Argentina, memória de coragem democrática em tempos adversos

Xuízo ás Xuntas militares arxentinas CC-BY-SA Telam

Argentina parece adentrar-se numha etapa de delírio reaccionário de imprevisível percorrido. O último avatar do peronismo —“nem de direitas nem de esquerdas, simplesmente incorrigíveis” em douta opiniom do mestre Borges— colapsou por esgotamento, batido por um personagem histriónico e desaforado. Desde os seus covis provisionais Trump e Bolsonaro apressuram-se a aplaudir o pressentindo regresso. Em Espanha, Abascal, e o mesmo Mariano Rajoy celebram a inesperada vitória vicária. Meloni, desde Itália, lembra entusiasmada os valores compartidos. Demasiadas expectativas da direita irredenta para um inconsistente produto televisivo convertido pola audiência em extravagante messias.

A possibilidade de remontar a situaçom económica com o extravagante receituário proclamado por Milei roça o realismo mágico que deu à luz esse estranho continente ñaméricano que Martin Caparrós delimitou

Ignora-se de momento o potencial de futuro da palhaçada em curso e o seu revolucionário programa de salvaçom nacional que inclui a substituiçom do peso polo dólar e o encerramento imediato do Banco de la Nación Argentina (descapitalizado, inoperante e sujeito a geral descrédito). A possibilidade de remontar a situaçom económica com o extravagante receituário proclamado por Milei roça o realismo mágico que deu à luz esse estranho continente ñaméricano que Martin Caparrós delimitou.

A Argentina parece ter-se eclipsado sem remédio; injusto destino dessa naçom criativa e singular que tem reservado um lugar privilegiado na memória colectiva galega. Essa Argentina democrática e cívica que conseguiu instruir um juízo exemplar à atroz ditadura de Rafael Videla e a sua lúgubre companhia1 com esta viva ainda e repleta de beneficiários, adeptos e delatores.

Antergos galegos de Raúl Alfonsín Dominio Público

Neste momento de tiranias impunes e guerras de extermínio programadas parece oportuno evocar o exemplo de coragem democrática protagonizado em 1985 polo fiscal Strassera levando a juízo a nove integrantes das Juntas Militares argentinas

Neste momento de tiranias impunes e guerras de extermínio programadas parece oportuno evocar o exemplo de coragem democrática protagonizado em 1985 polo fiscal Strassera levando a juízo a nove integrantes das Juntas Militares argentinas que governaram o país entre 1976 1983 e concluído com a condena de cinco dos seu máximos responsáveis, dous deles a cadeia perpétua. Foi o primeiro juízo aberto a mandatários militares por responsabilidade de assassinato massivo de civis desde os Juízos de Nuremberga e o único instruído por tribunais civis. Ostentava a presidência da República na altura Raul Alfonsín sob as siglas da Unión Cívica Radical

Ostentava a presidência da República na altura Raul Alfonsín sob as siglas da Unión Cívica Radical

Desde a tétrica Escola de Mecánica da Armada, ESMA, a ditadura militar subjugou Argentina entre 1976 e 1983; do macabro centro dependia umha entupida rede de 700 centros de tortura ao longo do país. A ESMA está situada numha zona de luxo nas aforas de Buenos Aires, frente ao Rio da Prata; por ali passárom 5.000 detidos dos quais 4.500 fôrom desaparecidos depois de torturados, muitos deles esquartejados ou arrojados vivos ao mar. Também funcionava ali umha activa clínica de maternidade encarregada de expropriar o fruto do seu ventre às detidas em gestaçom que ainda hoje seguem reclamando as invencíveis avoas da Praça de Maio, património de decência cívica e coragem feminina. Houve repetidos intentos de demolir o acusador edifício da ESMA; o último foi sugerido pola actual vice-presidenta argentina Victoria Villarruel, filha, sobrinha e neta de militares. O edifício da ESMA segue em pé por fortuna para honra das vítimas definitivamente devindas2 intemporais testemunhas de cargo. Em honra da humanidade, a UNESCO vem de declarar a ESMA lugar memorial da humanidade3 ajuntando-se assi a Auschwitz e Hiroshima, lúgubres lugares de ignomínia.

