Holanda, o coronavírus e todo o demais

Na vinheta de cabeceira, descreve El Roto com corrosivo texto e traço preciso um encontro casual entre dous magnates decidindo copa em mao a melhor estratégia para sair da crise. A soluçom, concordam, é evidente: separar pobres e ricos para evitar contágios. A infalível agudeza de Andrés Rábago resume num simples flash o inquietante momento em que nos encontramos com o euro e o vírus como protagonistas.

Há uns dias, o ministro de economia holandês Wopke Hoekstra sugeria indagar nas razons polas quais os fastidiosos países pedichons do sul de Europa carecessem ainda de margem orçamental suficiente para defrontar a pandemia covid-19 depois de sete anos de crescimento económico ininterrompido. O primeiro-ministro português disparou de imediato a melhor resposta: “Re-pug-nan-te”. Há alguém por aí que pretenda ainda dar liçons de frugalidade a Portugal? Pouco antes, o político social-democrata Jeroen Dijsselbloem, antecessor de Hoekstra no ministério, manifestara que, efectivamente, a solidariedade era imperativa na crise por mais que seria bom nom ter dilapidado em copas e mulheres as ajudas que vam ser solicitadas depois. Contas rigorosas contra vinho e mulheres: re-pug-nante.

Toca-lhe fixar agora posiçom ao actual primeiro-ministro holandês Mark Rutte, para tentar atalhar a pavorosa crise que se abate sobre a Uniom. Nom surpreende que vacile ante a difícil disjuntiva de tranquilizar as virtuosas formigas holandesas ou denegrir gratuitamente as perdulárias cigarras mediterráneas, ineptas de nascimento para entender a salvífica aritmética da austeridade.

Contodo, a Holanda nom deixa de ser apenas o mais linguaraz dos países adictos à ortodoxia económica com a Alemanha, Áustria e os países bálticos em apertado pelotom competidor. A estúpida torpeza da tortura infligida a Grécia pola virtuosa banda virtuosa durante a crise do 2008 permanece agora pudicamente silenciada.

Vinheta de El Roto em El País, 29 de abril de 2020 © El País

O debate europeu centra-se agora na forma de instrumentar o financiamento do desastre sanitário e económico desatado por umha minúscula cadeia de ARN. Da incomensurável magnitude do desastre e o desafio aberto já nom cabem dúvidas depois de observarmos a imediata e massiva intervençom dos E.U.A. e o Reino Unido sempre diligentes em atalharem as doenças dos mercados, cada vez mais frequentes.

Á parte do auxílio ilimitado anunciado por parte do B.C.E. e o F.M.I., a questom que agora se dirime em Europa é a do regime de garantias precisas para respaldar as medidas de urgência a aplicar para tentar travar a temível escalada da dêveda: subsídio a fundo perdido com garantia comunitária ou crédito brando com devoluçom dilatada no tempo? Injecçons condicionadas ou incondicionadas, dado o facto de se tratar de umha situaçom de emergência? Estas som as disjuntivas que atrapalham o futuro do projecto europeu e suscitam as reacçons ofendidas dos países disciplinados e aforradores ante os seus sócios suspeitos de imprevisom e libertinagem. Mau assunto misturar discurso moral com análise económica e exibir parcimónia virtuosa frente a suposta prodigalidade irresponsável. O pobre sempre gasta de mais, está visto.

Mas, a granítica resistência do norte virtuoso tem o seu ponto fraco na flagrante cobiça fiscal praticada em prejuízo do perdulário sul. Descreve-a com sóbria precisom a benemérita plataforma crítica Tax Justice Network. A extorsom denunciada alicerça-se na massiva extracçom de recursos fiscais praticada polo Reino Unido, Holanda, Suíça, Luxemburgo e demais paraísos fiscais em benefício próprio. Há tempo que os sentenciosos magnates captados pólo lápis de El Roto venhem arquitectando a devida soluçom.

Como documenta a TJN, a UE cede-lhes cada ano mais de 27.000 milhons de euros em impostos sobre sociedades aos países receptores, através de sociedades filiais residentes onde afloram os benefícios transferidos,. Um mecanismo escandaloso e consentido que já foi objecto de pública denuncia por parte do primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte numha recente entrevista concedida ao diário alemám Süddeutsche Zeitung: “Observem o dumping fiscal praticado por Holanda através de milhares de multinacionais que privam a Uniom Europeia de mais de 9.000 milhons de euros cada ano, segundo revela a Tax Justice Network”.

Vale a pena cifrar os benefícios corporativos desviados dos 21 países europeus prejudicados: 115.150 milhons de euros cada ano. A força que impulsiona a corrente transferencial sul-norte é a diferencial no tipo meio efectivo aplicado: 23,9% nos países expropriados — que renderiam 27.547 milhons de euros — contra o 3,4% dos expropriadores que só rendem em volta de 3.900 milhons. Como é fácil observar, entre os primeiros há umha gama diferenciada de tipos que também há entre os segundos: o tipo meio holandês fica em 4,92% sobre os resultados gravados entanto Luxemburgo nom passa de 0,75%; verdadeiro prezo de amigo.

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Nom estará de mais lembrar as rendas por habitante implicadas: 26.440 euros de PIB por habitante de Espanha, 102.200 euros por habitante em Luxemburgo, com Holanda em 46.820 euros por habitante. O dinheiro flui dos pobres aos ricos como bem sabe El Roto.

Escusado recordar que as práticas de evasom impositiva ultrapassam amplamente as fronteiras do velho continente europeu; os cofres do tesouro seguem mostrando explicável querença polas míticas ilhas do Caribe.

O índice sintético anual de paraísos fiscais, elaborado pola TJM partindo de um conjunto de vinte indicadores, permite debuxar a mapa-múndi na sua devida proporçom. No informe relativo ao ano 2020, cinco destinos dos lucros transeuntes superam o índice 1.000 no ranking da TJN: as Ilhas Caimám (1.575), os E.U.A. (1.487), a Suíça (1.402), Hong Kong (1.035) e Singapura (1.022). Seguem-nos de perto Luxemburgo que ocupa o sexto lugar (849) e Holanda no lugar oitavo (682). Algo mais afastados pairam o Reino Unido e a Alemanha na pouco recomendável companhia das Ilhas Virgens, os Emiratos e Panamá. Território corsário.

Um honorável condomínio de piratas fiscais que gostam de içar a bandeira da virtude e a frugalidade sempre mais vistosa que a bandeira pirata de toda a vida. Poucos ousam mexer nas suas sigilosas práticas veladas por discreto biombo protector trás do qual o mesmo podes encontrar um rei emérito de Espanha que um molt honorable ex-president com residência em Catalunha e conta bancária em Andorra.

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