O caminho do republicanismo galeguista

Placa no lugar onde se fundaron as Irmandades na Coruña CC-BY-SA Jorges65

A Galiza passou nas últimas décadas de país rural a ser principalmente urbano. Mesmo ao que parece os galegos e galegas infelizmente deixaram de usar de jeito maioritário a sua língua própria. O ideal de uma democracia de labregos e mareantes que tinham os galeguistas no passado e, se calhar, outros galeguistas no presente, os dos anos setenta e oitenta, em forma de fantasia ou ilusão de verem um país de lareiras acesas mas moderno, fica cada vez mais longe de ser cumprido. Agora muitas dos traços identitários galegos estão em perigo, porque também o atual Estado espanhol, teimosamente uniformador, liquidador e recentralizador, apresenta uma influência ideológica em nós que nunca foi tão abafante.

Um galeguismo ou nacionalismo galego clássico, de teorização alemã, étnico-cultural e fitcheano, assentado exclusivamente no “volkgeist”, no tradicional espírito do povo, não parece ser o mais oportuno e rendível para estes tempos

Vivemos no acelerado mundo contemporâneo em sociedades muito massificadas, diversas e miscigenadas, influídas pela globalização mediática, nas que a residência permanente da população nativa num espaço se torna mais díficil e às que chegam inúmeras pessoas doutras terras. E com as tendências demográficas atuais e com a ideologia espanholista, na sua expressão nacional-católica mais conservadora, em expansão, convertida em moda pelos meios, não resulta estranho imaginar nos próximos anos uma Galiza povoada em boa medida por pessoas de origens forâneas, que se exprimam só em castelhano e, o que é ainda pior, com uma cosmovisão política e social, tão mesetária como própria de tempos pretéritos.

Um galeguismo ou nacionalismo galego clássico, de teorização alemã, étnico-cultural e fitcheano, assentado exclusivamente no “volkgeist”, no tradicional espírito do povo, não parece ser o mais oportuno e rendível para estes tempos. Não se trata com certeza de renunciarmos à língua e à identidade galega, mas sim de reivindicarmos e promovermos um galeguismo moderno, transversal e inclusivo, que seja exponente na Galiza de democracia, de liberdade e de republicanismo.

Penso naqueles e naquelas galeguistas republicanos urbanos das Irmandades da Fala da Crunha de começos do século passado, para mim a etapa mais criativa, produtiva e transcendental do galeguismo na sua história. Penso especialmente naquelas mulheres da Agrupamento Republicano Feminino da Crunha dos anos trinta, em Amparo López Jean, em Elvira Bao, em Maria Miramontes, feministas, republicanas e galeguistas, que trabalharam sem sossego pela ilustração, emancipação e o progresso das mulheres e dos homens da Galiza.

Penso naqueles e naquelas galeguistas republicanos urbanos das Irmandades da Fala da Crunha de começos do século passado, para mim a etapa mais criativa, produtiva e transcendental do galeguismo na sua história

Imagino, pois, nesta sociedade contemporânea de identidades culturais múltiplas, um novo galeguismo atualizado, abertamente abrangedor e republicano, que incorpore a pessoas de origens forâneas, mesmo que se expressem inicialmente noutras línguas, para tratar de constituir com todas elas uma ativa comunidade social e política que seja democrática, livre e emancipatória.

Porém, outro nacionalismo, como o espanhol, que não reconhece publicamente a sua existência, no entanto é comprovadamente expansivo, supremacista castelhano, muito conservador na ideologia, monárquico e nacional-católico, na sua versão mais conhecida -a única que parece existir-, ainda que se disfarce agora com um pretenso “constitucionalismo”, não pode ocultar na prática o seu marcado cariz identitário e reacionário. Esse nacionalismo vergonhoso, que desde Felipe V, o primeiro rei bourbon espanhol, pretende a uniformização e a centralização, causante do perpétuo problema territorial, originou como defesa perante ele que aparecessem e continuem muito vivos o galeguismo, o catalanismo e o basquismo.

Pode-se assegurar sem sombra de dúvida que na periferia se encontram até à data as pessoas com menores preconceitos culturais e políticos e com maior espírito de diálogo e de acordo, e os movimentos sócio-políticos mais democráticos e avançados do Estado espanhol. O galeguismo, por exemplo, como movimento político e cultural libertador, não só defendeu as essências da Galiza, a sua harmoniosa e útil língua galego-portuguesa, uma das grandes do mundo, senão sempre lutou com generosidade pela democratização real da sociedade, pelas liberdades e pelos avanços sociais. E constituiu nos últimos três séculos uma das partes mais democráticas, ilustradas, dinámicas e solidárias da sociedade galega. Não temos, portanto, motivos razoáveis para uma baixa autoestima, para a timidez e a insegurança. Como também, como é lógico, não os tem o povo catalão, do que, a diferença de nós, dessa realidade é muito consciente.

Imagino nesta sociedade contemporânea de identidades culturais múltiplas, um novo galeguismo atualizado, abertamente abrangedor e republicano, que incorpore a pessoas de origens forâneas, mesmo que se expressem inicialmente noutras línguas

Desde um centro intolerante oferecem-nos mais monarquia, mais nacional-catolicismo e uma sociedade hierarquizada e encapsulada no tempo. Têm algo motivador e em verdade atraente as ideias que nos vendem todos os dias desde a chamada “caverna mediática” que não seja uma volta ou uma permanência no passado mais rançoso? E nós, desde aquí, para os galegos de origem e os novos galegos imigrantes incorporados, ao nosso, a difundir respeito pelas pessoas, línguas e culturas, a semear ilustração, liberdades, diálogo, profundização da democracia, republicanismo, laicismo e europeísmo, e um projeto de sociedade mais em consonância com o deveria ser o século XXI. 

Da comparação mais objetiva, sem dúvida que saímos ganhando. E isto haverá que repetí-lo todas as vezes que sejam necessárias até que se veja e se saiba por todos e todas.

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