Metamorfoses da política: o ascenso dos astrólogos

Metamorfoses da política: o ascenso dos astrólogos Dominio Público Remitida

O exercício do poder precisa de umha sólida côdea protectora que o proteja da intempérie mediática e da hostilidade opositora. No quadro de mandos, a equipa de astrólogos de serviço esquadrinha sem descanso indicadores sociais e mensagens hostis em procura do material com que cozinhar o menu apologético diário. Na sociedade liquida e irreflexiva em que vivemos, a batalha polo relato é o ponto fulcral. A mentalidade de sítio que impregna os corredores do poder vê-se obrigada a confrontar-se com a narrativa adversa empenhada em difundir a imagem de um cenário de desastre e incompetência instalada no vértice do poder. 

Nas ruas e fogares, no entanto, o balbordo da retesia chega muito atenuado por causa da premente urgência do viver: topar trabalho, chegar a fim de mês, inventar um futuro para os filhos, conseguirem estes acederem a um meio de vida decente, acompanhar a longevidade dos velhos que o progresso sanitário converte em conflituosa eternidade. O amargo assédio á vida elementar que a miragem do jogo político pretende suplantar.

Há quase cem anos justos, em 1919, recém-concluída a Grande Guerra que ia varrer a imperturbável ordem liberal, publicava Max Weber um brilhante opúsculo, resumo de umha conferência universitária prévia, titulado A política como profissom. Faltava um ano apenas para ele morrer. No opúsculo, compilava o insigne sociólogo os traços definitórios da profissom política. Os mecanismos de legitimaçom e liderança, o poder carismático que o líder devia ostentar e, por cima de todo, a crucial disjuntiva que deveria afrontar como guia para a acçom: aderir à ética da convicçom, atenta apenas aos princípios, ou praticar a ética de responsabilidade, atenta às previsíveis consequências dos actos de governo. Sem convicçons a liderança degenera em trivial oportunismo, sem exercício da responsabilidade, em perigoso aventureirismo. Concluía Weber a disertaçom com o famoso postulado de raiz hobessiana do uso legítimo da violência como atributo do Estado que ia marcar o século que nascia e seria reformulado em seguida por Carl Schmitt: a essência da política reside no radical antagonismo amigo ↔ inimigo.

A incessante pugna por impor o quadro interpretativo próprio na barafunda mediática dá passo a diversas estratégias. Algumhas, pretendem fidelizar a audiência mediante o uso de categorias políticas desnaturalizadas para evitar o rechaço. Outras entregam-se ao grau zero do discurso, o chio digital, como arma branca com que apunhalar o adversário. A primeira, mais habitual no arsenal retórico da esquerda, a segunda no da direita.

Exemplo da primeira da estratégia de promover o uso de vocábulos desnaturalizados para evitar o rechaço do receptor é a brilhante série promovida polos ideólogos de Podemos. Termos inócuos como gente, casta, coralidade, inscritos, regime do setenta e oito para aludir sem transmitir agressividade a povo, oligarquias, democracia interna, militância ou regime constitucional. A estratégia de minimizar o rechaço da audiência mediante a transformaçom do léxico operativo em significantes vazios — que é o que pretende o léxico substitutivo — tem a sua origem nos laboratórios dedicados a destilar as fórmulas da hegemonia transformadora desenhados polo populismo pós-marxista latino-americano. Com igual orientaçom e menor ambiçom teórica prolifera também a estratégia adaptativa do esfuminhado das categorias políticas fulcrais da política quer seja com intençom transformadora quer reaccionária. Observemos o abuso maçante do adjectivo progressista por parte do PSOE e, no campo contrário, o manuseio do substantivo liberdade por parte do PP e mesmo de Vox. Torpes jogos de linguagem para tentar influir no inveterado conservadorismo social oposto a toda estridência.

O papel de educador de príncipes chega a fazer-se imprescindível no caso de liderados precários submetidos a hostilidade mediática frontal e a um entorno político implacável. Tal foi o caso do fugaz ascenso de Anxo Quintana ao governo bipartido presidido Tourinho

A preguiça reflexiva das audiências políticas e a sua insaciável demanda de contundência verbal contra o adversário encontrárom o seu formato óptimo no simples ex abrupto encerrado em 120 caracteres, marca Twitter. Prova do êxito é a recente ampliaçom do formato a 240 caracteres a fim de equipará-lo á admirável concisom icónica do chinês, o japonês e o coreano. Exíguas mensagens para consumo de adictos. Todo um presidente dos Estados Unidos adoptou com infantil entusiasmo o chio digital para governar a República Imperial e mesmo para franquear a entrada no seu Congresso a umha violenta turba tribal. Grau zero de texto para grau zero de cidadania: o We the people fundacional degradado a consigna peremptória para mobilizar umha turba amorfa recrutada na dilatada geografia do ressentimento social.

