Desprender-se da côdea provinciana, projectar o futuro possível

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Leccionava Celso Emílio em carta a Fuco Bujám — labrego ancestral, resistente ante a adversidade, duro no trabalho, mas também desconfiado e encolhido diante da tirania do poderoso — que aprendesse a andar ergueito e a falar forte. Bom programa de correctionem rusticorum para tentar dissolver a ancestral côdea defensiva que nos protege da prepotência do poder e as suas terminais domésticas. Ocultar o sotaque delator é a prova mais evidente da persistência do estigma da origem negada. Quanto esforço para ocultar o que um é!

Aludia o poeta à “testa decaída” de tanto Fuco Bujám coibido ante os sequazes do poder. Um estereótipo elevado a categoria antropológica por Ortega y Gasset: “Galicia, tierra pobre, habitada por almas rendidas, suspicaces y sin confianza en sí mismas”. Tauromaquia metafísica avelhentada.

Ocultar o sotaque, ou desdenhar a toponímia. Celebrou-se há pouco um encontro na Toja de título chocante, “Foro La Toja”. Para um reintegracionista como o que isto escreve, o título do evento é correcto salvando o chocante “L” do artigo desconhecido na toponímia galega. Para o comum da audiência o título terá soado, suponho eu, um bocadinho vintage, concretamente da selecta colheita dos ingloriosos quarenta.

O desdém pola língua e o maltrato aos nomes da terra revela um comportamento lacaiesco fruto da subordinaçom secular aos mandarins da língua com mando em praza. Seria bom reflexionarmos sobre o flagrante contraste entre o empenho das famílias emigrantes a Catalunha e Euskádi em que os seus filhos aprendam o idioma do país receptor como via de integraçom social e a camuflagem linguística habitual ainda no país. Umha emenda à totalidade do sistema educativo imperante.

Celebremos, contodo, que o pudor da origem negada vaia a menos nestes tempos de identidades misturadas. Insiste ainda o estereótipo na imagem do galego parado no patamar das escadas ou no abuso da cláusula cautelar do “isso depende”, mas, na verdade, o único certo, é que o galego, ao igual que o português, abomina da interpelaçom directa. — Quer que lhe seja franco? — Nom por favor, ofereça-me algo mais republicano.

Seria bom que as vítimas da síndroma defensiva caíssem na conta de como o sotaque delator que tanto temem passa absolutamente desapercebido em qualquer país do mundo, e em alguns como Portugal mesmo é confundido com castelhano puro e imaculado. É bom viajar. A identidade galega, cantada por Rosalia, imaginada polas Irmandades, perscrutada polo Seminário, agendada polo galeguismo republicano, é o nosso património genuíno: o da Galiza emancipada da olhada alheia e da grisalha possibilista e provinciana.

Ultrapassada a quinta parte do século XXI, é inquietante a abulia remanescente ainda nas elites culturais e nas instituiçons políticas, permanentemente enredadas na logomaquia parlamentar e no ridículo localismo municipal. Precisamos erradicar o provincianismo residual, reinventar a nossa tectónica institucional, reformar sem demora o vetusto Estatuto de 1981. Lembremos: a prática totalidade das CC AA culminárom há anos os seus estatutos de segunda geraçom: Valência, Catalunha, Andaluzia, Baleares, Aragom, Castela e Leom, Extremadura e Navarra. Na área Galeuzcana, Catalunha decidiu pegar fogo ao seu atribulado estatuto de segunda geraçom e o moderadíssimo e respeitado PNV anuncia a revisom do seu status autonómico.

No entanto, a Galiza aparenta dar-se por bem servida refugiada no morno rescaldo da indiferença institucional. As senhorias que nos representam deveriam cair na conta de que o estatuto de 1981 nasceu sob o fórceps de pressom política e mobilizaçom popular. Haverá que voltar á rua para espreguiçar a molícia parlamentar que nos abafa?

