A Descripción económica del Reyno de Galicia de Lucas Labrada, publicada em 1804, é, como o seu título promete, um documentado percurso pola Galiza setecentista que examina o país com olho erudito e ilustrado com um propósito semelhante ao desenvolvido polo Diccionario de Pascual Madoz, meio século posterior
A Descripción económica del Reyno de Galicia de Lucas Labrada, publicada em 1804, é, como o seu título promete, um documentado percurso pola Galiza setecentista que examina o país com olho erudito e ilustrado com um propósito semelhante ao desenvolvido polo Diccionario de Pascual Madoz, meio século posterior.
A Descripción de Labrada acolhe-se a um lema clássico: O fortunatos nimium, sua si bona norint, agrícolas!: Que felizes seriam os homes do campo se soubessem apreciar o que tenhem! Virgílio, Geórgicas, Livro 2. Comovedora declaraçom de princípios fisiocráticos e ilustrados que pretende render homenagem à vida campestre, tam afastada ai! da evocada felicidade na dura batalha pola sobrevivência.do campesinado coetáneo
Encomendar-se a Virgílio num tratado dedicado a promover o conhecimento e o progresso do país resume bem o nobre empenho que inspirava a aritmética política de Labrada que hoje denominaríamos economia política.
Nasceu Lucas Labrada em Ferrol em 1762, no seio dumha modesta família ilustrada. Em 1787 obtinha praça no Real Consulado da Corunha embora fracasse no intento posterior de ocupar a cátedra de matemáticas na Universidade de Santiago. Em 1802 é nomeado secretário do Real Consulado, um cobiçado posto público especialmente adequado para o desenvolvimento das suas inquedanças.
Em 1808 entrava o exército francês em Galiza em persecuçom das tropas do infortunado General Moore. O contingente, de 30.000 combatentes, ocupou sem excessivas dificuldades os portos de Ferrol e A Corunha e a cidade de Santiago. Em 1809 podemos ver a Labrada como intérprete e colaborador directo do marechal Ney
Em 1808 entrava o exército francês em Galiza em persecuçom das tropas do infortunado General Moore. O contingente, de 30.000 combatentes, ocupou sem excessivas dificuldades os portos de Ferrol e A Corunha e a cidade de Santiago. Em 1809 podemos ver a Labrada como intérprete e colaborador directo do marechal Ney de inesquecível memória nos anais compostelanos depois da sua entrada em Santiago em 3 de Maio de 1809 e da imediata visita ao Mosteiro de Sam Paio. A consequência daquela visita duas professas decidiram abandonar o mosteiro acolhendo-se ao oferecimento de protecçom do todo-poderoso duque d´Elchinguem e marechal do Império Michel Ney de infausto destino1. O marechal d’Empire, acabaria fusilado na Praça do Observatório de Paris em 7 de Dezembro de 1815; uns meses depois apenas da sua valorosa defesa do flanco estratégico que lhe fora encomendado na batalha de Waterloo ao mando de 24.000 soldados. Fulgurante e trágico destino o de Michel Ney que contava 47 primaveras apenas no momento do seu fusilamento.
O modelo concebido por Lucas Labrada adopta a cidade de Santiago como paradigma para ilustrar a sua tese. Suponhamos, imagina Labrada, a cidade de Santiago situada no meio de um círculo de três léguas de rádio de onde procedem a totalidade dos víveres comercializados na cidade. O sugestivo começo serve-lhe de base à sua argumentaçom. A superfície circundada polo círculo proposto contem “dezanove léguas quadradas escassas” de terras de labor que asseguram o sustento da cidade. As mencionadas “dezanove léguas quadradas escassas” ocultam, lamentavelmente, um erro de vulto ao confundir a superfície aludida com a longitude da circunferência que a circunda. Com efeito, Labrada confunde a longitude do círculo de três léguas de rádio (2*π*3 = 18,85 léguas) —e nom “dezanove léguas quadradas escassas”— com a superfície correspondente de cultivo: (π*32 = 28,27 léguas quadradas).
Lamentavelmente, o inexplicável erro de partida vai contaminar a totalidade do brilhante razoamento arquitectado para demonstrar a estrita dependência —inversa— existente entre o nível de preços imperante e a superfície de cultivo que fornece o mercado.