Um laborioso enxame de especialistas em marketing político afana-se nas chancelarias em inspeccionar e examinar antecedentes e inquéritos, no meticuloso desenho de actos públicos e campanhas, na selecçom de gracejos e frases memoráveis com que vestir a nudez do líder exaltado ao cume do poder: o complexo da Moncloa, a asa oeste da Casa Branca, o Palácio do Eliseu, o 10 de Downing Street. Ataviar o imperador espido é o árduo labor dos astrólogos de serviço.

O papel de educador de príncipes chega a fazer-se imprescindível no caso de liderados precários submetidos a hostilidade mediática frontal e a um entorno político implacável. Tal foi o caso do fugaz ascenso de Anxo Quintana ao governo bipartido presidido Tourinho. O relato pormenorizado do cruel assédio e aniquilamento do aspirante foi objecto de perspicaz análise no ensaio dedicado por X. R. Quintana Garrido ao tortuoso caminho tracejado polo BNG desde o seu nascimento como frente patriótica até o seu penúltimo avatar no governo de coaliçom 2005-2009, antes do penoso colapso encenado em Ámio 2012. Naquela ocasiom, o bisonho aspirante que sonhava em converter-se no Artur Mas do nacionalismo galego viu-se na obriga de contratar apresa os serviços de um experimentado politólogo e agudo comunicador profissional como Antom Losada para tentar acometer a aventura política do seu liderado. A operaçom fracassou por umha conjunçom de factores adversos entre os que destacam a feroz guerra mediática desencadeada por La Voz de Galicia e a cínica campanha sobre o suposto luxo asiático imperante em Sam Caetano encabeçada polo senhor Feijóo antes de professar na augusta ordem dos líderes virtuosos e clarividentes. Um autêntico aquelarre instigado desde um interessado tribunal mediático.

Outra cousa é a selva mediática madrilena onde príncipe e aspirante aprendem a contender na arte da mútua dependência. Substituído Iván Redondo por Félix Bolaños por inescrutável desígnio do César, o governo vela armas para o tramo final da legislatura flanqueado polos arúspices da direita: Miguel Ángel Rodríguez, MAR, como avezado cozinheiro do procés encenado na Porta do Sol e Teodoro García Egea o astrólogo de serviço empenhado em converter o seu improvisado líder em prodigioso redentor da inverosímil ladainha das desgraças pátrias.

O eco dos seus oráculos permanece sem embargo como ameaça latente; Mateu Salvini, Viktor Orban, Nigel Farage, Geert Wilder, Santiago Abascal, Jair Bolsonaro contam-se entre os seus fervorosos adeptos. Astrologia propiciatória da xenofobia supremacista animada polo ressentimento social que infecta as democracias

O alto tribunal da corporaçom astrológica é ocupado por astrólogos superlativos de audiência internacional. É o caso de Steve Bannon. Educado nas universidades norte-americanas de elite, habilitado no mundo das finanças em Goldman Sachs, estratego da direita alternativa, alt-right, afortunado publicista no site de extrema direita Breitbart News, racista em exercício, Steve Bannon sacrificou todo para comprometer-se na iníqua campanha presidencial do Donald Trump cujo êxito aliás provocou o fim do seu poder, reclamado em exclusiva polo magnate sem par. O eco dos seus oráculos permanece sem embargo como ameaça latente; Mateu Salvini, Viktor Orban, Nigel Farage, Geert Wilder, Santiago Abascal, Jair Bolsonaro contam-se entre os seus fervorosos adeptos. Astrologia propiciatória da xenofobia supremacista animada polo ressentimento social que infecta as democracias. Outro produto da elite universitária, Boris Johnson, líder da Gram-Bretanha crepuscular que conseguiu culminar a épica da Ínsula Baratária do Brexit da mão do seu astrólogo de serviço Dominic Cummings, autor do mágico esconjuro recuperemos o controlo! com que soube reanimar o ressentimento latente nos distritos golpeados pola crise económica durante a campanha de 2016. A pós-verdade como picaranha para a demoliçom da Uniom Europeia.

A ordem conduz todas as virtudes, mas, quem conduz a ordem? matinava G.C. Lichtenberg.

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