O último sinal de afastamento defensivo foi o nomeamento pola UE da primeira-ministra de Estónia Kaja Kallas como próxima representante para Política Exterior e Segurança do iminente governo de Ursula von der Leyen a ponto de repetir como presidenta da Comissom Europeia com o ex primeiro ministro socialista português António Costa como presidente do Conselho Europeu em substituiçom Charles Michel.
Kaja Kallas que substitui como sabemos a Josep Borrell a frente da diplomacia da UE onde deixou um legado de firmeza na defesa dos direitos humanos e da integridade territorial da Uniom que lhe valeu a animadversom de Benjamim Netanyahu e de Vladimir Putin. Há vezes que a catadura moral dos adversários é o melhor a melhor medida da integridade própria. Kaja Kallas será umha digna sucessora de Borrell e umha temível adversária de Putin. Um potente falcom beligerante no novo governo comunitário.
Kaja Kallas tem sido alcunhada de açoute de Putin pola sua insistência em intensificar o apoio militar a Ucránia, incrementar o nível de sançons contra Vladímir Putin e liderar umha suba de impostos no seu país para financiar a segurança ante a ameaça russa, é responsável agora da política exterior e segurança da Uniom Europeia em aberto desafio à ordem de busca e captura ditada contra ela polo Kremlin para castigar a demoliçom de monumentos soviéticos no país báltico que ela promoveu. Difícil imaginar melhor herdeira para dar continuidade à política exterior desenhada por Borrell. Nova mensagem a Putin no seu incessante assanhamento contra o povo de Ucránia
O Mar Báltico é esse mediterráneo boreal aonde assomam um conjunto de países com longo convívio no lugar. Finlándia e Suécia no flanco norte, Dinamarca e Polónia no flanco sul com Alemanha assomando entre eles; no sudeste, três repúblicas resistem o bafo expansionista russo —Estónia, Letónia e Lituánia—com um veterano enclave russo entre Polónia e Lituánia: Kaliningrado. Um cenário óptimo para observar o perigoso conflito latente entre Rússia e a OTAN que por momentos incrementa a sua temperatura.
Kaliningrado está unido a Bielorrússia polo Corredor de Suwalki fronteiro com Polónia e Lituánia. Um entrambilicado e instável cenário interdependente ironicamente baptizado agora como o Lago da OTAN, em aberto desafio a Rússia nessa fronteira-tampom que protegia a Rússia soviética da sombra ameaçante de Ocidente como antes protegera à Rússia czarista.
Da extrema susceptibilidade imperante nesta longínqua ribeira é boa prova a última escaramuça de carácter meramente nominalista que crispou o gélido cenário báltico com a redenominaçom unilateral de Kaliningrado por parte de Polónia ao tradicional Królewiec. Topónimos como baionetas; assi andam as cousas na funesta fronteira setentrional. Mover os marcos aqui pode desencadear um conflito.
É oportuno lembrar que o Mar Báltico já fora sede da poderosa Ordem Teutónica até a sua derrota na batalha de Tannenberg (1410) frente às tropas do Gram Ducado de Lituánia e do rei Vladislao II de Polónia. Muita é a memória histórica que guarda essa brumosa fronteira boreal.
Os acontecimentos precipitárom-se desde que o pequeno czar instalado no Kremlin decidiu invadir Ucránia em aberto desafio à Europa democrática. Em Abril de 2023 Finlándia decidia integrar-se OTAN achegando 1.340 quilómetros mais de fronteira ao cuidado da OTAN. Em Março de 2024 o país convertia-se no trigésimo segundo membro da aliança. A onda da desconexom com Rússia avançava imparável, em 2004 aderiram-se à OTAN Roménia, Bulgária, Eslovénia, Eslováquia, Estónia, Letónia y Lituánia. A soledade política de Rússia é um facto recente e irreversível que infelizmente nom levanta o menor eco numha sociedade como a russa educada desde o seu passado imperial na passividade ante o poder e na cautela à hora de emitir opinions, autêntico artigo de luxo em sociedades autocráticas. Pesadume irremediável para os que amamos a grandeza da cultura imemorial russa.
Mas, nom é só nesse mar interior onde se manifesta a consciência mundial adversa a Rússia, a totalidade da franja europeia da antiga URSS nom deixa de emitir signos de ressentimento acumulado em movimento paralelo ao viçoso revivalismo patriótico que floresce em Rússia. Os nove de Bucareste, B-9, constituído em Bucareste em Novembro de 2015 por iniciativa dos presidentes de Roménia e Polónia como resposta à invasom de Ucránia agrupa a nove países fronteiriços com Rússia inquietos ante a beligeráncia renovada do Kremlin. Um rosário norte-sul que agrupa a Estónia, Letónia e Lituánia, com Polónia, Chéquia, Eslováquia e Hungria —este último como a Chéquia com marcada simpatia por Rússia— além de Roménia e Bulgária, assomadas ao Mar Negro onde a frota russa pugna por luzir a sua frágil hegemonia. Um evidente cordom sanitário que acentua o isolamento russo só temperado pola condescendência de China e a toleráncia de Turquia, a Índia e o Brasil e a totalidade do sul global que mantém vivo o rescaldo da hegemonia norte-americana e mesmo europeia com Gram Bretanha e França à frente. O longo ressentimento do imperialismo que Rússia se empenha em reactivar.
Em meio desta longa franja defensiva destaca em solitário e desafiante o enclave de Kaliningrado que os polacos teimam em denominar Królewiec, sede da Frota do Báltico Dobre Bandeira Vermelha1 orgulho do poder naval russo desde princípios do século XVIII em que foi investida por Pedro o Grande de tal dignidade. Algo assi como conservar um Ferrol incrustado na Her Majesty's Naval Base (HMNB) de Portsmouth. Królewiec, um topónimo desafiante ao orgulho imperial russo das autoridades polacas para lavar velhas feridas.
O Mar Báltico convertido em lago OTAN é um pátio traseiro comunal propício a acolher de acçons desestabilizadoras como a espectacular demoliçom dos oleodutos Nord Stream em Setembro de 2022 numha operaçom de autoria nunca esclarecida que tinha o claro propósito de obstaculizar a exportaçom de petróleo russo. Devemos lembrar que a agressom russa a Ucránia começou no 24 de Fevereiro de 2022 como prepotente resposta à revolta do Euromaidám de 2014. Assi se fraguam as cadeias de golpes e contragolpes que tem Ucránia como objecto central. Fica fora de toda possibilidade umha reflexom de Putin acerca da nefasta concatenaçom de desgraças provocada pola agressom a um país inerme como Ucránia, é consubstancial ao poder omnímodo cair nessa doença das ditaduras que o génio helénico denominou húbris ou hybris que o nosso lexicógrafo rei Antônio Houaiss caracteriza como tudo que passa da medida; orgulho, insolência; ímpeto, ardor excessivo, arrebatamento; a doença letal auto-imune dos déspotas desequilibrados sem contrapeso nos imensos salons do Kremlin que agora percorre como sede do seu poder incomensurável. Um filósofo estóico de estirpe helénica, e nom o Patriarca de Moscovo e Toda a Rus Kiril I obsequioso conselheiro de Putin, poderia salvá-lo, mas, como avisa a sabedoria antiga, aquele a quem os deuses querem destruir, primeiro o tornam demente.