Impom-se reactivar o impulso constituinte, reformular competências e propostas capazes de antecipar problemas e oportunidades, reivindicar a nossa condiçom de nacionalidade histórica. A veteranice do estatuto em vigor — nascido com Tejero de pistola em mão — antes da adesom á Comunidade Europeia (1986), da substituiçom da peseta polo euro (2002), da Grande Recessom (2008), do Brexit a ponto de culminar, demanda umha profunda revisom quando novos desafios ameaçam a competitividade do nosso sistema produtivo e do nosso idioma secular.

Redesenhar a administraçom municipal e provincial, agendar a transformaçom energética e a descarbonizaçom, posicionarmo-nos ante a previsível revisom do quadro institucional e autonómico som tarefas pendentes submetidas a silêncio político

Um idioma declinante a mãos de umha pudibunda política linguística que contempla impassível a pacífica invasom da etiquetagem em português nos expositores dos nossos centros comerciais. O português nom é galego, porfiam, mentres franqueiam a porta ao castelhano vitorioso. Imaginemos o que teria feito um Koldo Mitxelena (1915-1987), artífice do éuskaro batua, um Pompeu Fabra (1868-1948), artífice da norma ortográfica do catalám desenvolvida na década dos dez do século XX, caso disporem de um Portugal porta com porta. Com certeza algo mais ousado que adoptar a norma de umha editorial nascida em 1950 e consagrada como formato insuperável de um idioma secular e internacional. Fronteiras e casamatas levantadas por abnegados sentinelas contra nós próprios.

A tarefa pendente poderá parecer árdua mas cumpre lembrar que a insensata logomaquia auto-referencial em que nos refugiamos foi desafiada em tempos bem recentes. Na proposta de Administraçom Única de Fraga Iribarne, por exemplo, que poderia sustentar umha agenda pró-activa baseada na iniciativa própria e no princípio de subsidiariedade que vigora na UE. Ou na presidência de Pérez Tourinho (2005-2009), que soube assinar um convénio de cooperaçom transfronteiriza em Valença com o presidente de Portugal José Sócrates e entrevistar-se com o presidente Lula da Silva em Brasil e, sobre todo, promover umha comissom parlamentar para a reforma estatutária, impensável hoje polo que vemos.

O nosso mediterrâneo nom é outro, amig@s, que a comunidade de países de língua oficial portuguesa. Abandonemos a obsessom polo caminho real Compostela↔Madrid

Redesenhar a administraçom municipal e provincial, agendar a transformaçom energética e a descarbonizaçom, posicionarmo-nos ante a previsível revisom do quadro institucional e autonómico som tarefas pendentes submetidas a silêncio político.

Quanto à agenda internacional seria bom reflexionarmos em propostas ambiciosas como as que se ensaiam em Catalunha, permanente laboratório de auto-afirmaçom. Esqueçamos o Diplocat, pretensioso contra ministério de identidade suspensa entre o princípio da realidade e o do prazer, e examinemos iniciativas mais operativas como a Estratégia Medco 2030 baseada na Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável da ONU que desenha umha agenda mediterránea plausível, arquitectada para promover a presença de Catalunha numha área geopolítica julgada primordial.

O nosso mediterrâneo nom é outro, amig@s, que a comunidade de países de língua oficial portuguesa. Abandonemos a obsessom polo caminho real Compostela↔Madrid, simples metáfora do provincianismo político imperante pendurado sempre da miragem das obras públicas ao amparo do BOE.

O horizonte que merece ser explorado é o da decidida presença estratégica no amplo mundo hispano-português que nos pertence, de Buenos Aires a Rio, de Veracruz a Luanda

O horizonte que merece ser explorado é o da decidida presença estratégica no amplo mundo hispano-português que nos pertence, de Buenos Aires a Rio, de Veracruz a Luanda. Língua, negócio, projectos colaborativos. Nom será preciso recordar que a fala portuguesa soma 300 milhons falantes aos 525 da expressom hispánica e 170 milhons de utentes da internet aos 345 do espanhol. A Galiza que precisamos é a que quer transitar por esta ecúmena acolhedora em duas línguas nossas, autêntico laboratório de progresso como sabia Paz Andrade.

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