tipo de sociedades nom poderíamos subsistir. Contraditoriamente, esse incomensurável caudal de serviços nom entra nos cômputos da contabilidade macroeconómica; por surpreendente que poda parecer, o PIB nom incorpora o avultado fluxo de serviços prestados polas mulheres. Simplesmente é esquecido por irrelevante e carente de valor.

Umha aguda observaçom atribuída a Samuelson desvenda a incongruência: Se um homem casar com a sua ama de chaves faria cair o PIB. O fluxo de bens e serviços afluentes ao PIB3 cairia com o casamento da ama de chaves porque desapareceria do cômputo o salário percebido por esta e, em igual medida, o correspondente valor acrescentado. Esta irrefutável verdade contável condena à irreleváncia económica o trabalho doméstico nom declarado. O mesmo acontece com a actividade da prostituiçom excluída de cálculo e tributaçom.

O imprescindível fluxo de serviços oferecidos polo trabalho feminino excluído do cômputo do PIB traz á memória outro componente do PIB excluído por convénio: as denominadas externalidades negativas inerentes a todo processo produtivo, ruído, contaminaçom ambiental, degradaçom do património colectivo. Nada contam no cálculo do PIB que só computa a actividade produtiva mercantil comercializada de índole empresarial.

A contabilidade económica descansa no olvido de variáveis incómodas omnipresentes que a teoria julga conveniente esquecer. Talvez o novo feminismo e a consciência ambiental emergente acabem modificando o disparatado enfoque das contas sociais.

Duas tarefas essenciais som encomendadas às mulheres, a reprodutiva e a do cuidado dos seres mais vulneráveis, o infante, o velho o doente. Os esforços das mulheres para ganhar visibilidade social e reconhecimento económico começam a concitar a atençom agora apesar dos memoráveis antecedentes literários que confirmam o seu poder. Recordemos a comédia de Aristófanes, Lisístrata que relata a recusa colectiva ao sexo por parte das mulheres mentres durasse a Guerra do Peloponeso; desafio, ao parecer, de resultados fulminantes.

O jornal El Diario publicava umha interessante entrevista4 com Lourdes Benería, catedrática emérita da Universidade de Cornell retornada a Espanha depois da sua jubilzaçom na universidade americana que sintetizava bem o status académico do feminismo e o cúmulo de problemas que seguem aturando as mulheres. A catedrática reformada considera-se feminista da segunda onda depois do movimento de libertaçom da mulher que identificava o feminismo imperante nos anos sessenta. Na opiniom de Lourdes Benería, o movimento feminista em Espanha e Europa supera em intensidade no momento actual ao imperante nos E.U.A apesar da reactivaçom do movimento norte-americano para defrontar o desafio de Trump e os seus sequazes. O movimento me too é a prova manifesta desse despertar.

Desde a sua posiçom de feminista liberal, a professora reconhecia a sua resistência inicial a aceitar a viragem do movimento cara o ecofeminismo, percebido como umha deriva radical que foi tomando força a partir dos anos setenta. Até a mencionada viragem, o movimento distinguia um feminismo liberal, outro marxista ou socialista e outro radical que se limitava a insistir nas diferenças de género com o que ela se identificava. O núcleo da problemática feminista, sublinha, reside na exploraçom laboral persistente e na consideraçom do trabalho feminino como tarefa irrelevante e carente de valor. O professor Samuelson concordaria, com toda certeza.

Agora, com a crise ecológica desatada, a conexom ecofeminista tornou-se inegável além da evidência inegável da preeminência do trabalho feminino em labores agrícolas e no consumo doméstico e o autoconsumo. Lourdes Benería cita a plataforma FADA —Aliança para o decrescimento e o feminismo— como prova da crescente presença da problemática ecológica na análise feminista.

Economia e feminismo, a professora relata a sua experiência de umha viagem a Marrocos para estudar a questom. As estatísticas disponíveis reduziam ao 8% a participaçom feminina na actividade laboral e concediam o 80% à actividade masculina. O facto de os homens estarem sentados todo o dia em tendas e bares e as mulheres submetidas a actividade incessante, carregando pam nos fornos, acarretando lenha e trafegando com a roupa entre a casa e o rio passava desapercebido nas estatísticas como o teito de cristal. Actividades de cristal, umha vez invisibilizada a mulher as estatísticas a elas referidas emudecem.

Ilustración de Núria Pompeia (1931-2016) ©

A instabilidade inerente à terceira transiçom é defrontada por umha legiom das mulheres com coragem quotidiano e ironia como único escudo protector

A ilustraçom que encabeça este artigo provém do blogue da minha filha Andreia. A juventude feminina montada no globo metafórico de precariedade laboral e digital, movediça e gasosa, rodeado de ameaçantes chatolas quase invisíveis no chao, é umha aguda imagem do trabalho feminino, tantas vezes superposto às invisíveis tarefas domésticas e maternais, com é o caso.

A instabilidade inerente à terceira transiçom é defrontada por umha legiom das mulheres com coragem quotidiano e ironia como único escudo protector. A ilustraçom de Núria Pompeia (1931-2016), mestra em ironia e denúncia dos estereótipos dominantes com que quero rematar é a minha modesta homenagem ao seu permanente magistério, o mesmo que guia, com certeza, o lápis de Andreia onde ecoa a obra da grande Núria, presente desde sempre nas sua leituras.

 

Notas

1 El País 8/03/2023

2 Cecilia Castaño, Lina Gálvez, María Ángeles Sallés e Ruth Rubio, catedráticas e doutoras em ciências económicas e sociais.

3 https://www.youtube.com/watch?v=yIAjorKukg4

4https://www.eldiario.es/alternativaseconomicas/sector-publico-debe-invertir-cuidados_132_1190352.html, El Diario, 12/12/2019

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.