Um artigo publicado no portal público ICEX em 2018 oferece um bom resumo de um assunto crucial para compreender as linhas de força que debuxam o mapa-múndi do poder na actualidade como é o da procura de supremacia estratégica por parte da China.
O jogo de equilíbrios geoestratégicos regista na actualidade umha espectacular reviravolta com a irrupçom da China no tabuleiro global. A China lidera já o espaço estratégico indo-pacífico, com o Japom, a Coreia, Indonésia e sobretudo a Índia como atentos observadores e potenciais adversários estratégicos
Um objectivo tentador reservado aos amos do mundo como a Gram-Bretanha até a Primeira Guerra Mundial e os EUA a partir da Segunda. Nos EUA a estratégia de liderado mundial foi cunhada há tempo como teoria do destino manifesto estampada no dólar na figura de umha pirámide truncada coroada polo olho da divindade americana. In God we trust, proclama orgulhosamente o signo monetário norte-americano, God & Gun, traduziu com agudeza Sánchez Ferlósio.
O destino manifesto de Ocidente através do poder hegemónico anglo-americano reverbera no desvario do Brexit salvífico e, mais recentemente, nesse pacto militar com direito reservado de admissom conhecido como AUKUS —Austrália, Reino Unido, E.U.A.— que conseguiu indignar a República chinesa e humilhar militar e economicamente à França. A sobrançaria anglo-americana é auto-suficiente e nom admite réplica.
O jogo de equilíbrios geoestratégicos regista na actualidade umha espectacular reviravolta com a irrupçom da China no tabuleiro global. A crepuscular retirada dos EUA ao pátio doméstico comporta a delegaçom dos conflitos internacionais a umha estratégia de contençom. É o que observamos na desordenada retirada de Afeganistám e na crescente preocupaçom ante o expansionismo chinês. A UE, entanto, resiste-se a desempenhar o papel internacional que lhe corresponde, amparada no habitual amigo americano.
Entretanto, a China lidera já o espaço estratégico indo-pacífico, com o Japom, a Coreia, Indonésia e sobretudo a Índia como atentos observadores e potenciais adversários estratégicos.
A magnitude económica relativa dos contendentes nesta vasta contenda, medida em termos de PIBppa, quer dizer, ajustado à paridade de poder de compra, delimita com claridade a potência dos participantes no duelo pola primazia. Na referida métrica, a China lidera já a economia mundial com um produto económico de 29,37 bilhons de dólares-ppa em 2021, contra os 24,79 atribuídos polo FMI aos EUA e os 22,23 estimados para a UE. A Índia, com 11,35 e o Japom, com 5,97 bilhons revelam posiçons muito mais modestas. Rússia, convém saber, situa-se nos 4,70 bilhons, superando em pouco a Indonésia, Brasil e a França.
A dimensom económica nom pode ocultar o peso crucial dos factores determinantes na pugna polo primazia mundial como a capacidade tecnológica, científica ou militar onde o domínio euro-americano é incontestável. Em contraposiçom, a posse de imensas reservas energéticas por parte de Rússia, em estreita parceria com a China, contribui a equilibrar a balança das respectivas fortaleças estratégicas. As semelhanças entre Rússia e China prolongam-se ao facto de ambos países manterem zonas particulares de fricçom estratégica — a Ucránia para Rússia, Taiwan para a China— susceptíveis de alimentar frentes de hostilidade híbrida com os EUA e a UE como acontece actualmente na fronteira ucraniana.
O eixo da política geoestratégica chinesa neste século incerto foi nomeado como a Franja e a Rota, Belt and Road Iniciative, BRI. Um projecto enunciado polo presidente chinês Xi em 2013 e elevado à categoria de directriz fundamental da sua política internacional em 2017 com a sua incorporaçom à Constituiçom chinesa
O ascenso da China ao mapa da hegemonia mundial é um fenómeno singular. A República Popular da China nascida em Outubro de 1949 depois de duas décadas de guerra ininterrompida —1927 a 1949— é umha criaçom do Partido Comunista chinês fundado por Mao Zedong em 1921. A reanimaçom do milenário país inscreve-se na singular conjuntura histórica decorrida entre os finais das duas guerras mundiais: a Conferência de Paz de Paris e a constituiçom da Liga das Naçons em 1919 e a derrota das Potências do Eixo, Roma-Berlim-Tókio em 1945.
Neste processo, a doutrina marxista-leninista que inspirara o projecto vital de Mao foi virando do horizonte emancipatório original ao da construçom de umha potência mundial hegemónica sustentada no incomovível trípode autocrático do Partido, o Estado, e o Exército, trípode incompatível com os princípios da democracia pluralista. Monstequieu nunca visitou Rússia nem China; de facto, a divisom de poderes apresentasse-nos cada vez mais como um traço cultural específico do espaço euro-atlántico, similar ao substrato cultural greco-romano que o viu nascer. ¿Libertad para qué? perguntara-lhe Lenine ao deputado socialista Fernando de los Ríos na sua visita em 1920 à recém-nada Uniom Soviética. A mesma pergunta que ecoa agora nos países pós-coloniais enfrentados ao repto do desenvolvimento, auditório propício à estratégia hegemonista chinesa.
