A terra, o principal activo das sociedades agrárias de onde todos provimos, esmorece pola debandada dos seus antigos moradores e os seus descendentes. Mentres, a periferia urbana atrai a gente em procura de umha vida melhor. Sucursais bancárias, quiosques, supermercados, convívio mais doado, sem esquecer o acesso a internet, som luxos improváveis para quem resiste ainda no lugar dos antepassados. O território abandonado oferece-se inerme entanto ao lume descontrolado e ao progressivo retorno dos animais liberados da ameaça humana mas também à promessa de lucro rápido encarnada nos parques eólicos e as massas arbóreas de crescimento rápido. A sede inveterada do trabalho colectivo e o convívio paroquial vai virando a activo negociável ao dispor do melhor oferente.
Os mapas falam claro, o tecido demográfico europeu tradicional enrarece-se há tempo cara o seu extremo leste e sul e concentra-se cara Bélgica e o Canal da Mancha. Paralelamente, Espanha esvazia-se aceleradamente ao ponto de suscitar já um amplo movimento de resistência convertido em atractiva bandeira política por todos imitada
Os mapas falam claro, o tecido demográfico europeu tradicional enrarece-se há tempo cara o seu extremo leste e sul e concentra-se cara Bélgica e o Canal da Mancha1. Paralelamente, Espanha esvazia-se aceleradamente ao ponto de suscitar já um amplo movimento de resistência convertido em atractiva bandeira política por todos imitada. Umha sorte de neocantonalismo emerge com vigor. A península italiana parece resistir de momento ancorada a Europa pola poderosa planície paduana ao norte e o incomovível reitorado romano, sempre instável e objecto de crescente preocupaçom em Bruxelas.
Quanto a nós, galego-portugueses, um longo convívio secular ensinou-nos a configurar umha sólida frente económica e demográfica litoral nom isenta de indissimulável desconfiança desde as respectivas capitais sempre zelosas de fronteiras claras. Os planos de modernizaçom ferroviária, a competência aeroportuária e a pugna polo acesso aos fundos comunitários som objecto de larvada competência entre Lisboa e Madrid sem prejuízo da dilatada agenda comum em vigor. O mapa europeu de densidade de populaçom2 que destacamos certifica em todo o caso a patente pujança da franja litoral atlántica galego-portuguesa em flagrante contraste com a inóspita fronteira que nos afasta da meseta espanhola.
Quanto a nós, galego-portugueses, um longo convívio secular ensinou-nos a configurar umha sólida frente económica e demográfica litoral nom isenta de indissimulável desconfiança desde as respectivas capitais sempre zelosas de fronteiras claras
Arredor do eixo de enrarecimento demográfico europeu noroeste sudeste, o continente experimenta desequilíbrios bem conhecidos, nomeadamente o crescente deficit de mao de obra em actividades mal retribuídas que incendia a xenofobia sempre latente e complica o desenho da políticas imigratórias aparte de alimentar o inexorável processo de envelhecimento demográfico com o cúmulo de problemas que comporta.
Do documentado informe de Eurostat 2021 ao que aludimos, extraímos alguns traços especialmente significativos. No 1 de Janeiro de 2021, a populaçom da UE ascendia a 447,0 milhons de habitantes com Alemanha (83,2 milhons, 19% do total) e a França (67,4 milhons, 15%), Itália (59,3; 13%) e Espanha (47,4; 10,6%) liderando a sua potência demográfica.
Entre 2001 e 2020, a populaçom da UE27 cresceu um discreto 4%, saltando de 429 a 447 milhons, embora com umha distribuiçom altamente polarizada, desde os 507 habitantes por km² dos Países Baixos aos 18 de Finlándia. O envelhecimento acelerado é o traço mais preocupante: 3,4% da populaçom tinha idade superior aos 80 anos em 2001 que saltava a 6% em 2020. Diminui ademais em forma alarmante o tramo de idade inferior aos 20 anos —15% em 2020— a medida que cresce a idade mediana do conjunto: 44 anos em 2020.
A taxa de variaçom natural da populaçom, nascimentos menos falecimentos, revela a crescente incapacidade de reposiçom
A taxa de variaçom natural da populaçom, nascimentos menos falecimentos, revela a crescente incapacidade de reposiçom. Em valores positivos ainda até 2011, a taxa colapsou a partir daí até cair a valores negativos: -2,5 por 1000 habitantes em 2020. Paralelamente, a idade do primeiro parto foi escalando até situar-se nos 29,4 anos em 2019 ao tempo que iam crescendo a idade de parturientes de mais de quarenta anos.
Para agravar a situaçom, o crepuscular panorama demográfico estimula o auge de teorias racistas como a da grande substituiçom que pretende demonizar a imigraçom e exacerbar os sentimentos xenófobos com o espantalho da desnaturalizaçom da sociedade esgrimida polas forças de extrema-direita em todo o continente. O racismo rampante goza de crescente audiência alimentando um ilusório ideal de pureza racial de efeitos nefastos.
A UE e os EUA som fortalezas continentais assediadas pola extrema pobreza circundante que cancela o ideário cosmopolita e ilustrado que inspirou a sua cultura e identidade. Guarda Velho Mundo os teus caducos esplendores...Envia-me os pobres e os exaustos, a todos os inumeráveis seres que aspiram a viver em liberdade... reza o poema de Emma Lazarus inserido na base da Estátua da Liberdade em 1903. Corria daquela placidamente ainda O mundo de onte de Stefan Zweig que acabaria colapsando na Primeira Guerra Mundial.
