O que podem a Galiza e o Norte de Portugal aprender com a Catalunha?

As eleições do 14-F trouxeram boas novas para a Catalunha. Os independentistas não só ganharam outra vez, como aumentaram quatro assentos em relação às anteriores eleições. Para culminar, qual cereja no cimo do bolo, a fasquia dos 50% é passada pela primeira vez e o independentismo alcança um marco histórico, fazendo cair por terra um argumento muitas vezes usado contra si. A história mudou, a página virou. O que virá a seguir será, muito provavelmente, proveitoso para os catalães, hábeis mestres na arte de negociar.

Nos meios regionalistas do Norte de Portugal houve opiniões divergentes. Por um lado os que apoiam, por outro os que são contra a autonomia da Catalunha. Pode parecer um paradoxo, mas nem todos os regionalistas nortenhos são a favor da independência da Catalunha

Ao passear pelas redes sociais, nestes dias, deu para perceber os vários tipos de sensações, conclusões e sentimentos aquém e além Minho - mais além porque aquém há um sentimento quase que de indiferença, muito por culpa pela maneira distante com que a comunicação social portuguesa trata os assuntos relacionados com as nações históricas incorporadas no Reino da Espanha.

O sentimento de inveja para com os congéneres catalães foi talvez o que mais ecoou nos perfis galegos das redes sociais. Afinal, aquilo que muitos veem como uma utopia é cada vez mais uma realidade na Catalunha. É fácil entender este sentimento. Enquanto a Catalunha caminha a passos largos para uma autonomia cada vez maior e mais decisiva - que eventualmente culminará num processo de independência -, a Galiza definha cada vez mais sob a política madridocêntrica de Feijóo.

Desta banda, o feito teve algum eco na comunicação social portuguesa, mas com a frieza do costume. Afinal, tanto Lisboa como a maior parte da comunicação social portuguesa, que se concentra quase exclusivamente na capital, são vassalos submissos à agenda política centralista e unionista espanhola. 

Nos meios regionalistas do Norte de Portugal houve opiniões divergentes. Por um lado os que apoiam, por outro os que são contra a autonomia da Catalunha. Pode parecer um paradoxo, mas nem todos os regionalistas nortenhos são a favor da independência da Catalunha - há vários factores que contribuem para tal, mas isso é assunto para outra ocasião.

É certo que a questão do separatismo não se aplica à realidade do Norte de Portugal (embora aqui e acolá, por vezes, em discursos mais inçados de fervor, a independência ou mesmo uma união com a Galiza, venha à baila), mas são muitas as parecenças entre as duas, muito mais do que as diferenças: ambas são um dos principais motores económicos de ambos os países (no caso da Catalunha, juntamente com o País Basco), disputam desde sempre a hegemonia económica, social e cultural das respetivas capitais centralistas e são berços das inovações e revoluções sociais nos respetivos países. Poupamos ao leitor o trabalho de as ler todas. 

Caso os portugueses do Norte, deixando de se influenciar pela comunicação social portuguesa, passassem a olhar para a Catalunha com uma capacidade analítica desprovida de preconceitos, talvez pudessem aprender com os seus feitos e usar muitas das suas estratégicas

Caso os portugueses do Norte, deixando de se influenciar pela comunicação social portuguesa, passassem a olhar para a Catalunha com uma capacidade analítica desprovida de preconceitos, talvez pudessem aprender com os seus feitos e usar muitas das suas estratégicas que lhe permitiram, por exemplo, chegar ao ponto de, em variadas ocasiões, negociar o governo central por força dos excelentes resultados nas eleições.

A sociedade catalã há muito que percebeu a grande dependência que o estado espanhol tem da sua força económica, política e social. Em vez de se deixar levar pelas migalhas que Madrid oferece, a Catalunha exige aquilo que merece. Há um princípio moral intrínseco da sociedade catalã que faz com que toda a sua mobilização seja em prol dum objetivo comum e que está acima de qualquer interesse pessoal. Na Catalunha não há quem se deixe vender por futuros cargos administrativos em empresas estatais, para estar calado enquanto está a servir como deputado. O compromisso que existe na sociedade é o que permitiu à Catalunha de, passo a passo, ter conseguido negociar compromissos legislativos, benefícios e contrapartidas económicas e, por fim, ver-se numa situação de exigir legitimamente uma solução democrática para um futuro autónomo e independente.