Raúl Alfonsín é de limpa estirpe galega que ele nunca esqueceu. Na sua visita a Galiza, Alfonsín declarou “Ustedes no lo sabían, pero hace tiempo que nos conocemos", formosa vindicaçom de um vínculo nunca esquecido

O famoso Juízo às Juntas de 1985 foi desenvolvido ao amparo do decreto 158/834 promulgado por Raúl Alfonsín e executado polo destemido fiscal acusador Julio Strassera5 com a rede de cumplicidades com a ditadura intacta ainda. Os encausados —os arguidos em português, se preferirem— fôrom nove integrantes das Juntas Militares —incluídos ex-chefes de estado— que governaram Argentina entre 1976 y 1983. Foi o primeiro processo contra comandantes militares por assassinato massivo de persoas desde os Juízos de Nuremberga, e o único no mundo instruído por um tribunal civil. Honor sempiterno a Argentina democrática, quase irreconhecível hoje.

Raúl Alfonsín é de limpa estirpe galega que ele nunca esqueceu, contemplamos a saudosa foto familiar onde aparecem os avós e tios do presidente com o seu pai ao fundo e a Raul Alfonsín, primeiro pola direita. O retrato6, a atitude, a vestimenta e o calçado, transmite umha inesperada imagem de prestança e bem-estar. Na sua visita a Galiza, Alfonsín declarou “Ustedes no lo sabían, pero hace tiempo que nos conocemos", formosa vindicaçom de um vínculo nunca esquecido.

Observamos agora em documento da época a imagem da Alfonsin saudando desde o balcom da modesta casa de aldeã dos seus antepassados com os braços abertos . Rodeando a casa, o povo entusiasmado celebra o milagre de ter por vizinho um presidente americano7. Nom pode por menos de acudir à mente o mister Marshall de Berlanga. Mas, neste caso, o mister Marshall nom passa de largo, manifestase feliz: Ustedes no lo sabían, pero hace tiempo que nos conocemos. A Galiza extravasada e viva a pesar do tempo e a distáncia é o autêntico milagre. A raiz e memória dessa Galiza sem fronteiras.

A memória salta inevitavelmente à visita de Fidel Castro à aldeia dos seus antepassados em Láncara. 

A memória salta inevitavelmente à visita de Fidel Castro à aldeia dos seus antepassados em Láncara. Vinte sete de Julho de 1992, segunda feira8. Desta vez, o mítico presidente de raiz galega exibe a sua personalidade exuberante e triunfadora. Patria o muerte, a consigna que em tempos nos fijo vibrar e que o tempo inexorável acabou convertendo em sarcástica jaculatória de tirania congelada. Neste caso é Fraga Iribarne jogando ao dominó a imagem que acode a memória.

Láncara e Casaldernos, aldeias com destino, breve fulgor histórico em breve apagado que um instante brilhárom na consciência de Galiza. O tempo passou mas nom a marca indelével nestas duas aldeias berço de presidentes permanece na memória da imensa diáspora do país

Láncara e Casaldernos, aldeias com destino, breve fulgor histórico em breve apagado que um instante brilhárom na consciência de Galiza. O tempo passou mas nom a marca indelével nestas duas aldeias berço de presidentes permanece na memória da imensa diáspora do país.

 

Notas

1 https://es.wikipedia.org/wiki/Jorge_Rafael_Videla

2 https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/devinda.

3 https://whc.unesco.org/en/list/1681/

4 https://www.comisionporlamemoria.org/archivos/cpm/normativa/lesa/Decreto_158.pdf

5 https://www.infobae.com/sociedad/2022/10/02/la-vida-de-julio-strassera-el-valiente-fiscal-del-nunca-mas-y-el-homenaje-que-todavia-le-debe-el-pais/

6 https://www.cronicasdelaemigracion.com/articulo/galicia/raul-alfonsin-ilustre-nieto-gallegos/20190326141431092251.html

7 AV-2693 [Alfonsín en Galicia: visita a la casa de su abuelo en Casaldernos] [Parte III] (parte I) - YouTube

8 https://www.elcorreogallego.es/santiago/te-acuerdas-de/cuando-fidel-castro-recibio-un-bano-de-masas-en-su-visita-a-compostela-en-el-verano-de-1992-DC9334948

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.