O devalo da maré

Estamos já em campanha, resta apenas votar e recontar resultados. No país, poucas esperanças de mudança e múltiplos signos de que a franja eleitoral comprometida com um projecto nacional mobilizador segue na espera de algo acontecer. O debate pré-eleitoral entre candidaturas serviu mormente para confirmar na fé a militantes e achegados e decepcionar o activismo social emergente.

O fracasso do projecto de candidatura unitária e transversal capaz de assegurar grupo parlamentar galego nas Cortes, esgalhou finalmente em duas: umha de raiz nacionalista, “Nós”, e a outra assinada como cívica e rupturista: “Em maré”. O intento de apaziguar xenreiras crónicas e superar preitos enquistados mediante um processo de confluência cooperativa fracassou apesar de se darem condiçons propícias. Um movimento nacionalista atordoado em procura de renovaçom, que chegou mesmo a oferecer as próprias siglas em tributo ao acordo, e umhas marés municipalistas em risco de diluiçom caso nom acertarem a articular-se a nível galego como ensinam as redes cívicas catalás.

O processo já gorado lembra a pugna aquela entre a Caixa do norte e a do sul resolvido em Abanca, capital venezolano por meio. Trabalhar para inglês, chama-se isso. Nom deveríamos esquecer que é a conjuntura a que determina os resultados e configura as estruturas e que as oportunidades tenhem o péssimo costume de nom prodigar-se.

Mestiçagem era o desafio. Sem mestiçagem, a candidatura Nós, fortemente conotada de nacionalismo orgánico, servirá para confirmar o BNG no seu habitual autismo. Com mestiçagem, a candidatura cívico rupturista acabou acondicionando um discreto campo de aterragem para a aeronave Podemos com a EU em papel de co-piloto. Más notícias para a reconfiguraçom pendente do nacionalismo e más também para a IU de Alberto Garzón, que merecia melhor sorte. O colorante nacionalista da candidatura cívica serviu mormente de catalisador. A nostálgica referência ao PG na Frente Popular dos anos trinta é um benevolente exercício de ucronia para consumo interno.

No curso da refrega pola uniom há episódios inexplicados como a lamentável auto-exclusom de Suso Díaz por parte de Nós e o rejeitamento de Manolo Lago pola Maré. A ortodoxia partidária nunca se confunde: a política para quem a trabalha.

Caso alcançar grupo parlamentar ambas candidaturas se comprometem a desenvolver um programa de mudança política em chave galega, que era o objectivo primordial da candidatura de confluência. Descartada tal possibilidade, os eleitos de Nós integrarám-se no Grupo Misto e os da Maré, ou marusia, situarám o Gómez Reino no grupo de Podemos e a Yolanda Díaz no de IU. Isso, caso de Alberto Garzón alcançar grupo parlamentar, de assi nom ser, circunstáncia que lamentaríamos, Yolanda acompanhará os eleitos de Nós no Grupo Misto numha espécie de regresso à confluência impossível.

Teria alguém previsto a centrifugaçom do projecto de candidatura unitária? A hipótese nom é totalmente descartável. Examinemos o escorregadio conceito de “sujeito político galego”, tam funcional apesar de todo. Lembram?: “É fundamental construirmos um “sujeito político galego” a federar com Podemos” declarava Gómez Reino a princípios do mês de setembro sem ninguém o contradizer. Surpreende em todo o caso a generosa prodigalidade de Anova na promoçom do tal “sujeito político”, sacrificando mesmo a legítima aspiraçom que lhe supomos a desenvolver um projecto político próprio, como o acometido por Esquerda Galega no seu tempo, por aduzir um exemplo pertinente. Nacionalismos em conflito: nacionalismo granítico do BNG frente a nacionalismo poroso de Anova. Será impossível qualquer convergência futura? A reiteraçom das respectivas posiçons nos próximos comícios galegos? Poucas esperanças de mudança em tal caso para o Parlamento: displicente surdez nos bancos do poder, lamento interminável polos males da pátria e impropério exasperado nas bancadas nacionalistas.