Lamentavelmente, o inexplicável erro de partida vai contaminar a totalidade do brilhante razoamento arquitectado para demonstrar a estrita dependência —inversa— existente entre o nível de preços imperante e a superfície de cultivo que fornece o mercado
Esquecendo o malfadado erro prossigamos com o razoamento. Suponhamos —disserta Labrada em apoio da sua tese— que a superfície de cultivo disponível aumente das três léguas iniciais do círculo a cinco, com o consequente incremento do caudal de víveres afluente ao mercado. Em tal caso, argunenta Labrada, a superfície de cultivo disponível aumentará até “31 léguas quadradas e três sétimos” confundindo como é fácil observar a superfície em questom (π*52 = 78,54 léguas quadradas) com a circunferência que a circunda (2*π*5 = 31,42 léguas).
Desapercebido do erro cometido procede Labrada a extrair o correspondente corolário. Qual é o resultado de isto? —pergunta-se a efeitos retóricos— que “sendo as terras de igual feracidade, o preço dos víveres baixará em proporçom inversa de 10 a 31 e três sétimos” —de 18,85 a 31,42 pretende dizer— quando o que realmente deveria aegunentar é que o preço dos víveres deverám baixar em forma inversa a relaçom entre a superfície inicial (π*32 = 28,27 léguas quadradas) e a final (π*52 = 78,54 léguas quadradas): P1/P0 = 28,27/78,54 = 0,36, um 36%
Enredado na confusom entre circunferência e círculo, Labrada cai no erro de comparar as 2*π*3 = 18,55 léguas de partida —e nom 10 como afirma inadvertidamente!— com as 2*π*5 = 31,42 léguas quadradas finais prognosticando erroneamente em consequência umha disparatada contracçom de preços de P1/P0 = 18,85/31,42 = 0,90, um 90%. Léguas contra léguas quadradas, um despropósito!
A flagrante confusom entre áreas e circunferências, além de eventuais descuidos de cálculo, nom é o única chata que lhe podemos aponher ao prometedor modelo de Lucas Labrada. A embarulhada demonstraçom impediu-lhe perfeccioná-la num aspecto importante, o da distribuiçom do produto incrementado entre os cultivadores que desbravárom as terras ganhadas ao ermo e os seus seareiros compostelanos. É singelamente inaceitável abstrair do razoamento as necessidades de consumo dos lavradores e das sua famílias durante o dilatado lapso da posta em rendimento dos anovados e sobretudo o reparto final do produto vertido no mercado entre lavradores e consumidores vilegos.
Devemos-lhe ao grande Lucas Labrada o máximo reconhecimento pola ousada incorporaçom do pensamento matemático à análise económica, um atrevimento na época que enaltece a nossa ilustraçom nom obstante o desleixo no seu tratamento
Esta consideraçom é tanto mais pertinente quanto que a correcçom requerida é elementar. Aos efeitos da sua formulaçom suponhamos que o volume inicial de transacçons tem um valor V0 = Q0 * P0, e o definitivo depois do incremento de terra cultivada V1 = Q1 * P1, onde V representa o valor de cereal negociado no mercado, Q a sua quantidade e P o seu preço.
A variaçom experimentada nas quantidades e preços comercializados [ΔQ, P] admitem qualquer hipótese de distribuiçom entre cultivadores e consumidores nomeadamente a proposta polo próprio Lucas Labrada relativa à baixada esperável dos preços P a consequência do incremento da oferta ΔQ. Nessa hipótese, a relaçom entre os preços finais e os iniciais P1/P0 coincide com a relaçom inversa entre as quantidades comercializada s Q0/Q1. No modelo de Lucas Labrada, P1/P0 = Q0/Q1 = π*32/ π*52 = 9/25 = 0,36, quer dizer, os preços finais seriam o 36% dos iniciais com um abastecimento do mercado quase triplicado Q1/Q0 = π*52/ π*32 = 25/9 = 2,78 vezes. O resultado corrigido mostra com toda claridade a potência do modelo de Lucas Labrada parcialmente malogrado pola inexplicável torpeza aritmética em que incorre no seu desenvolvimento.
Glória aos precursores que nos enriquecem mesmo quando adormecem no seu percurso pola selva da aritmética social, fundamento da contabilidade macroeconómica actual
Devemos-lhe ao grande Lucas Labrada o máximo reconhecimento pola ousada incorporaçom do pensamento matemático à análise económica, um atrevimento na época que enaltece a nossa ilustraçom nom obstante o desleixo no seu tratamento. Afinal, dizia Horácio, o mesmo grande Homero às vezes pode adormecer.
Glória aos precursores que nos enriquecem mesmo quando adormecem no seu percurso pola selva da aritmética social, fundamento da contabilidade macroeconómica actual.
Notas
1 Tenho divagado sobre o emocionante episódio em três artigos publicados polo Portal Galego da Língua em 2014: O marechal Ney entra em clausura.