No dia 22 de maio de 2016 desenvolveu-se o XIV Congresso da UPG sendo eleito Secretário-Geral Nestor Rego que, três anos após, em 2019, alcançaria o único escano do BNG no Congresso dos Deputados. As eleiçons autonómicas de 2020 vinhérom confirmar a forte recuperaçom da frente soberanista, atingindo 19 escanos com 310.000 votos e um 23,8% de apoio eleitoral. O resultado conseguia ultrapassar os 18 escanos alcançados por X. M. Beiras em 1997, embora naqueles comícios o apoio eleitoral ter alcançado a cota máxima de apoio atingida polo BNG: 395.435 votos com 24,8% dos emitidos. Os diagramas que encabeçam este artigo mostram às claras a insólita recuperaçom do BNG, bem é certo que num contexto excepcionalmente favorável pola falta de competência no campo da esquerda.
A instabilidade eleitoral crónica que arrasta o BNG, impediu-lhe atingir até o momento a primazia no governo do país e a possibilidade de acometer um programa transformador capaz de consagrá-lo como partido histórico. A diferença com os nacionalismos basco e catalám, é flagrante. Este défice crónico de representatividade infundiu, aliás, no núcleo dirigente da UPG — os 72 membros do seu Comité Central, comandados polo seu Secretário Geral e a Porta-Voz da formaçom1 — um comportamento marcadamente receoso e conservador, adverso ao diálogo social e ao pluralismo requerido. A rigidez da funçom confirmativa afincada na matriz ideológica da UPG prevalece sobre a funçom interpretativa e mediadora que o eleitorado demanda.
Os princípios que inspiram a matriz ideológica da UPG procedem do seu Primeiro Congresso (1977), no contexto irrepetível das mobilizaçons massivas de 1972, da Revolução dos Cravos (1974), do assassinato de Moncho Reboiras e da morte de Franco (1975), fortemente impregnado na épica dos movimentos de emancipaçom anticolonial2. É daí de onde procede a identificaçom de marxismo e autogoverno nacional resumido no lema “vencelhar Castelao com Marx” e também a inverosímil atribuiçom a Galiza da condiçom de colónia submetida à Espanha e á Uniom Europeia em papel de metrópoles imperialistas, só compreensível na abafante atmosfera binário da guerra fria. A dissonáncia política derivada da incorporaçom de axiomas tam extravagantes à prática política quotidiana, resta credibilidade social ao BNG porquanto alimenta a suspeita de existir umha agenda oculta furtada ao escrutínio público. A resistência a actualizar os princípios fundacionais, condena a UPG a perpetuar-se numha foto fixa do passado. Embrulhada na épica do passado fundacional3, a UPG mostra-se incapaz de assumir á crise do grande relato que tudo arrombou.
A adesom a axiomas ultrapassados incapacita a formaçom para abordar os dilemas que o presente depara: Independência ou in(ter)dependência? Unanimidade ou inclusividade? Fidelidade aos princípios ou adaptabilidade? Ensimesmamento ou pacto? Som alguns exemplos de pares dialécticos que questionam a retórica da unanimidade e que bem podiam servir de material de debate para o XV Congresso se avizinha.
Publicava estoutro dia El País4 um interessante artigo de Joan Esculies no qual qualificava Carod-Rovira de grande renovador do independentismo catalám. Frente ao aventureirismo do dobro ou nada praticado por Junts, Carod ter-se-ia aplicado nos noventa a vaziar de contido etnicista o movimento para situá-lo num discurso de esquerda de amplo espectro como garantia de centralidade política compatível com o seu independentismo constitutivo. O artigo, de marcada orientaçom sociológica, aponta surpreendentes similitudes com a UPG. A ERC, discorria Esculies, enfrenta sérias dificuldades para integrar nas listas eleitorais profissionais informados sem militância prévia devido à sua preferência pola adesom incondicional e o cartom de afiliaçom, por riba da competência técnica e a experiência. A ERC, assinalava Esculies, pode prescindir do trabalho de soldar unanimidades em torno à estratégia da cúpula dirigente porque estas ficam garantidas polo facto de os seus quadros — com Pere Aragonès como paradigma — serem produto de um demorado processo de selecçom iniciado no acto da afiliaçom precoce à plataforma juvenil do partido. O modelo é-nos bem conhecido. Repassem se nom os sucessivos liderados da UPG, excepçom feita do muito singular de X. M. Beiras num momento de grave quebranto orgánico. A militáncia incondicional, impermeável a qualquer argumento adverso, é a habitual nas organizaçons de direcçom central, inevitavelmente disfuncional em contextos de pluralismo democrático.
O BNG-(UPG) enfrenta-se agora à ineludível tarefa de conciliar fundo e forma, estrutura e discurso, para consolidar a prometedora base eleitoral sobrevinda e a crescente atençom suscitada na sociedade. Jubilar Feijó, depois da plácida singradura de 15 anos — 2009 a 2024, em breve —é um imperativo democrático para arejar a barola acumulada nas instituiçons do país e orientá-las aos desafios de um futuro inadiável.
