Os bailes do duque de Osuna

Mariano Téllez-Girón, XII duque de Osuna. 1857. Ramón Soldevila y Trepat Dominio Público

Nos tempos em que a minha nai cantava, naqueles tempos em que eu era feliz e ninguém estava morto como recitava o Álvaro Campos mais introspectivo e melancólico, os seus filhos aprendemos de tanto ouvir um saudoso cuplé evocador do velho Madrid romántico onde um podia cruzar pola rua com Espronceda ou Larra ou sonhar com os bailes do duque de Osuna e o regozijo popular das botillerias. Raquel Meller foi a sua primeira e insuperável intérprete. O cuplé fora composto por Jacinto Guerrero com letra de Luis Fernández Ardavin e estreado em 1931. Tinha daquela a minha nai 21 anos ainda que a cançom deveu ser mui popular nos anos trinta antes de a barbárie quarteleira arrasar todo.

Nunca pudem esquecer aquela primeira frase do cuplé da minha infância: Cuando voy a los bailes del duque de Osuna. Foi ela a que me conduziu anos depois à vila de Osuna em saudosa homenagem á música e a letra albergadas na memória como, anos mais tarde, a cançom inesquecível de José Afonso me arrastaria à capela montesina da Senhora de Almortão. Música e memória, misterioso nexo.

Osuna é umha saudosa vila branca sevilhana cheia de evocadoras ruas e mansons entre as quais destaca lá no alto o solene perfil da Colegiada de Nossa Senhora da Assunçom mandada levantar por Juan Téllez Girón (1494-1558), quarto na titularidade do condado de Ureña que acabaria absorvendo o ducado de Osuna, criado por graça de Felipe II. Os restos do castelo que foi solar da dinastia lá ficam, de par da igreja Colegiada.

A Colegiada guarda no interior magnífica imaginaria e pintura renascentista mas, os olhos do visitante nom tardarám em reparar na historiada porta lateral de meados do século XVI que abre passo á escadaria conducente á cripta ducal dos Osuna. Um espaço, severo mais que lúgubre, onde repousam os restos da família ducal num ordenado conjunto de nichos e túmulos dispostos ao longo dos muros que recorrem sucessivas salas repletas de símbolos mortuários. Alguns dos túmulos mostram cartelas explicativas do finado jacente, como a referida ao fundador da Colegiada, quarto conde de Ureña, falecido no dia da Ascensom de 19 de maio de 1558, o mesmo dia eleito polo finado se acreditamos no devoto epitáfio.

Ao eco do cuplé de Ardavin e à imagem da cripta dos Osuna véu somar-se logo na memória a notícia da existência da Alameda de Osuna, lá nos meus anos de estudante de engenharia em Madrid1. Nos seus tempos de esplendor, a Alameda albergava um famoso jardim com palácio no meio, levantados por soberano capricho de dona Mª Josefa Alonso Pimentel, condessa-duquesa de Benavente. “El Capricho” foi, precisamente, a denominaçom elegida pola augusta dama para o sumptuoso complexo. Anos mais tarde o seu herdeiro, o XII duque de Osuna, passearia um álbum com este e outros palácios do seu património para assombro da requintada nobreza de São Petersburgo.

A origem de “El Capricho” provém da venda por parte da condessa-duquesa do seu palácio das Vistilhas, perto do Palácio Real, ao melífluo misógamo e impenitente conspirador carlista dom Francisco de Asís, esposo de Isabel II. A condessa-duquesa de Benavente (1752-1834), dama ilustrada retratada por Francisco de Goya, um dos seus artistas protegidos, e fiel esposa de dom Pedro Alcántara Téllez-Girón, XI duque de Osuna, iria falecer em 1844 deixando um imponente legado familiar de títulos, terras e castelos ao seu único irmao Mariano, número XII na linhagem ducal e impenitente perdulário sem limite nem tino.

Pouco durou a glória de “El Capricho”, vendas e reformas sucessivas fôrom degradando o seu esplendor até chegar a albergar o quartel do general republicano José Miaja, comandante em chefe da valorosa defesa de Madrid frente à barbárie africanista generosamente financiada pola impune ladroíce do aplicado banqueiro de Francisco Franco, Juan March.

A história do derradeiro membro da estirpe dos Osuna, Mariano Téllez-Girón (1814-1882) é para contar e nom parar. Devemos-lhe umha biografia canónica2 ao mui douto escritor Antonio Marichalar, assíduo da tertúlia do Pombo e amigo de Juan Ramón Jiménez e de Ortega. Biografia, devo confessar, de prosa preciosista, requintada e um ponto artificiosa para mim apesar de ter merecido os máximos elogios de um Azorin e um Torrente Ballester. O conde de Osuna deambula polas páginas de Marichalar como um dándi finissecular serôdio que bem poderia figurar nessa prodigiosa galeria de narcisos da época magistralmente descritos por Manuel Segade (A Corunha, 1977) em Narciso Fin de Siglo3.

Dom Mariano Francisco de Borja José Justo Téllez-Girón y Beaufort-Spontin, XII duque de Osuna e XV do Infantado, cumpriu o seu noviciado na carreira das armas nas campanhas do norte contra a carlistada insubmissa com valor provado até o momento de alçar o voo sobranceiro que os seus brasons demandavam.