Foi do alto desse trípode do poder onde o mandatário plenipotenciário Xi Jinping enunciou o repto histórico ante o XIX Congresso Nacional do Partido Comunista chinês ocorrido em Beijing em Outubro de 2017: "Pola definitiva culminaçom da construçom integral de umha sociedade modestamente acomodada e a conquista da grande vitória do socialismo com características chinesas da nova época". Modestamente acomodada, socialismo de feitio chinês: cautela e parcimónia de estirpe confuciana a desenvolver no lapso temporal simbólico, 2021-2049: 2021 como centenário da constituiçom do Partido Comunista Chinês em 1921, 2049 o da fundaçom de República Popular polo Partido Comunista chinês em 1949.
O eixo da política geoestratégica chinesa neste século incerto foi nomeado como a Franja e a Rota, Belt and Road Iniciative, BRI. Um projecto enunciado polo presidente chinês Xi em 2013 e elevado à categoria de directriz fundamental da sua política internacional em 2017 com a sua incorporaçom à Constituiçom chinesa. Da ambiçom do propósito baste saber que a iniciativa implica já a 70 governos associados que concentram 2/3 da populaçom mundial e 1/3 do PIB global.
Três som os itinerários principais tracejados pola estratégia BRI: terrestre, marítimo e polar, de especial interesse o terceiro para a cooperaçom com Rússia e objecto de intenso receio por parte dos EUA e da UE
O BRI, ou Nova Rota da Seda, como também se conhece em homenagem ao geógrafo alemám Ferdinand von Richtofen (1833-1905) autor do afortunado tropo, trafica hoje com produtos mais úteis que a seda. Projectos de portos e estradas, de telecomunicaçons e centrais eléctricas, de serviços públicos essenciais; imprescindíveis todos eles para os países parceiros que bordeiam a fachada ocidental do continente euro-asiático e a costa africana. A magnitude do projecto é proporcional ao volume de recursos financeiros comprometidos, da ordem dos 4.000 a 8.000 milhons de dólares, que abrem a perspectiva da cooperaçom multilateral.
A falta de umha instáncia internacional coordenadora, o governo chinês viu-se obrigado a improvisar umha Agência para o Desenvolvimento Internacional, SIDCA (2018) para a gestom do BRI. A magnitude do propósito implicará generosas emissons de títulos públicos, abertura de linhas de crédito bancário e parcerias público-privadas (PPP) com empresas estaduais chinesas, sem excluir possíveis esquemas multilaterais caso ser possível vencer a surda desconfiança euro-americana.
Três som os itinerários principais tracejados pola estratégia BRI: terrestre, marítimo e polar, de especial interesse o terceiro para a cooperaçom com Rússia e objecto de intenso receio por parte dos EUA e da UE. As vias terrestre e marítima tenhem como alvo a Uniom Europeia e o continente africano. A conexom europeia conta já com base operativa no porto ateniense do Pireu, vendido ao gigante chinês OSCO Shipping Corporation por 368,5 millons de euros, além de substanciosos dividendos e comissons a perceber polo 49% da propriedade que se reserva o Estado grego. O estado chinês comprometeu-se ademais a efectuar um investimento adicional de 350 milhons num prazo de dez anos.
A variável chinesa com tempero russo será determinante neste contexto: La Cina è vicina, sabem-no os EUA e a UE pretende ignorá-lo mas o processo é inexorável
A rota árctica, é a interface privilegiada de cooperaçom entre a Federaçom Russa e a China para a exploraçom conjunta das imensas reservas de hidrocarbonetos da franja setentrional siberiana. Além disso, a rota árctica visa o encurtamento do tempo da conexom Xangai-Rotterdám que permitirá unir China com este nodo central das trocas comerciais europeias. Quanto a África, a China conta já com dous sólidos ancoradoiros de referência: Djibuti, estrategicamente situado no Corno de África, e Nairobi, capital de Quénia, a cidade mais populosa da África Oriental. Entretanto, no mediterráneo ocidental Algéria e Marrocos se disputam a primazia diplomática com a China com a Guiné Equatorial à espreita como encrave estratégico de referência na fachada atlántica.
O século XXI anunciou-se com tambores apocalípticos: Torres Gémeas 11/09/2001, caos financeiro globalizado, Lehman Brothers, 15/09/2008; pandemia COVID-19, Dezembro de 2019. A descomunal tarefa pendente de difundir o crescimento verde e inclusivo fica à espera. A variável chinesa com tempero russo será determinante neste contexto: La Cina è vicina, sabem-no os EUA e a UE pretende ignorá-lo mas o processo é inexorável.