Neste percurso, a imprescindível estratégia de cooperaçom competitiva com o PSdeG vai requerer elevadas doses de refinamento político, esse ingrediente conatural da política italiana desconhecido no Ruedo Ibérico. Desenhar a alternativa nom vai ser doado, sumido como está o PSdeG em duas doenças crónicas de difícil tratamento: a dependência sucursalista e o populismo localista, elevado este último a extremos de virtuosismo por Francisco Vázquez e Abel Caballero. A incompetência crónica do PSdeG vém-lhe da sua incapacidade congénita para apreender a liçom de galeguismo que soube interpretar Fraga com mestria na sua modalidade sentimental herdada por Feijó. O lema Galego como ti, cunhado polo fundador, exprime à perfeiçom a sua essência: mimetizar-se com a paisagem política galega. Este país desenvolveu um potente sistema imunitário, protector de agentes externos e intrusos exóticos desconhecidos.
No 25 de dezembro passado, dirigia-se Nestor Rego à sua audiência mais fiel com umha jaculatória retro: “España e a Unión Europea ruína do pobo galego. #Brexit”, concebida para solidarizar-se com os armadores prejudicados polo Brexit. A nula responsabilidade de Espanha e da UE na torpe secessom británica nom foi obstáculo para agitar o costumeiro argumentário da opressom de Galiza por parte de Madrid e Bruxelas. Á parte do facto de o soberanismo confederal ser mais fiel aos postulados do Sempre em Galiza, se a intençom do slogan era aproveitar a ocasiom para tremular a bandeira soberanista, teria sido mais útil voltar os olhos a Escócia.; afinal, umha naçom sem Estado que perdeu a independência em 1707, ontem como quem diz, e que projecta recuperá-la em breve.
A começos deste ano, o Partido Nacional Escocês actualmente governante, o SNP — 61 dos 129 escanos do Parlamento de Edimburgo — lançava umha campanha de seduçom dirigida aos europeus sob o lema Scotland is here. Scotland is Now, onde se dirigia aos europeus nestes termos: Embora vos tenhamos abandonado, queremos transmitir-vos esta promessa: temos-vos reservado um espaço no nosso coraçom e na nossa mesa. As nossas empresas e Universidades ficam permanentemente abertas à vossa espera ”. Também dá a pensar a declaraçom da Primeira-Ministra Nicola Sturgeon: “O meu partido chama-se Partido Nacional Escocês e nom Partido Nacionalista Escocês, que arrasta conotaçons pejorativas que nada tenhem a ver com a nossa perspectiva independentista”.
É bom lembrarmos que o referendo legal pola independência escocesa de 2014 fracassou por 55% de votos em contra, mobilizados, segundo os analistas, para tentar preservar a pertença de Escócia à Uniom Europeia cujo vínculo era referendado em data recente com 62% de votos contrários ao Brexit. Os escoceses confirmam em toda ocasiom o seu decidido europeísmo, compatível com a sua aspiraçom independentista que, já agora, pretendem revalidar no referendo previsto para este mesmo ano, como anunciou a líder do SNP, Nicola Sturgeon. Boris Johnson pretende reverter a fatal tendência mediante umha ampla operaçom de seduçom redigida em libras esterlinas. Independentismo europeísta em Edimburgo, impecável fair play opositor em Westminster; que inveja em meio do disparatado rebúmbio desatado no Ruedo Ibérico. Galiza, como Escócia, naçons europeias.
O objectivo imediato agora é aceder à Junta de Galiza para tentar consolidar um governo duradoiro apto para acometer umha agenda de construçom nacional de amplo espectro na educaçom, no desenvolvimento económico e nos serviços sociais, nas relaçons internacionais com Sul América e com os países de fala portuguesa. Superar a adolescência política e a liturgia da épica partilhada é um labor ingrato, só apto para autênticos líderes dispostos a inovar. Mas, a negativa a crescer, a síndroma de Peter Pan, só conduz à frustraçom e ao ensimesmamento.
A história dos Congressos da UPG5 confirma o difuso temor a abandonar o relato fundacional. As “Bases democráticas para umha nova Galiza” de 20176, que pretendem actualizar das “Bases Constitucionais” de 1976, apontam um tímido passo na boa direcçom embora careçam dumha formulaçom verosímil do mitificado direito à autoderminaçom. A hipotética cobertura jurídica da ONU nas suas resoluçons 1514 e 2625 de 1960 e 2020 de 1966, revelou-se precária como foi possível comprovar no frustrado Referendo de 1/10/2017, orfo do mínimo respaldo internacional.
A alternativa operativa aponta agora a la via àmplia per arribar a la independência on hi cap tothom, esgrimida agora por Esquerra Republicana. Um assisado regresso à via hegemónica do consenso político e social, depurada de ganga retórica e aproada a umha agenda de mudança aberta a tothom. Próxima cita: eleiçons autonómicas. Bom momento para reorientar a ortodoxia gregária cara a ortopraxe cívica on hi cap tothom.
1 XIV Congresso da UPG, 22/05/2016: https://es.calameo.com/read/0004711362aa83ea292dc
2 Contexto desenvolvido por Luís Gonçalves Blasco, Foz, em Organizaçom e política exterior da UPG 1964-1986 (Laiovento, 2012) e em A UPG em Portugal e alguma cousa mais, inédito ainda, que pudem ler pola cordial cumplicidade com o autor.
3 Nestor Rego, “1964, a faísca que acendeu a chama da nosa liberdade”, A Revolución Soviética e a cuestión nacional, 1917-2017, Fundaçom Terra e Tempo, 2017: https://upg.gal/revolucion-sovietica-cuestion-nacional/
4 Joan Esculies, “Las velocidades del independentismo catalán”, El País 6/02/2021
6 http://ollaparo.gal/wp-content/uploads/2017/09/BNG-basesdemocraticas.pdf