No que levamos de século, quatro CC.AA. perdérom populaçom —a Galiza e Astúrias, Castela e Leom e Extremadura— cifra que sobe a nove no curso da última década 2010-2019: as quatro anteriores mais Cantábria, A Rioja, Castela A Mancha e a Comunidade Valenciana
Onde viverá agora o poeta do Muro que pretende obturar a fronteira sul dos EUA, iniciado por Clinton em 1994 e elevado por Trump a lúgubre emblema do país? E onde morará o poeta do nosso Mare Nostrum definitivamente transfigurado desde aquela imagem apolínea do Cemitério Marino de Paul Valéry até o ignominioso Mar dos Afogados em que se converteu o Mediterráneo? Dói na lembrança o insultante cadáver de Aylan Kurdi, o inocente menino curdo de três anos que o mar devolveu em 2015 amorosamente vestidinho para umha viagem sem retorno.
A Espanha esvaziada mais que um simples slogan político designa um inexorável processo de abandono do território com os problemas que isso comporta. Um total de 3.926 municípios espanhóis registam já densidades de povoaçom inferiores a 12,5 hab./km² umbral considerado na UE como umbral de risco demográfico
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A crise demográfica espanhola tem perfil específico que tenta sintetizar o Ministério para a Transiçom Ecológica e o Repto Demográfico no informe emitido pola Comisión Delegada para el Reto Demográfico3.
Entre 2001 e 2019 a populaçom espanhola passou de 41,1 a 47,0 milhons de habitantes ao tempo que avançava até extremos alarmantes a despovoaçom rural com efeitos políticos imediatos. No que levamos de século, quatro CC.AA. perdérom populaçom —a Galiza e Astúrias, Castela e Leom e Extremadura— cifra que sobe a nove no curso da última década 2010-2019: as quatro anteriores mais Cantábria, A Rioja, Castela A Mancha e a Comunidade Valenciana. Outro dado, dos 8.131 municípios existentes em Espanha, 5.102 perdem habitantes desde 2001 e três de cada quatro durante a última década: 6.232.
A Espanha esvaziada mais que um simples slogan político designa um inexorável processo de abandono do território com os problemas que isso comporta. Um total de 3.926 municípios espanhóis registam já densidades de povoaçom inferiores a 12,5 hab./km² umbral considerado na UE como umbral de risco demográfico. O despovoamento emparelha-se aliás com o processo de envelhecimento: Espanha lidera na UE o recorde de esperança de vida no momento de nascer com 83,2 anos, êxito demográfico e onerosa carga económica e social simultaneamente.
É imediato comprovar que a actual distribuiçom de densidades em Europa tem dilatadas raízes temporais. Especialmente ilustrativa é observar a evoluçom da mesma entre 1700 e 1850, prelúdio da situaçom actual
O aludido informe da Comisión Delegada acompanha quatro mapas ilustrativos dos quais seleccionamos o relativo aos municípios espanhóis com densidade inferior a 12,5 hab/km² que engloba a maior parte da península com Galiza como excepçom privilegiada. A ancestral simbiose do homem e a terra e a generosa habitabilidade da maior parte do nosso território contrasta com o ríspido comportamento da maior parte de Espanha. O litoral cantábrico e mediterráneo e grande parte de Andaluzia exibem também notável densidade demográfica ainda em aberto contraste com a meseta central e as terras aragonesas.
A distribuiçom espacial da populaçom é o resultado de um longo processo de assentamento da gente por imigraçom ou descendência. Nom é fácil explicar o fenómeno em perspectiva diacrónica mas, contamos por fortuna com investigaçons pertinentes como os estudos já clássicos de Madisom dos quais procede a presente imagem relativa à densidade de habitantes por quilómetro quadrado em três cenários temporais —1500, 1700 e 1850— em diversos países europeus. É imediato comprovar que a actual distribuiçom de densidades em Europa tem dilatadas raízes temporais. Especialmente ilustrativa é observar a evoluçom da mesma entre 1700 e 1850, prelúdio da situaçom actual.
Contrasta a potente expansom registada em Bélgica e no Reino Unindo e o rápido processo de crescimento experimentado polos Países Baixos entre 1500 e 1700 com o patente estancamento da dinámica demográfica em Espanha. A configuraçom demográfica actual, fortemente polarizada em torno do Canal da Mancha é susceptível de explicaçom em perspectiva histórica. Como a natura, a demografia non facit saltus e deriva do seu passado.
Um documentado informe acerca da despovoaçom da Espanha interior de Eduardo Bandrés e Vanessa Azón, publicado por FUNCAS em Fevereiro de 20214, oferece umha pormenorizada análise do esvaziamento da Espanha interior de onde procede a oportuna imagem referida a Madison.
Notas
1 https://www.eea.europa.eu/data-and-maps/figures/fragmentation-pressure-and-population-density
2 https://www.ine.es/prodyser/demografia_UE/img/pdf/Demograhy-InteractivePublication-2021_es.pdf?lang=e
3 https://www.lamoncloa.gob.es/presidente/actividades/Documents/2020/280220-despoblacion-en-cifras.pdf
4 https://www.funcas.es/wp-content/uploads/2021/02/La-despoblacion-de-la-Espa%C3%B1a-interior.pdf