Melancolia da revoluçom impossível

'Una lenta impaciencia', de Daniel Bensaïd © Viento Sur

Política melancólica, melancolia do político: confrontada à incerteza dos resultados, a política toma a inevitável forma de aposta. Quando o necessário e o possível divergem, a aposta acaba tornando-se melancólica. Daniel Bensaïd: “Umha lenta impaciência

A desesperança revolucionária, a crise do meta relato, trouxérom afinal o pensamento débil da multiculturalidade e a tolerância

Iluminado por quimeras políticas redentoras, o século XX foi extremamente belicoso. Duas guerras mundiais prolongadas no ciclo revolucionário da descolonizaçom iniciado com a independência da Índia em 1945 e culminado com a deflagraçom dos impérios coloniais africanos com ponto final no colapso do império africano português em 1973. O fulgor e colapso da miragem comunista resolvida finalmente em capitalismo mafioso ou capitalismo de Estado refractários aos valores democráticos. E no meio, movimentos de violência massiánica e insurgência subversiva como os dos setenta e oitenta na Europa e os de tipo guevarista e foquista que abalárom América do Sul com Cuba como paradigma impossível passando polo terrorismo de ETA em pós de um extemporâneo e quimérico programa de libertaçom nacional e socialismo. Um horizonte quimérico e sacrificial com amargo sabor a derrota e melancolia final, temperado em molho neoliberal, de final incerto a dirimir entre um planeta doente e um punhado de blocos em conflito.

Um século curto que enterrou definitivamente a miragem messiánica de um homem novo numha sociedade fraternal nascida por parto violento. A revoluçom libertadora sempre fracassada mero transunto da parusia cristã. Teologia política para tempos de descrença da pós-modernidade dessacralizada.

A desesperança revolucionária, a crise do meta relato, trouxérom afinal o pensamento débil da multiculturalidade e a tolerância relegando o incessante labor da velha toupeira mítica no subsolo da história ao reino da fábula.

Dous livros de recente apariçom espelham com luz viva esta olhada crepuscular do irremediável ocaso das esquerdas revolucionárias que pretendiam instaurar a nova sociedade da razom do trabalho frente ao domínio do capital. Coincidem ambas no irredutível discurso de tradiçom trotskista, radicalmente antiautoritária e internacional.

Os livros a que aludo, de recente apariçom, tenhem algo de depoimento final e desenganado da inutilidade de anos de militáncia por umha sociedade emancipada sempre evasiva

Os livros a que aludo, de recente apariçom, tenhem algo de depoimento final e desenganado da inutilidade de anos de militáncia por umha sociedade emancipada sempre evasiva. Um inatingível ponto de fuga que inspirou a paixom política de dous activistas entregados e intelectuais rigorosos por sinal. O italiano Enzo Traverso e o judeo-francês Daniel Bensaïd1.

A ironia do destino quijo irmaná-los já em tempos de derrota, Em 1992, “no ponto mais baixo da onda”, ambos coincidirám na SPRAT, “Sociedade para resistir o ar do tempo” (!), 50 participes que se reunem com periodicidade mensal para intercambiar ideias, o convívio durou dez anos. Entre os concorrentes podemos ver escritores de êxito como Giles Perrault ou a François Maspero, fundador da livraria La Joie de Lire de Paris, ponto de encontro obrigado de clandestinos e exilados; ou Micael Löwi, marxista brasileiro assistente de Poulantzas e tantos outros que acompanharám os nossos memorialistas da melancolia da derrota e a vindicaçom da lenta impaciência em espera de outra reviravolta da dialéctica do tempo.

A atitude final de Bensaïd descansa no refúgio na moral marrana que ele exemplifica nos rebeldes vencidos que nom renunciam á possibilidade do acontecimento messiánico redentor; Walter Benjamin como paradigma, Bloch como testemunha de espera, Espinoza e Uriel d'Acosta, marranos sefardis portugueses, como profetas de rebeldia ilustrada. A atitude marrana frente ao colapso do socialismo. Umha lenta impaciência atenta ao acontecimento, conectada com a tradiçom revolucionária clássica e ressitente à grisalha pós-moderna, necessariamente transitória, poderia resumir o lúcido e dolente pensamento de Bensaïd.

A atitude final de Bensaïd descansa no refúgio na moral marrana que ele exemplifica nos rebeldes vencidos que nom renunciam á possibilidade do acontecimento messiánico redentor

O operaísmo, o autonomismo, que orientárom a actividade política do professor Traverso, impregna um discurso sócio-libertário progressivamente desencantado mas nunca abandonado que guia as suas investigaçons históricas, próximas sempre à memória dos vencidos com Auschwitz como paradigma incontornável.

Bensaïd narra a sua inevitável peregrinaçom à Casa Museu de Leon Trotsky no distrito de Coyoacán da Cidade de México, onde morou com a sua segunda esposa no breve lapso entre abril de 1939 e agosto de 1940 em que caiu abatido polo piolet assassino de Staline. Vagam por ali as sombras do amor fugaz com Frida Kahlo e a do filósofo John Dewey que aceitou presidir a Comissom que julgou o contencioso histórico de Trotsky frente a Staline sobre os juízos de Moscova que absolveu o profeta internacionalista desarmado. Rememoro a minha própria visita ao lugar de memória impregnado ainda dos vestígios da aventura da IV Internacional, último avatar da Revoluçom de Outubro.

Trotsky, signo derrota da revoluçom impossível para Daniel Bensaïd, tradiçom militante abandonada polas orquídeas silvestres que acabárom substituindo a fé revolucionária de Richard Rorty depois de ter seduzido a dos seus pais, amigos de John Dewey e trotskistas de coraçom. Conta-o o filósofo na sua esplêndida apologia "Trotsky e as orquídeas silvestres". A selva trotskista é pródiga em letrados e eruditos imunes a desalento e derrotas treinados na ironia.

Navegar as águas da revoluçom sempre fracassada e nunca cancelada que inspirou o marxismo ocidental e a tradiçom trotskista jaz agora no rescaldo das sucessivas capas de cinza que a história foi deitando

Navegar as águas da revoluçom sempre fracassada e nunca cancelada que inspirou o marxismo ocidental e a tradiçom trotskista jaz agora no rescaldo das sucessivas capas de cinza que a história foi deitando. Tradiçom aletargada e fonte de inspiraçom latente frente ao pensamento único da razom do poder.

Convido os amigos interessados em visitar a morada nunca encerrada da velha toupeira da história a umha breve incursom guiada pola experiente voz de um analista galego de nome Brais Fernández, companheiro fugaz de Praza Pública, cuja voz ecoa agora a impulso do vento sul2. Um analista lúcido e paciente do projecto revolucionário, na espera talvez do acontecimento que o faga emergir de novo como quer o marxismo cálido e a irredutível esperança marrana.

 

Notas

1 Enzo Traverso (2019): Melancolia de la izquierda. Después de las utopías, Galaxia Guttenberg, Barcelona.

Daniel Bensaïd (2018): Una lenta impaciencia, Editorial Sylone, prólogo de Jaime Pastor.

2 https://vientosur.info/spip.php?article15063. “Viento Sur”, https://vientosur.info/spip.php?rubrique1, é umha revista bimensal de esquerda alternativa e anticapitalista nascida em 1992 com umha redacçom presidida por Jaime Pastor, depois de morto Miguel Romero, duas referências ineludíveis do marxismo de tradiçom trotskista em Espanha. A Redacçom integra o analista galego Brais Fernández e se prolonga num amplo Conselho Assessor onde podemos reconhecer umha ampla representaçom da esquerda crítica e militante de vocaçom anticapitalista.

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