O pano de mesa do senhor Laffer

O famoso guardanapo de Laffer © https://americanhistory.si.edu/

O pano de mesa ou guardanapo, do francês garde-nappe: pano de mesa, como os portugueses costumam dizer desde o século XVI, e os espanhóis denominam servilleta, palavra francesa também, é um aditamento de introduçom tardia ligada ao progresso das boas maneiras importadas da França. Foi um tal pano de mesa, de papel, o que escolheu o senhor Laffer para explicar, ou mais bem sentar a tese, de que umha suba de impostos tende a provocar umha baixa no arrecadamento fiscal. A tese mereceu em seguida geral aplauso nos foros económicos conservadores por motivos óbvios. Foi desta maneira como a cívica obriga tributária desceu de categoria até converter-se em torpe gravame contraproducente.

A primeira vista, a tese de Laffer parece disparatada mas, poderia ganhar algum defensor aduzindo como argumento a provável perda de clientela de um restaurante ou local comercial se decidisse subir os preços. O argumento, sem embargo, nom é demasiado convincente dado que o cliente dispom neste caso de múltiplas alternativas mentres que o contribuinte está obrigado a pagar por imperativo legal sob ameaça de sançom coercitiva.

Caso consultarmos o caso a um economista, este nom deixaria de apontar que o efeito esperável de umha hipotética suba da pressom fiscal poderia ser positivo ou negativo dependendo estritamente da elasticidade da arrecadaçom frente ao incremento de tipos, magnitude, aliás, facilmente observável. Em fim, para que meter-se em subtilezas quando a hipótese de Laffer permite justificar a insubmissom fiscal em elegante formato teórico? 

O famoso guardanapo de Laffer, que é objecto agora de respeitosa exposiçom no Museu Nacional de História de Washigton, tem umha história engraçada. Corria o mês de setembro de 1974. Sentados á mesa do restaurante do Hotel Washington da capital estado-unidense — que já servira para rodar um episódio de O Padrinho II — encontravam-se Donald Rumsfeld, chefe de gabinete do presidente republicano Gerald Ford e Dick Cheney, subchefe do mesmo, com Arthur Laffer, professor de Economia da Universidade de Chicago. Assistia como observador o jornalista Jude Wanniski, associado na altura ao The Wall Street Journal. A charla ia da intençom de Gerald Ford de combater a inflaçom mediante um discreto incremento impositivo. Foi entom quando o senhor Laffer sentenciou que aumentar os impostos para moderar o consumo era provavelmente umha medida errada quando o correcto seria mais bem baixá-los para reactivar o crescimento. Ninguém compreendeu nada até que o senhor Laffer tirou de pano de mesa e pintou a sua famosa curva.

A tese de aumentar a arrecadaçom tributária mediante a baixa da pressom impositiva para estímular o crescimento da oferta de bens e serviços, cativou de imediato a selecta audiência e daí passou a fazer parte dos postulados do Partido Republicano norte-americano e, como consequência, do argumentário da direita económica e os seus lóbis em todo o mundo. Certos pormenores significativos como o lapso de demora na percepçom dos benéficos resultados esperados e a sua magnitude relativa nem sequer fôrom considerados.

A curva de Laffer, adorada pola direita liberal e os contribuintes com bases fiscais bem nutridas, tem umha aura sedutora se um se posiciona no ponto conveniente da curva: a sua parte direita. Nela, todo incremento do tipo impositivo t3, provoca umha caída na arrecadaçom, T. A dificuldade vem quando estamos situados na rama ascendente, onde o comportamento é o esperado: a um incremento de t, corresponde-lhe outro em T. Em que parte da curva nos encontremos é o assunto crucial a considerar que os adeptos a Laffer se empenham em esquecer. Ninguém será tam ingénuo como para crer que em Espanha, ou em qualquer outro país, tenhamos ultrapassado o limite máximo de pressom tributária [t, T*] e habitemos a zona inóspita de tipos tributários confiscatórios e rendimentos fiscais decrescentes por mais que seja esta a prédica neoliberal em voga. Aí temos o grotesco governo municipal de Madrid para confirmar a proveitosa patranha.

Podemos chegar a reconhecer que umha baixada de tipos impositivos suficientemente forte pode provocar umha breve euforia bursátil e memo atrair patrimónios de Comunidades com fiscalidade mais rigorosa mas, o milagre de multiplicar os ingressos públicos mediante a rebaixa da exigência tributária nom só é umha fantasia senom que está fica demonstrada. O truque mágico do senhor Laffer foi de facto ensaiado polo senhor Montoro em 2015 e 2016, ante a paternal olhada do senhor Rajoy, com resultados desastrosos. O corte aplicado tanto nos tipos máximos como mínimos do IRPF debilitou os ingressos tributários e, como consequência, disparou o défice e o volume de dêveda pública. A resposta ortodoxa da direita nom se fijo esperar: cortar o gasto público e desregular o mercado laboral para quadrar as contas e relançar o crescimento que a varinha mágica de Laffer nom conseguira.

A polémica da revisom da pressom impositiva nom tem outro mistério que o de constatar o seu baixo nível em Espanha em comparaçom com os sócios comunitários com os que aspira a equiparar-se. A arrecadaçom total por impostos e contribuiçons sociais em Espanha situava-se em 35,4% do produto interior bruto (PIB) em 2018, cinco pontos por baixo da média da UE (40,3%) e seis por baixo da média da eurozona: 41,7%. Somos o undécimo país dos 28 da UE em pressom fiscal e o oitavo entre os 19 da eurozona, em dados oferecidos por El Español. Convém recordá-lo.

A direita, naturalmente, ameaça com maus agoiros e desgraças ante qualquer intento de revisar o nível contributivo: fuga massiva de capitais, encarecimento do custo de financiamento da dêveda e demais perigos derivados da “fiscalidade confiscatória” sobre os abnegados agentes económicos, criadores de emprego e riqueza. Cantava Martin Fierro:

Pero son como los teros

Para esconder sus niditos;

En un lado pegan los gritos,

Y en otro tienen los huevos.

Contra as prédicas do parto indolor da equidade social e o progresso económico a partir de umha baixa tributaçom, é bom recuperar vozes mais sensatas do mesmo espectro liberal que gostam de avisar que nom há jantares grátis.

Undécimo país da UE-28 em pressom fiscal e oitavo entre os 19 da eurozona, Espanha ostenta, nom obstante, um eminente lugar na tecnologia das portas giratórias, potente metáfora por todos conhecida dessa rede de passadiços secretos que conectam o BOE com o IBEX 35. É lástima que os foros económicos da direita nom dediquem algum tempo a explicar-nos a sua geografia e efeitos económícos mesmo que seja num pano de papel.

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