Compreender a polémica do espólio fiscal: transferências interterritoriais e equidade

A maranha das transferências interterritoriais Dominio Público

Se o patriotismo é o derradeiro refúgio do canalha como deixou sentenciado Samuel Johnson (1709-1784), a sua versom económica é ainda pior porque lhe acrescenta a ignoráncia da natureza e efeitos de um sistema fiscal moderno. O obtuso slogan de tendeiro ressabiado Espanya ens roba, cunhada por um escuro notário valenciano em fugaz travessia polo Parlament de Catalunha1, exsuda um sórdido apego ao privilégio sem fundamento nos princípios que regem o sistema tributário. Que a manuseada frase tenha servido de fonte de inspiraçom a umha delirante geraçom de tribunos cataláns evidencia o deplorável papel ocupado pola demagogia nos debates parlamentares. Queremos propor ao leitor um sucinto modelo económico que permite compreender a essência e efeitos do sistema tributário e a pertinência dos fluxos fiscais compensatórios entre regions economicamente desiguais. 

[O modelo] Um espaço fiscal unitário formado por territórios com diferente capacidade tributária provoca transferências fiscais inevitáveis desde os territórios mais ricos aos mais desfavorecidos. A magnitude e sentido das referidas transferências acomoda-se ao imperativo de equidade: cada cidadao tributa polos seus ingressos e recebe em troca a quota-parte correspondente nos serviços públicos ofertados. Simplificando, tributam as bilheteiras particulares (essencialmente desiguais) e reclamam serviços os estômagos (essencialmente idênticos). Os primeiros contribuem, os segundos exigem.

Eis o modelo:

[Cifrar o modelo] Num hipotético país existem dous territórios, um deles rico (R) e outro pobre (P). Ambos possuem a mesma populaçom e suportam idêntica carga tributária: 20 % dos ingressos percebidos. O gasto publico garantido pola autoridade central coincidirá com o montante dos impostos arrecadados: 20% dos ingressos anuais disponíveis, contrapartida das mercadorias produzidas e distribuídas no ano. A efeitos analíticos assumimos que os ingressos de cada regiom se distribuem igualitariamente entre os seus habitantes.

TerritóriosIngressos: Y (€)Habitantes: H (hb)Impostos: (I = 0,2*P)Serviços (S)Transferência (S-I)
Território rico: R2001004030-10
Território pobre: P100100203010
Total30020060600

Equidade tributária: Impostos proporcionais a Y: 0,2*Y; Serviços recebidos proporcionais a H: 0,3*H

[As contas em R e P] A equidade tributária imperante através do gravame uniforme de 20% dos ingressos percebidos, garante-lhe aos cidadaos umha capacidade de compra depois de impostos proporcional á sua renda. Assi, os habitantes de R disponhem para o seu gasto privado: (200 – 40 = 160) → 1,6 (€/habitante e ano), enquanto os habitantes de P só disponhem de (100 – 20 = 80) → 0,6 (€/habitante e ano). A desigualdade originária provocada polo funcionamento do livre mercado mantém-se em consequência depois da detracçom tributária igualitária.

Quanto aos impostos arrecadados por habitante e ano, ajustarám-se á respectiva capacidade tributária: 200/100 = 2 (€/habitante e ano) em R contra 100/100 = 1 (€/habitante e ano) em P consequência de aplicar a norma tributária homogénea imperante á renda gravada: 200*0,2 = 40 em R contra 100*0,2 = 20 em P.

Os habitantes de R podem estar tentados de aduzir que o seu território contribui ás arcas públicas o dobro que o território P e a agência tributária nom deixará de responder que é o resultado de aplicar a taxa tributária uniforme do 20% sobre os ingressos. Com todo, os demagogos locais nom deixarám de insistir no escandaloso espólio fiscal sobre uns ingressos duramente ganhados graças á proverbial iniciativa e laboriosidade dos seus habitantes: um contributo regional de 40 contra 20, que escándalo! Mas, as regions nom tributam, só tributam (equitativamente) os seus cidadaos.

[As transferências interterritoriais] Apesar da indiscutível equidade do sistema tributário imperante — 20% dos ingressos percebidos independentemente do lugar de residência do contribuinte — o seu funcionamento provoca um fluxo de transferências automáticas da regiom rica para a pobre: R cede T = (-10) em favor de P, T = (+10) . Em termos per capita, cada indivíduo de R transferirá: -10/100 = -0,1 €/hb e ano que serám recebidos em P em conceito de transferências 10/100 = +0,1 €/hb. A justificaçom está na diferença na renda disponível: 100/100 = 1 €/hb e ano em P, contra 200/100 = 2 €/hb e ano em R.

