Recuperemos a nossa história: O Museu do Reino da Galiza

Mapa do Reino de Galicia, por Fernando Ojea (1603) Dominio Público

Há uns meses estive a visitar na cidade de Leão o Centro de Interpretação da História do Reino de Leão. Um museu, situado num edifício histórico do centro, interessante, mas que me produziu uma sensação desagradável, ao comprovar a sistemática anulação que nele se faz de todo o relativo à Galiza, e nomeadamente com o seu, sem dúvida, marcante passado. É uma consequência, com certeza, de não contarmos com um centro ou museu semelhante, que nos ajudasse a contrapor à historiografia dominante outra versão mais objetiva da nossa história e, além disso, poder divulgá-la com liberdade e força.

Em Cangas de Onis existe a Aula do Reino das Astúrias. Em Pamplona criou-se há anos o Museu de Navarra. Num mosteiro perto de Jaca (Huesca) colocou-se o Centro de Interpretação do Reino de Aragão. Na cidade de Barcelona funciona com sucesso o Museu da História da Catalunha. Na antiga capital califal de Córdova e à beira do rio Guadalquivir encontra-se o Museu de Al-Ándalus, o período mais essencial e brilhante da história da Andaluzia. Pode-se afirmar, portanto, que em cada uma das partes do Estado espanhol nas que houve algum dos reinos mais conhecidos, e nas que inteligentemente se quis engadir o melhor do próprio à versão da história oficial espanhola, por outra banda, muito política e tendenciosa, e pouco científica, instalou-se o museu de história do reino correspondente. Em todas menos na Galiza. Curioso, não é? 

Essa ausência constitui um fato que demonstra de forma evidente uma grave deficiência das instituições galegas. Como se se quiser desde elas que nós, especialmente órfãos de estima para as nossas coisas, ignorássemos a nossa história. A propósito, uma história que não só foi a origem do que somos, senão também fundamento da aparição do Reino de Portugal e mesmo da configuração política e territorial posterior do Reino de Castela e de Espanha. Porque, como é bem sabido, “tinha a Galiza reis antes que Castela leis.” 

Esse Reino da Galiza não é uma ficção, que estava bem claro nos mapas antigos, e como tal era reconhecido por outros povos que viviam em Europa. Esse Reino que com os suevos chegou a ser o primeiro em surgir no nosso continente. Eis as referências a ele, por exemplo, de Gregório de Tours, no século VI, na sua História dos Francos. Somos, sem dúvida, uma nacionalidade, quer dizer, uma nação cultural e histórica, ainda que às vezes isso se nos quisesse ocultar e negar. 

Tirarmos o véu do passado é um tarefa necessária e não só como galegos, senão como pessoas deste tempo. Porque o homem e a mulher contemporâneos costumam viver num reduzido presente, na omnipotência da imediatez. Nesta altura da pós-modernidade frequentemente desconhecem de onde vêm e para onde vão, e não dispõem de cadeias interpretativas da realidade social. As suas memórias pessoais, muito fracas, não incorporam a história da sociedade. E isso seria algo primordial para nos proteger do esquecimento, e recuperarmos e assumirmos a consciência da identidade e o orgulho como povo. Precisaríamos então conhecermos bem o noso passado, fazê-lo presente, para nos projetar da melhor maneira no futuro.

Nesse desejável Museu do Reino da Galiza, de imprescindível criação, as distintas salas caracterizariam cada época e as suas figuras principais. Como antecedentes do Reino estaria uma sala dedicada aos povos celtas e à cultura castreja. Viria depois uma consagrada à romanização, à província romana da Gallaécia e a Prisciliano. 

E já como Reino, uma centrada nos suevos, com todos os seus reis, desde Hermerico até Andeca, e ao esplendor cultural e impulso civilizatório desses quase duzentos anos que durou. Manuel Murguia reconhecia esta parte da nossa história como fundamental para a conformação da identidade galega, mas ainda o ultrapassava nesta consideração o ferrolano Vicetto.

Nas dependências a seguir entraria a época da formação do novo Reino, com Ordonho I, Ordonho II, Sancho Ordónhez, Ramiro II, Bermudo II, Afonso VI, Fernando II, Afonso VIII, a Rainha Berenguela, Raimundo de Borgonha, Dona Urraca, Pedro Froilaz e Gelmírez. Haveria também uma lembrança especial ao malfadado Rei Garcia e umas salas dedicadas à aparição da língua galega, depois chamada portuguesa, à literatura medieval, à arte românica e a Santiago e os caminhos.

Criaria-se igualmente uma sala acerca das origens de Portugal e da posterior relação com a Galiza, com Vímara Peres e a fundação do Condado de Portucale, a independência, com o Rei Afonso Henriques, e a entrada na Galiza como rei de Fernando I de Portugal, e a sua relação com o galego Conde Andeiro.

Outras salas teriam como conteúdos os da última parte da Idade Média, isto é, a história do Condado de Lemos, também de Joana de Castro e de Inês de Castro. Nelas estaria o Duque de Lancaster, Pardo de Cela, Pedro Madruga e as Revoltas Irmandinhas. Depois de tudo isso o Reino da Galiza, na prática, já estava acabado, no entanto ainda teria o seu final oficial em 1833, ano em que se fez a atual divisão do Estado em províncias. 

A cidade de Santiago de Compostela reune as condições ideais para a instalação deste museu, pela sua importância histórica, mas também pela existência do Panteão Real na sua Catedral. E no caso de não poder ser, outras cidades e vilas históricas relacionadas com todos esses feitos poderiam-se candidatar, como Mondonhedo, Lugo, Caldas de Reis, Ribadávia, Mondonhedo, A Corunha, Sárria, Betanços, Sobrado, Tui,... Há muitos edifícios municipais, autonómicos e privados sem uso, ou com uso deficiente, em cascos históricos, e alguns abandonados e a ponto de cair. 

Um Museu do Reino da Galiza -que nunca de “Galicia”-, já estável, permanente, seria ideal para visitas escolares e da população galega, além de para o conhecimento das pessoas viageiras que nos visitarem. 

Não se propõe uma veleidade ou um antojo, senão uma instituição indispensável para a cultura dos galegos e para a própria Galiza. 

Uma próxima mudança política, se calhar, facilitaria a sua criação. 

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