O retorno do relato jacobino

Clube dos jacobinos que devéu em Amigos da liberdade e a fraternidade em 1792 sob a insígnia do capacete frígio Dominio Público

O actual projecto El Jacobino nascia em 2020 em forma de canal de debate através de YouTube que, a pesar da sua patente bisonhice, está a desenvolver umha meteórica agenda de lançamento para apresentar-se aos próximos comícios europeus de Junho deste ano

O capucho frígio, que acabou consagrado como símbolo da liberdade republicana, era usado polos escravos libertos em Grécia e Roma. O gorro frígio era utilizado também polos marinheiros e condenados a galés do Mediterráneo e daí teria passado, através dos revolucionários italianos, à França e às jovens repúblicas americanas ávidas de fastos históricos e legitimidade republicana. Escusado lembrar que as nossas duas Marianas, as da Primeira e a Segunda República, portavam gorro frígio. O memorável capacete bem poderia fazer parte do vestuário simbólico dos sucessivos avatares do jacobinismo pátrio: UPyD, Ciudadanos e o mais recente autodenominado El Jacobino. Permitam-me esta breve incursom erudita.

O actual projecto El Jacobino nascia em 2020 em forma de canal de debate através de YouTube que, a pesar da sua patente bisonhice, está a desenvolver umha meteórica agenda de lançamento para apresentar-se aos próximos comícios europeus de Junho deste ano. O flamante programa político da estreia leva-nos a pensar que neste caso a funçom (eleitoral) criou o órgao (partidário) como pretendia o naturalista francês Jean Baptiste Lamarck

O patrocinador do inovador projecto político infundiu-lhe um inegável viés social que ousa reclamar mesmo reformas constitucionais de signo recentralizador para tentar erradicar qualquer vestígio de privilégio desigualitário. O seu pai é o advogado Guillermo del Valle (Madrid, 1989) que desenvolveu a sua inovadora proposta no livro La izquierda traicionada (Ediciones Península, 2023, 288 páginas) que me serviu de grato solaz nas tediosas festas de fim de ano que nos assediam cada doze meses com o seu atropelado barulho de lotarias molhadas em espumosos de duvidosa qualidade e sumptuosos cortejos orientais destinados a engaiolar a fascinadas audiências infantis.

O novíssimo enunciado do jacobinismo progressista melhora o standard dos seus malfadados antecessores, a UPyD de Rosa Díez e ilustre companhia, fundada em 2007 e dissolvida em 2020 e o projecto Ciudadanos de Albert Rivera, nascido em 2006

O novíssimo enunciado do jacobinismo progressista melhora o standard dos seus malfadados antecessores, a UPyD de Rosa Díez e ilustre companhia, fundada em 2007 e dissolvida em 2020 e o projecto Ciudadanos de Albert Rivera, nascido em 2006 impulsionada pola antipática insistência identitária do independentismo catalao e refugiado agora nesse aparcadoiro de políticos em espera de destino do Parlamento Europeu.

O símbolo do capacete frígio, multiplicado a fartar nos escudos e bandeiras constitucionais das repúblicas americanas, poderia servir de estandarte aos projectos jacobinos surgidos de quanto em vez para aliviar a fartura do espectáculo quotidiano representado polas hiperventiladas formaçons secessionistas para honrar a incurável ferida que levam sangrando ininterrompidamente desde 1714 segundo o incrível relato tribal. Jacobinismo e exaltaçom historicista de uso exclusivo som relatos que se realimentam mutuamente.

Cada reformulaçom do ideário jacobino arrasta a inevitável pegada histórica que presidiu o seu nascimento, o Foro Ermua no caso de UPyD, o excitado ressentimento nacionalista que inundou de laços e bandeirolas amarelas ruas, praças e vivendas no caso de Ciudadanos e o tóxico empate técnico entre as direitas do PP e Vox e o resto das formaçons políticas no caso do jacobinismo agora renascente.

O programa jacobino que agora se estreia apela aos desencantados da disjuntiva reiterada direita <> esquerda acompanhada das omnipresentes ladainhas identitárias. A sua benévola recepçom pública parece assegurada.

O programa jacobino1 que agora se estreia apela aos desencantados da disjuntiva reiterada direita <> esquerda acompanhada das omnipresentes ladainhas identitárias. A sua benévola recepçom pública parece assegurada. Julguem vocês o inegável atractivo da proposta no pentálogo fundacional difundido polos promotores.

I —Defender a integridade territorial de Espanha, assi como a igualdade de direitos, deveres e oportunidades de toda a cidadania, sem importar em quê parte do território residirem.

II —Defender que competências públicas —como Educaçom, Sanidade, Segurança, Justiça, Fiscalidade e política Médio Ambiental— devam ser de competência exclusiva do Estado central.

III —Promover um modelo territorial unitário, simétrico, igualitário e politicamente centralizado, formado por unidades administrativas racionais que nom respondam a outro interesse que nom seja o do bem comum. Promoverá-se assi mesmo a desconcentraçom económica e institucional a fim de manter e incrementar a actividade das capitais de todas as províncias e de outras zonas em risco de despovoamento.

IV —Defender o espanhol como língua comum de todos os espanhóis e promover o seu uso prioritário nas instituiçons estatais, o direito ao seu uso em todos os ámbitos, assi como o direito a estudar nessa língua como meio veicular em todo o território de Espanha.