[A recta da solidariedade] A situaçom reciproca dos dous territórios R e P em termos de renda por habitante e saldo fiscal resultante permite tracejar umha recta de solidariedade, definida polas respectivas rendas (X) e saldo de transferências por habitante (Y). Os pontos [X, Y] representativos adoptarám os valores [2, -0,1] em P, e [1, +0.1] em R. que determinam umha recta de pendente negativa acorde com o efeito compensatório do sistema fiscal.

Mostramos agora a recta de solidariedade de Espanha 20142 no Gráfico 1, procedente do Ministério de Fazenda3, representando a recta de regressom que melhor ajusta a nuvem de pontos [X: renda por habitante, Y: Saldo fiscal por habitante] das CC.AA. espanholas, com um coeficiente de ajuste moderadamente aceitável de, R2 = 0,62.

O procedimento de cálculo seguido para determinar os respectivos saldos fiscais é o conhecido como carga-benefício consistente em imputar a cada Comunidade a totalidade dos contributos suportados polos seus habitantes (cargas) e a totalidade dos correspondentes retornos (benefícios) afluentes, com o saldo fiscal como resultante.

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É pertinente apontar que os retornos em serviços disponíveis computados no Gráfico 1 incorporam tanto aqueles inequivocamente territorializados (43,38%) como os resultantes do pró rateio entre o conjunto dos cidadaos do Estado dos serviços centralizados como no caso da representaçom diplomática, o exército, o Museu do Prado, etc (3,87%) sem esquecer o gasto de proteçom social (41,36%) e regulaçom económica, incluídos nestes os juros da dêveda pública (11,39%) que a todos correspondem. O vaziamento exaustivo de cada conceito e subconceito tanto de ingresso como de gasto público entre o conjunto da cidadania, inerente ao procedimento carga-benefício, comporta um impecável exercício de transparência, sem conceitos excluídos do cômputo geral.

Como corolário desta análise geral procedente do SCTP 2014 do Ministério de Fazenda para o conjunto das CC.AA.4 e a correspondente ordenaçom dos respectivos saldos fiscais atribuídos cabe perguntar-se pola magnitude redistributiva do sistema fiscal: em quanto podemos cifrar o efeito redistributivo no sistema tributário espanhol? De acordo com o Informe SCTP 2014, o impacto redistributivo entre Comunidades ascendeu a 31.348 M€ (3,12% do PIB) que implica um 6,3% de entradas sobre PIB das Comunidade receptoras de transferências e um 6,2% de saídas nas contribuintes. Nom parece excessivo.

Mais especificamente, o Informe SCTP 2014 permite constatar o manifesto sobrefinanciamento das Comunidades Forais, País Basco e Navarra, e também de Aragom, em flagrante contraste com subfinanciamento da Comunidade Valenciá e da Balear. Galiza situa-se no Gráfico [renda per capita ↔ saldo fiscal imputado] como moderadamente favorecida, muito próxima como se observa da recta teórica de equidade, com Catalunha em posiçom moderadamente prejudicada, muito menos em todo o caso que Madrid que há-de suportar os efeitos da sua posiçom de privilégio.

A tradiçom apologética fiscal viva em Catalunha prossegue impertérrita no entanto na reiterada denúncia do suposto espólio suportado, argumentado, compre assinalá-lo, com a inconsistente metodologia dos fluxos fiscais, pouco acreditada entre os especialistas em matéria de federalismo fiscal5

 

Notas

1 https://www.elconfidencial.com/espana/cataluna/2017-09-30/referendum-cataluna-entrevista-lopez-tena-espanya-ens-roba_1452222/

2 A recta de transferências resultante, [Y= m*X + n], é: [Saldo fiscal per capita = -0,28888*Renda per capita +6540,706254] que tem como pontos extremos [15.000; 2.207,5], [30.000; -2.125,7], muito próximos aos valores reais de Extremadura [15.201,42; 2.578,39] e Madrid [30.334,45;-2.979,45] respectivamente.

3 Sistema de contas públicas territorializadas, SCTP 2014, Ministério de Fazenda:

https://www.hacienda.gob.es/es-ES/CDI/Paginas/OtraInformacionEconomica/Sistema-cuentas-territorializadas-2014.aspx

4 Som exceptuadas do cômputo as Comunidades Forais junto com Ceuta e Melilha para isolar a sua particularidade fiscal que distorceria o cálculo da recta de regressom, representativa dos efeitos redistributivos do sistema tributário. 

5 https://www.elconfidencial.com/economia/2013-05-31/un-informe-desmonta-que-cataluna-sufra-deficit-fiscal-con-el-estado_244997/

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