O fracasso da candidatura unitária deixou desiludidos, entre os que me conto, mas também congregantes confirmados na própria fé. É o caso, segundo podo observar, de Antom Dobao, filólogo ligado à Trabe de Ouro e membro activo das Redes Escarlatas, esse colectivo objecto de umha brilhante análise de Isaac Lourido1.

Defende o Dobao num recente artigo em Praça a tese de Em maré ser a panca mobilizadora do processo de emancipaçom das classes populares e do advento da República Galega. Emancipaçom e República som objectivos partilhados polo BNG, por aí nom deveria haver problema. Tampouco pola comum preferência reiterada de subordinar a agenda política imediata á hipotética agenda dum futuro de máximos improváveis. A questom é que o votante actual de todo signo aprendeu a ponderar propostas e a desconfiar de utopias improváveis.

A retórica do discurso político deveria ser revisada com urgência. A leitura de George Lakoff seria recomendável, ou sem mais umha atenta observaçom do desempenho dos líderes mediáticos do 20-D diante das cámaras. Llaneza, muchacho, no te encumbres, que toda afectación es mala aconselhava Maese Pedro e nom é mal preceito político. O processo emancipatório das classes subalternas ficaria na bem conhecida dinámica de degradaçom das classes médias actualmente em curso e a República Galega seria submetida a contraste com a persistente adesom à monarquia.

Nom é bom reiterar objectivos incertos: é outra maneira de trabalhar para o inglês bipartidista. Vestir o discurso político em roupa de diário é requerimento de hegemonia gramsciana. Convocar as classes populares, ou subalternas  ou médias  demanda umha locuçom verosímil sem sacrificar a dimensom utópica. Pablo Iglesias vai mais avançado na carreira pola supressom das dessintonias discursivas. Os companheiros nacionalistas deveriam tomar nota.

Opina Dobao que a etiqueta nacionalista serve apenas para ocultar os antagonismos de classe sob o ilusório manto de umha futura Galiza arcádica. Sem negar o que tem de certeiro a reflexom, deveríamos concordar em que a proclamada República das multitudes, dinámica, imprevisível e armada de nascimento dos “aparelhos institucionais autónomos” prontos a usar em favor das classes subalternas nom é mais realista. Também opina que o marasmo que adoenta a política galega estriba na trípode estabilizadora [direita - esquerda – nacionalismo] cuja derrogaçom encomenda às marés cívicas. Contodo, nom deixa Antom Dobao de introduzir a cláusula cautelar de que a autêntica tarefa consiste em “acumular forças”: a consabida receita da paciência revolucionária como antídoto aos excessos programáticos. Nom há atalhos na paciente tarefa de configurar maiorias sociais transformadoras.

Os anos trinta som o cenário comum preferido pola ortodoxia nacionalista e a heterodoxia cívico-rupturista. É ali onde mora o cordial espectro de Castelao e se desenvolve sem travas o épico enfrentamento de classes. Onde conflui o Partido Galeguista de Bóveda e Castelao com a “República de trabalhadores de toda classe” do primeiro artigo da Constituiçom republicana. Mas a história é irreversível como sabemos, e quando se repete tende a degenerar em artifício teatral segundo afirmam os clássicos. A Espanha que habitamos, integrada na UE e interdependente num mundo em rápida mutaçom é o cenário inevitável em que havemos de formular a estratégia precisa, o mesmo que fijo a geraçom de Castelao no tempo que lhe tocou viver. Essa é a liçom.

Ficamos à espera dos resultados do 20-D e das mudanças, talvez decisivas, que nos depare a próxima legislatura onde a Galiza concorrerá de novo em posiçom passiva, sem perfil específico nem expectativas mobilizadoras. Por enquanto, e sem demasiado entusiasmo ante umhas listas previsíveis, o meu voto será para Nós na espera de que algo, nom sei bem quê, poda mudar e acabe convocando a vitalidade adormecida do país.

 

NOTAS

1- Isaac Lourido (2014): Livros que nom lê ninguém. Poesía, movimentos sociais e antagonismo político na Galiza, Através Editora, Santiago.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.