V —Promover umha reforma constitucional que elimine privilégios históricos, anacrónicos e pré-democráticos, assi como corrigir todas as assimetrias territoriais e singularidades no ordenamento jurídico, como forais, cupos e convénios fiscais.

Música celestial para ouvidos cansos de fantasias históricas legitimadoras de identidades, preeminências e privilégios. Quem pode resistir tamanha arremetida de eloquência destinado a auditórios propícios, fartos de petulância segregacionista e exibicionismo identitário? Bem falado! Exclamará a audiência destinatária prestes a assinar sem demora o compromisso de adesom como providencial refúgio de igualdade e espanholidade incontaminada. Bem-aventurada ressurreiçom da radical voz jacobina capaz de livrar-nos de abrir-nos as portas da liberdade, igualdade e fraternidade a que aspira todo bem nascido. Muitos esperam talvez esta epifania libertária em espera de que as urnas a confirmem ou deneguem.

Resumimos a nossa discrepáncia com a nova reformulaçom do projecto jacobino em três pontos

Resumimos a nossa discrepáncia com a nova reformulaçom do projecto jacobino em três pontos. O primeiro, o seu centralismo dogmático que pretende cancelar a arquitectura política territorial da Constituiçom. O segundo, a manifesta cegueira para o universo geopolítico que nos rodeia em favor do patriotismo auto-referencial que inspira o movimento. E o terceiro um perceptível viés antieuropeista, congruente com a exaltaçom do centralismo patriótico que impregna todo o discurso. A Espanha dolorida e denegada reivindicada mais umha vez

Unha visita ao blogue oficial do movimento permite comprovar o perfil deste relato jacobino em chave cívica. Desfilam interessantes testemunhas individuais sem hierarquia aparente para enunciar o novo ideário com voz colectiva que a ninguém poda deixar indiferente. Ouçam como amostra a voz de Juan Antonio Cordero, professor da École Polytecnique de Paris e ensaísta: “Socialismo, cidadania, laicismo, republicanismo, igualdade e justiça social, emancipaçom e intransigência ante qualquer tentaçom integrista, identitária ou excludente. O Jacobino é a esquerda pendente em Espanha” Do mesmo teor iremos debulhando os demais a começar por J. F. Martin Seco, ex-secretário de Estado de Fazenda. Um coro bem afinado apto para mobilizar a um importante segmento de votantes aborrecidos do balbordo político e a descarnada luita polo poder. Sánchez e Feijó, Yolanda Díez e companhia, todos eles dispostos a deixarem a pele, esse insulso e gastado tropo retórico que ouvimos como quem ouve chover. Quem pode negar o alívio que infunde a dissonante voz jacobina como antídoto ao monótono fungar das homilias políticas quotidianas?

No mês de Junho deste mesmo ano seremos convocados a votar para os comícios europeus. Atrevo-me a augurar um certo êxito das candidaturas jacobinas que gozam da singular vantagem de surgirem imaculadas no espaço eleitoral saturado da impúdica exibiçom da incurável ferida narcisista por parte do independentismo catalám

No mês de Junho deste mesmo ano seremos convocados a votar para os comícios europeus. Atrevo-me a augurar um certo êxito das candidaturas jacobinas que gozam da singular vantagem de surgirem imaculadas no espaço eleitoral saturado da impúdica exibiçom da incurável ferida narcisista por parte do independentismo catalám. O discurso transversal de amplo espectro que enfia o relato jacobino pode ser aliciante para muitos apesar da desvantagem da sua novidade e da mais que provável preteriçom por parte dos meios de comunicaçom amplamente alinhados com o hegemónico conservadorismo centralista.

É verosímil esperar que o boca a boca e a condiçom de inesperada novidade abençoe o projecto jacobino caso consiga perfurar o pacto de silêncio que vai tentar mantê-lo apartado da atençom pública. O seu papel revulsivo será bem-vindo para muitos votantes fartos do duopólio político de populares e socialistas. Menos êxito lhe auguro em espaços eleitorais com sólida implantaçom nacionalista como a Galiza, o País Basco e Catalunha onde a defesa da língua e a identidade próprias delimitam um espaço imune a arroutadas centralizadoras. O êxito das proclamas jacobinas pode encontrar embora terreno abonado nos territórios propensos a valorar os discursos recentralizadores, afiliados ao discurso reactivo e espanholista enunciado por vez primeira polo sevilhano Clavero Arévalo, catedrático e ministro para as Regions (1977-1979) e a Cultura (1979-1980). Um discurso paradigmático da ampla incompreensom que rodeia a manifesta pluralidade nacional constitutiva da democracia espanhola. O forte arraigo do discurso centralista do PP e o PSOE propicia o permanente atractivo de qualquer discurso centralizador.

Esperamos com interesse os resultados dos comícios europeus e a distribuiçom do voto jacobino. Oferecerá umha imagem actualizada do mapa da consciência nacionalitária através de Espanha e especialmente do apoio ao BNG de Ana Pontom. Há cousas difíceis de entender além do Padornelo, denominaçom esta, dito seja de passagem, genuinamente galega2 ainda que o monte aludido conte como samorano.

 

Notas

1 https://www.eljacobino.es/

2 https://arqueotoponimia.blogspot.com/2016/12/padernelo-padornelo-paderne.html

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