A desmesurada vida de Mariano Téllez-Girón, Grande dos Grandes de Espanha como ele gostava de se ver reconhecido, transcorre dali em adiante em sumptuosos cenários que parecem desenhados a propósito para exibir a sua prosápia secular. Em 1852 dom Mariano representa Espanha em Londres nas exéquias do general Wellington; no ano seguinte podemo-lo contemplar como testemunha de boda no casamento de Eugenia de Montijo com o imperador de França, Napoleom III. Em 1856 recebe a encomenda mais prezada, a de representar a Isabel II ante o czar Alexander II para atender o desejo do imperador de restabelecer as relaçons diplomáticas com a corte espanhola, rotas trás da morte de Fernando VII por ter optado pola causa carlista. Acompanhava o duque Juan Valera que nos deixou daquela estadia na cidade imperial de São Petersburgo — dezembro de 1856, Julho de 1857 — umhas eruditas e divertidas Cartas desde Rusia4 em que descreve a vida e hábitos da corte russa posterior à dolorosa derrota na Guerra de Crimeia (1853-1856) ante a aliança do Reino Unido, o Segundo Império francês (1852-1870) e o Império otomano. A erudiçom, de Valera, a sua desenvoltura e sentido do humor e a rendida admiraçom pola beleza feminina, impregnam o relato. Em 1881, um ano antes de morrer, dom Mariano exercerá ainda de alto representante de Espanha no casamento do futuro kaiser Guilherme II. Quem melhor?

Mariano Téllez-Girón, XII duque de Osuna. 1857. Ramón Soldevila y Trepat Dominio Público

Lembrarei sempre o comentário do guia na minha primeira visita a Osuna, justo depois de visitar a cripta dos Osuna: “...e aqui, nesta pequena capela lateral descansam em solitário os restos do último duque de Osuna, expulsado da cripta ducal por deixar arruinada a família”. Naquele momento tomei o comentário por curiosa lenda local. Afinal, nom estava muito longe da verdade.

O ocaso de dom Mariano foi tam magnificente em dêvedas como o foi em vida em dádivas. Além das suas incontáveis possessons, o duque herdara mais de cinco milhons de pesetas de rendas anuais; ao morrer, legou um insuportável monte de dêvedas continuamente refinanciado que alcançava os quarenta e quatro milhons. Os credores, com o Banco de Castilla como principal prejudicado, apenas pudérom recuperar 30% dos antecipos concedidos. O escultor encarregado de lavrar um sepulcro digno de tam empoleirado personagem, um artista napolitano residente em Sevilha, morreu sem poder cobrar, envolto em inúteis pleitos e reclamaçons.

O epílogo do faustoso conde-duque foi triste, mesmo vergonhento. Em 1866 desposara a María Leonor de Salm-Salm, filha de um príncipe alemam; contava ela 24 anos e ele 52. No 13 de Abril de 1883 chegavam em trem a Osuna os restos mortais do duque. O vagon mortuário passou um dia inteiro em via morta. Ao dia seguinte procede-se à inumaçom. A princesa viúva nega-se a ocupar o lugar reservado para a cerimónia de despedida e decide segui-la desde umha capela lateral. A triste cerimónia, um pouco grotesca até, tem umha testemunha de excepçom, um cervantista de altura, Francisco Rodríguez Marín, que descreve o episódio com desapiedado sarcasmo na imprensa da época. Pulvis, cinis et nihil, o epitáfio toledano do cardeal Portocarrero bem poderia servir de epílogo a umha vida relumbrante de tramóia e ouropel.

O historiador José Mauel Ramírez Olid oferece-nos o melhor relato5 da vida dispendiosa e desmesurada do duque. Convido o leitor interessado a navegar polas peripécias de tam singular personagem que acumulou em vida 14 ducados, 2 principados, 20 grandezas de Espanha, inúmeros marquesados condados e senhorios, sem esquecer o Toisom de Ouro e todo o medalheiro honorífico possível que o ia acompanhar à sua última morada a débito.

 

Notas

1 María Isabel Pérez Hernández, arquitecta, desvendou com perícia profissional a história do famoso jardim que eu nom cheguei a contemplar: https://www.slideshare.net/ACJardinCapricho/el-ramal-de-el-capricho-en-la-alameda-de-osuna

2 Antonio Marichalar, Riesgo y ventura del Duque de Osuna, Visor Libros 2012, Madrid, primeira ediçom, Espasa Calpe, 1930.

3 Manuel Segade, Narciso Fin de Siglo, Editorial Melusina, 2008

4 Juan Valera, Cartas desde Rusia, Miraguano Ediciones, 2005. A ediçom, cuidadosamente anotada e acompanhada de magníficos gravados do Sam Petersburgo coetáneo corre a cargo do reputado eslavista Ángel Encinas del Moral. 

5 José Mauel Ramírez Olid, “Cuando la realidad se hace leyenda, Mariano Téllez-Girón (1814-1882)”: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6253528. O artigo pode ser baixado em formato pdf.

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