Esta mobilização não é exclusiva do sector político e é fácil perceber que toda a sociedade que deseja e anseia por esse objetivo se une em redor dum compromisso comum. A política é comum, apesar de haver partidos à esquerda e à direita. A ideia é conseguir o objetivo principal para depois decidir o que fazer com ele. Não há guerras partidárias sobre a melhor solução para o fim. Há união quanto ao fim e, obviamente, haverá debate democrático quanto ao caminho a seguir depois desse fim ter sido atingido.

A proibição de partidos regionais em Portugal faz com que a dependência dum sistema partidário comprometido com o centralismo tenha ainda mais força e, consequentemente, a luta pela regionalização, tão essencial para o desenvolvimento social e económico do Norte de Portugal, fique mais longe

É fácil perceber que a existência de partidos nacionalistas faz toda a diferença. A proibição de partidos regionais em Portugal faz com que a dependência dum sistema partidário comprometido com o centralismo tenha ainda mais força e, consequentemente, a luta pela regionalização, tão essencial para o desenvolvimento social e económico do Norte de Portugal, fique mais longe. Nenhum dos principais partidos portugueses tem a regionalização na agenda. Todos eles são subservientes do sistema central que beneficia a capital e oprime lentamente as outras regiões esquecidas. Logo, estes partidos não servem para uma região que pretende disputar com a capital a liderança económica de igual para igual. Teria que haver partidos que defendessem os interesses da região Norte. No mínimo, movimentos independentes (como por exemplo o “Porto, o Nosso Movimento”, que permitiu a Rui Moreira vencer a câmara do Porto sem estar ligado aos partidos tradicionais).

Na Galiza, apesar de estar facilitada a tarefa, porque figuram nos boletins de voto partidos nacionalistas que pretendem uma Galiza autónoma e independente, a verdade é que não há maneira de tirar o PP do poder. E quanto mais as políticas do PP são contrárias aos interesses da Galiza, mais votos o PP consegue. É um caso de estudo, este fenómeno social galego. Ver refém do PP a sociedade que mais se distingue do resto do estado espanhol, onde a percentagem de falantes da língua materna é a maior entre as três nações históricas e com uma língua internacional, ao contrário também destas últimas,faz pouco sentido. Não deve ser estranho o facto de o PP se confundir com a Galiza como a Galiza se confunde com o PP. Fraga, Rajoy, Feijóo, afinal eram galegos. Talvez haja aqui um síndroma algo sinestésico ao nível de identidade, que faz com que haja um sentimento de pertença e de identidade à Espanha como se esta fora a Galiza.

Apesar de serem grandes as diferenças entre a Galiza e o resto do estado espanhol e serem grandes também as diferenças entre o Norte de Portugal e o sul, tanto uma como outra não conseguem tirar partido dessas suas diferenças e dessas suas vantagens que são o poderio económico, industrial e demográfico, para não falar da riqueza dos seus recursos naturais e da forte idiossincrasia das suas gentes. Ambas, curiosamente, deixam-se governar por quem não faz caso dos seus interesses e ambos os seus políticos preferem orientar as suas ações com vista a promoções pessoais intrapartidárias e eventuais consequentes cargos de poder na capital, negligenciado por completo as regiões de onde são naturais.

Talvez a solução para isto passe mesmo por um movimento de cidadania, que englobe a sociedade em geral duma maneira transversal. Uma mobilização da sociedade em torno dum objetivo comum, como na Catalunha

Talvez a solução para isto passe mesmo por um movimento de cidadania, que englobe a sociedade em geral duma maneira transversal. Uma mobilização da sociedade em torno dum objetivo comum, como na Catalunha. Deixarmo-nos de guerras internas e unirmo-nos como comunidade em torno desse objetivo. Apontar o dedo quando necessário. Unir o tecido empresarial e industrial e fazer-lhes entender que poderão eles também beneficiar de maior autonomia para as respectivas regiões. No fundo, exigir o que é seu e que os seus impostos não acabem no sítio de sempre. É preciso exigir, debater e educar. Há uma gritante falta de conhecimento da realidade económica, social e demográfica do Norte de Portugal e da Galiza por parte dos respectivos poderes centrais. Nem Portugal é só fado, nem a Espanha é só flamenco e touros. Perceber as diferenças e, melhor, perceber como se poderia beneficiar dessas diferenças, traria maior competitividade e maior riqueza a todos.

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