Y prendido a la magia de los caminos,
El arriero va, el arriero va.
O cantar do arrieiro tem algo que contagia o ouvinte de saudades de caminho solitário, quer seja da imensa pampa de Atahualpa quer dos esvaecidos caminhos da Galiza tradicional. “Quem canta o seu mal espanta”, sabia já dom Quixote, perito em caminhos solitários. A aura da melodia e a letra dos cantos galegos de arrieiro chegou intacta até a nós graças aos nossos grandes cancioneiros modernos, o de Casto Sampedro e Folgar1 e o de Bal y Gay2.
Os velhos caminhos que traguiam e levavam gentes e abastecimentos de origem longínqua constituíam o sistema circulatório do Antigo Reino tardo-barroco que evoca o mapa de Tomás López (1784)3 e submete a conta e razom a memorável Descripción económica del Reyno de Galicia (1804) de Lucas Labrada. A província de Ourense, aponta Labrada na secçom dedicada aos caminhos, expedia cada ano 3.200 milhares de arrobas de vinho, quer dizer, por volta dos 50.000 litros, mormente destinados a Santiago (7.000 vizinhos), Betanços (4.000) e A Corunha (3.000), permanentemente afligidas de sedes peremptórias. O professor Fernández Cortizo, ilustra-nos sobre a geografia económica do arrieiro4. A comarca da Terra de Montes, entre as províncias de Pontevedra e Ourense, presidida polo mosteiro de Acibeiro, desempenhava um papel fulcral como nodo de conexom entre o Ribeiro de Avia, Compostela e as Rias. Em Compostela, o estamento eclesiástico, o Hospital e a buliçosa vizinhança picheleira fôron desde sempre leais devotos de ceras e vinhos do ribeiro. Apreendemos no professor que os traficantes de cera da Terra de Montes contavam em 1792 com mais de 50 indivíduos implicados, segundo consta no Cadastro de Ensenada. Tanto santo e tanta festa de guardar tiravam do negócio como bem saberia Francisco Rodríguez Arijom, honrado negociante cereiro compostelano e avó de dom Olímpio, eminente banqueiro da cidade.
Os arrieiros, que som almocreves em Portugal desde o século XII, é ofício velho, apto para anda-caminhos tentados de misantropia ou quiçá de espírito empreendedor e bom tino com contas e bestas.
Os arrieiros, que som almocreves em Portugal desde o século XII, é ofício velho, apto para anda-caminhos tentados de misantropia ou quiçá de espírito empreendedor e bom tino com contas e bestas.
Ofício solitário, o arrieiro nunca deixou de cantar para ocupar a mente na sua lenta geografia de caminhos e pousadas. Canto extrovertido e circunspecto que tem no alalá o seu formato perfeito, banda sonora do vagabundeio solitário para escorrentar as horas. Dom Casto Sampedro acolhe na secçom dedicadas aos cantos de arrieiro no Ribeiro a estrofe de todos conhecida: “O cantar do arrieiro / é-che um cantar mui baixinho/ cantam-no em Rivadávia / ouve-se no Carvalhinho” e o grande Alan Lomax grava-o em 1952, em Luintra e Hio. Cantar mil vezes repetido por toda a nossa geografia musical em múltiplas vozes, das mais clássicas às mais populares, todas elas impregnadas desse ar suspenso de salmodia solitária.
Na laboriosa vadiagem de ponto a ponto de descanso nom pode faltar a lembrança do lazer e o esperado descanso: «Arrieiros de Moranha / vam polo Paranho arriba / Mocinhas de Vilapouca / tende-lhe a carne cozida». Carne cozida, carne rixada de Forcarei, carne ao caldeiro, vianda sonhada do caminhante servida por mocinhas espilidas de taverna certa no meio do caminho. Três som as Vilapoucas galegas, além da portuguesa, perto, por sinal, da fronteira galega no seu estremo oriental.
Mas, antes do lazer, está a sede de água do caminho para homens e animais. A miragem da água degorada que fijo nascer o milagre. Corria o ano 1778 quando um piedoso arrieiro de nome Sebastiám de Castro, nascido em 1725 e vizinho do lugar da Roça Velha, freguesia de Amil, determinou cavar umha mina de água para ele e a sua récua itinerante. Tam abundante e providencial brotou que até deu para mover um moinho, um tesouro. Louvada seja Nossa Senhora que atendeu com tanta magnanimidade a ressequida prece. A piedade exemplar do senhor Sebastiám e a sagaz iniciativa do muito zeloso abade de Sam Mamede de Amil, dom Pedro Velai, levantárom o venerado santuário de Nossa Senhora dos Milagres de Amil, nascido como bem se vê de umha história digna da Flos Sanctorum de Jacobo de la Vorágine.
Cançons de arrieiros, milagres de gente errante, ofícios e tempos que já ninguém relembra perdidos sem remédio como as diligentes mocinhas das tavernas de antano.
1 Casto Sampedro e Folgar (1943): Cancioneiro Musical de Galicia, Museu de Ponte Vedra, dous tomos.
2 Bal y Gay, Jesús; Martínez Torner, Eduardo: Cancionero Gallego, Fundación Pedro Barrié de la Maza.
3 Mapa do Reino de Galicia de Tomás López (1784) https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d9/Mapa_geogr%C3%A1fico_del_Reyno_de_Galicia_1784.jpg
4 Camilo J. Fernández Cortizo (2008): “Arrieros y traficantes en la Galicia rural de la época moderna”, Revista Obradoiro de Historia Moderna, 17, pp. 331-358. Disponível na Rede. http://www.usc.es/revistas/index.php/ohm/article/view/459/463